Após vencer o coronavírus, Índio revela: 'Tive medo de morrer'

Ídolo do Vitória, ex-atacante conta ao CORREIO como foi encarar a doença

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  • Daniela Leone

Publicado em 19 de maio de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo pessoal

Ídolo do Vitória, Índio passou por grandes emoções ao longo da carreira de jogador de futebol, mas nenhuma tão intensa quanto à vivenciada nas últimas semanas. “Tive medo de morrer”, revela em entrevista ao CORREIO, após vencer o novo coronavírus. “Eu já tô bem, sem sintoma nenhum”, comemora.

Aos 38 anos, o ex-atacante está em fase final de recuperação da covid-19. Está isolado em um quarto da casa onde mora com a esposa Meireany, em Fortaleza. “Não estou sentindo mais nada, mas sigo isolado, porque não sei se ainda estou com o vírus. Minha esposa não fez os exames, mas ela não teve sintomas, só uma gripe. Vou voltar ao hospital daqui a uma semana para fazer novos exames”, explica.

Bem disposto e já sem fazer uso de medicação, Índio recorda o sofrimento provocado pela doença. “Tive falta de ar, cansaço, febre e dor no corpo. Foram 10 dias difíceis, sem me alimentar direito, sem sentir gosto. Colocava uma colher de comida na boca e já me sentia satisfeito. Fiquei muito mal mesmo, foi forte”, relata. “Não desejo nem para o meu pior inimigo”.

Índio esteve internado na capital cearense por três dias, no Hospital São José de Doenças Infecciosas. “Estava passando muito mal, com todos os sintomas. Não sabia o que era e minha esposa me convenceu a ir ao hospital, mas chegando lá não consegui ser atendido, não tinha vaga, leito, estava muito lotado. Fiquei com medo de acontecer alguma coisa mais grave comigo. Os atendentes diziam que não tinha como atender, porque o hospital estava muito cheio. Me bateu um desespero”, admite.

O atendimento foi viabilizado por um familiar. “A tia de minha esposa trabalha nesse hospital. Ela conseguiu falar com o médico pra ele me examinar. Quando ele me atendeu, já foi dizendo que era pra me internar, que eu estava com 100% de suspeita. Fiz o exame e deu positivo”.

Na unidade pública, o ídolo rubro-negro temeu pela própria vida e teve conhecimento da morte de outro paciente. “Não presenciei, mas ouvi dizendo que o médico estava indo dar o laudo. Tinha muita gente usando respirador, oxigênio. Fiquei com pânico, é uma situação muito difícil”, lamenta Índio, que não precisou fazer uso de respirador.“Senti falta de ar leve, mas o cansaço era mais persistente. Logo que cheguei, não conseguia nem dar dois passos que sentia falta de ar. Eles colocaram um aparelho no meu dedo para monitorar a saturação, porque se baixasse demais teria que usar o oxigênio, mas a minha saturação estava boa e não precisei. Tinham outras pessoas piores que estavam precisando”.Índio teve alta no último dia 7 e continuou fazendo uso de medicação em casa. “Fiquei muito aliviado. Quando falaram que eu ia me internar, bateu o desespero, mas logo no segundo dia eu já estava me sentindo melhor. No terceiro, eles já viram que não tinha mais necessidade de ficar internado, porque estava tomando espaço de outros que estavam com sintomas mais avançados”.

Ele conheceu bem essa realidade da rede pública. Um dia antes de ir para o Hospital São José, Índio já havia sido atendido em outra unidade de saúde de Fortaleza, o Hospital Nossa Senhora da Conceição, mas não foi internado. “Me consultei e o médico me disse que eu estava com pneumonia e suspeita de coronavírus. Ele passou requisição pra exame e pra uma medicação, cloroquina, fui atrás nas farmácias, mas não encontrei”, afirma o ex-jogador.

Índio admite que não estava seguindo as orientações de isolamento social feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e não sabe identificar onde ou como contraiu a doença. “Não tenho ideia. Eu estava em casa, mas não estava fazendo aquele isolamento 100%. Saía, ia ao mercado, visitava familiares, fazia algumas coisas. Antes de acontecer isso, pensava que não iria acontecer, não acreditava que iria pegar nada. Eu achava que não existia isso, não conhecia ninguém que tinha pego, que sentia sintomas, então eu achava que era uma gripe normal”.

Carreira Índio comemorava seus gols fingindo dar flechadas. Campeão baiano com o Vitória e artilheiro do estadual 2007, com 26 gols, ele deixou sua marca na antiga Fonte Nova ao balançar quatro vezes a rede no clássico Ba-Vi vencido pelo rubro-negro por 6x5. No total, foram 131 jogos e 66 tentos marcados com a camisa do Leão. O fato de ser um ex-atleta, no entanto, não inibiu a ação da covid-19.“Para essa doença não tem negócio de vigor físico e nem estrutura muscular forte. Esse vírus derruba quem for, do mais novo ao mais velho, do mais fraco ao mais forte”, alerta Índio.Ele se aposentou as chuteiras há apenas cinco meses. O último clube profissional que defendeu foi o Conquista, na segunda divisão do Campeonato Baiano, em 2018. Em dezembro do ano passado, foi vice-campeão do Intermunicipal com a seleção de Itapetinga, derrotada nos pênaltis por Itamaraju na final.

Este ano, ele teve a primeira experiência no futebol fora das quatro linhas, ao trabalhar como auxiliar técnico do time sub-20 do Pacajus. O contrato era temporário e durou três meses. Ele também tentou fazer renda extra como motorista de Uber, mas desistiu. “Não dá pra mim. Tem que ter muita paciência. Fui uns dois dias e não deu certo”, conta. Antes de contrair a covid-19, dava suporte à esposa na loja de roupas que ela tem e investia na carreira à beira do campo. “Eu estava fazendo uns cursos para tirar licença, para em breve trabalhar no meio do futebol de forma regular”.

O período de maior destaque da carreira de Índio foi entre 2006 e 2008, quando conquistou com o Vitória dois acessos consecutivos no Campeonato Brasileiro, à Série B e à Série A. Após jogar no Gyeongnam e no Chunnam Dragons, ambos da Coreia do Sul, ele voltou a vestir a camisa do Leão, em 2012.

“Até pouco tempo eu tinha muita saudade, não só do Vitória como também de estar atuando. Sigo acompanhando o Vitória. Foi onde eu fui reconhecido e onde ganhei os títulos mais importantes”. Na Bahia, também defendeu Ipitanga, Vitória da Conquista, Ypiranga e Jacuipense.

Nascido em Itatira, no interior do Ceará, o ex-atacante foi revelado pelo Atlético Cearense, anteriormente conhecido como Uniclinic, mas foi nos gramados baianos que ganhou notoriedade e fez amigos fiéis, que se preocuparam com ele quando souberam da internação. “Recebi muitas mensagens. Bida, Marquinhos, uma galera do Ipitanga e alguns amigos daí de Salvador me mandaram mensagens pra saber como eu estava”. 

A eles, Índio fez um alerta e gostaria que a mensagem chegasse a mais pessoas: “Se eu pudesse falar para o mundo inteiro, como falo para os meus amigos e familiares, diria para tomar cuidado. Esse vírus é perigoso. Você não sabe onde está, não o vê. É preciso cuidar da família, das pessoas que têm mais idade. Fique em casa o máximo que puder e só saia em último caso”.