Avó e neta de 4 meses morrem após deslizamento de terra em Águas Claras

A criança chegou a ser encaminhada para unidade de saúde, mas não resistiu

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  • Da Redação

Publicado em 23 de abril de 2020 às 13:38

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Foto: Reprodução/Cedida ao CORREIO)
. por Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Uma família de seis pessoas vivenciou um drama na manhã desta quinta-feira (23), após um deslizamento de terra no bairro de Águas Claras, que terminou com a morte da bebê Maria Eduarda, de apenas quatro meses, e da avó dela, a diarista Maria da Conceição Fraga Teixeira, 41. Ambas faleceram depois de ficarem soterradas com o desabamento do imóvel em que estavam em função das fortes chuvas. A casa da família, localizada na 2ª Travessa Celika Nogueira, foi demolida e outras 16 construções foram interditadas pela Defesa Civil (Codesal).

Segundo moradores da área, quatro pessoas estavam na casa: o casal Maria e José, a filha Gabriela, 19, e a neta. Outros dois filhos do casal Daniel e Gabriel, de 17 e 18 anos, respectivamente, chegaram depois do fato. Ao ouvirem o estrondo, os próprios vizinhos correram para prestar socorro e conseguiram resgatar a bebê e a mãe da criança. Ao chegar no local, o Corpo de Bombeiros Militar retirou o pedreiro José Carlos Gonçalves Silva, 51. Segundo Daniel, a irmã Gabriela teve uma fratura na perna e o pai sofreu um ferimento no pé. Ambos já tiveram alta hospitalar.

Familiares informaram que Gabriela foi para a casa da mãe, que estava com saudades de ver a netinha. A jovem morava com o namorado Erick em uma casa no mesmo bairro. O nascimento da pequena Maria Eduarda foi muito comemorado pela família e também pelos vizinhos da família, que até fizeram um chá de bebê para a jovem. “Minha mãe estava com saudade da minha irmã e de Maria Eduarda ai pediu pra elas virem pra cá. Elas chegaram há quase uma semana e iam voltar para casa hoje [quinta] ou amanhã [sexta]”, disse Daniel.

Antes de sair para trabalhar nesta manhã, por volta das 7h20, Daniel falou com o pai, que estava preparando o café da manhã. A sobrinha Maria Eduarda também tinha acordado. Já Gabriel estava de folga nesta quinta, mas não estava na casa no momento do deslizamento. “Ele tinha saído para resolver algum problema na rua”, disse Daniel.

De acordo com o tenente Ricardo Cruz, do Corpo de Bombeiros, Maria da Conceição foi encontrada soterrada até a altura do tórax. Aparentemente, ela já tinha falecido quando a equipe conseguiu achá-la, possivelmente devido ao tempo em que ficou presa no volume de terra. O acidente ocorreu por volta das 9h30 e ela ficou soterrada por cerca de três horas. 

Ainda conforme o tenente, é possível que ela tenha caído e levado uma pancada na testa, o que levou a um traumatismo craniano. “Acreditamos que ela tenha desmaiado assim que sofreu o acidente”, relatou ao CORREIO por volta das 17h, quando o corpo da diarista foi transferido da ambulância para o rabecão da Polícia Civil, responsável pela perícia. 

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O lar da família ficava atrás de um galpão. Para entrar na residência, é necessário passar por um beco estreito que dá para várias outras casas, como uma vila em formato de V. À noite, a rua não tem luz e fica mais difícil andar pelas escadarias que ligam as casas. De um lado das escadas, ficava a moradia da família. Do outro, é possível chegar na residência da família Santos, que também foi parcialmente tomada pela terra e, por isso, teve que ser evacuada. Como um todo, a vila fica abaixo de barrancos, o que facilita a chegada da água das chuvas no local.

Depois do deslizamento de terra, apenas o quarto onde dormia a neta do casal ficou de pé, mas teve que ser demolido por equipes da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur). A família morava em um imóvel de um andar com três quartos, uma sala e um banheiro. No lugar que ficava a casa, sobraram apenas os escombros da construção e os móveis que não puderam ser retirados do local. Após o resgate das vítimas, moradores do bairro ajudaram Daniel a retirar os bens da família que ainda podiam ser utilizados.

Filhos vão se mudar

Ao CORREIO, Daniel contou que a família vai passar uma temporada em Governador Mangabeira, onde moram familiares de sua mãe. “Agora estamos mais preocupados com o enterro da minha mãe e da minha sobrinha. Depois, vamos para o interior”, disse.

Seu Bartolomeu dos Santos, 63 anos, foi o primeiro a ajudar seu José. Ele mora ao lado da casa da família e correu para a varanda assim que escutou o estrondo do deslizamento. Nesse momento, ele escutou os gritos do pai da família. “Eu tava vendo TV na hora, vi a zuada e quando levantei correndo pensei que desabou alguma coisa. Quando eu olhei lá, José começou a me gritar e eu vim correndo debaixo de chuva. Muitos vizinhos apareceram para ajudar depois”, disse Bartolomeu.

A família era amiga de todo mundo que morava nas redondezas e seus filhos cresceram no bairro. “A gente formava a equipe das guerreiras, um time de futebol montado por uma policial com as mulheres do bairro. A gente fazia festa, piquenique e jogava o baba”, contou Luciana dos santos, 43, que era amiga de Maria.

Galpão já preocupava

De acordo com o filho mais novo de Maria, a família queria se mudar para Governador Mangabeira, pois já tinham medo de que a casa em que moravam há 26 anos pudesse desabar. O jovem contou que o galpão construído à frente, logo acima da casa deles, tinha um cano que minava água no terreno deles e deixava tudo encharcado. “Esses dias, eu até tinha ajeitado a canaleta do galpão com um amigo meu porque os donos não faziam nada. Todo mundo tinha medo do barranco cair. Tudo o que faziam, jogavam os entulhos no quintal, tem até pneu velho entre a terra”, contou.

Em anonimato, uma moradora da região próxima da família conta que há muito tempo eles já vinham pedindo que os donos do galpão consertassem o problema. Segundo ela, parte do fundo da construção desabou sobre a casa de Maria. O galpão acabou sendo interditado pela Defesa Civil. Além destes imóveis, também foi interditado um prédio logo ao lado, de quatro pavimentos, onde viviam 10 pessoas de quatro famílias. As pessoas tiveram que evacuar o prédio e ir para casas de familiares e amigos, mas antes puderam retirar pertences, como  móveis e eletrodomésticos. Casarão de quatro pavimentos foi interditado (Foto: Marina Hortélio/CORREIO) Auxílio

Conforme o superintendente da Defesa Civil, Sosthenes Macêdo essas famílias deverão preencher um formulário para que o órgão analise a possibilidade de elas terem acesso a benefícios como auxílio-emergência, que varia de um a três salários mínimos, e também aluguel social, de R$ 300. Devido aos danos maiores, a família de Maria é apta a receber os dois, conforme garantiu a Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate à Pobreza (Sempre). A secretaria informou ainda que já entregou à eles provisões como cestas básicas, colchões e kits de higiene e que o pessoal já vem sendo acompanhado por psicólogos e assistentes sociais para lidar com o trauma.

De acordo com Sosthenes Macêdo, parte dos técnicos da Codesal estava atendendo uma ocorrência de deslizamento em Sussuarana quando tiveram conhecimento do fato em Águas Claras. Imediatamente, se dirigiram também ao bairro. “Tivemos hoje um dia de muita chuva, com demanda na cidade inteira. [Em Águas Claras], nossa equipe deu continuidade aos trabalhos chamando os demais órgãos”, explicou. O superintendente contou ainda que o local atingido possuía plantação de bananeiras, árvores conhecidas por acumular água no solo e que representam grande risco de deslizamento de terra.

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur) foi solicitada para fazer a demolição do que restou da casa de Maria. Após o ocorrido, a Limpurb preparou a área para colocação de lona plástica, para cobrir as encostas e evitar que a terra fique ainda mais molhada.

Na mesma vila, a casa de Luciana teve que ser evacuada após as chuvas desta quinta-feira (23). A casa começou a ser tomada pelo barro no mesmo horário do deslizamento da casa de Maria. “De vez em quando cai um pouco de barro aqui e temos que tirar. Vem muita água lá de cima, a água cede a terra”, disse Sérgio, 42, que é casado com Luciana.

Há cerca de dois anos, a casa de Luciana e Sérgio já havia sido tomada pelo barro. Na época, eles começaram a fazer um muro para impedir que a situação se repetisse, mas o orçamento apertado impediu que a obra fosse terminada. “A fundação do muro já tava feita. Eu vou fazer dois anos em casa. Quando eu escutei o estrondo da casa de Maria, eu tava tirando o Barro da minha casa pra água sair. A Codesal disse que era para a gente sair de casa pois caia perigo”, contou Luciana enquanto retirava os pertences da residência.

Total de solicitações na cidade

Até às 17h desta quinta, a Defesa Civil de Salvador recebeu 334 solicitações. Destas, 125 forma por deslizamentos de terra e cinco desabamentos de imóveis. Além disso, houve 63 avaliações de imóvel alagado, 40 ameaças de desabamento, 31 ameaças de desabamento, 25 imóveis alagados, 12 desabamentos de muro, 10 desabamentos parciais, cinco árvores ameaçando cair, quatro árvores caídas, quatro infiltrações, três alagamentos de área, duas ameaças de desabamento de muro, duas avaliações de área, um destelhamento, uma orientação técnica e um armazenamento de material perigoso. 

Os desabamentos de imóveis foram registrados em Sussuarana, onde uma criança ficou ferida sem gravidade; na Boca do Rio, no qual um adulto foi encaminhado para a unidade de saúde; em Águas Claras, as quatro vítimas, sendo duas fatais e nos bairros do Arenoso e Castelo Branco, nos quais, até o momento, não houve registro de vítimas.

O órgão integra a categoria de serviços essenciais do município atende normalmente à população através do telefone gratuito 199. 

Sussuarana Outro caso foi registrado em Sussuarana. Uma criança de 8 anos foi soterrada após um deslizamento de terra e queda de parede. A pequena Sofia já foi resgatada após cerca de meia hora, segundo moradores da região.

Uma vizinha da família contou ao CORREIO que o barranco cedeu pelos fundos da casa da família, depois das 10h desta quinta-feira (23). "Quando eu passei para ir para casa de minha mãe eu vi o desespero da mãe da menina, gritando, pedindo socorro. Eu chamei o pessoal para ajudar a socorrer", diz ela, que prefere não se identificar.

A mãe de Sofia, Angela, relembrou a situação para a TV Bahia. "A gente estava na sala, chamei ela, chamei meu namorado para ir pra cama. Quando a gente deitou na cama eu só vi só o barro descendo... Imprensou minha filha. Saí na rua desesperada para chamar gente para acudir. Os vizinhos ajudaram, tiraram minha filha", conta. "Foi uma coisa rápida. Vi só o barranco desceu". 

A família fará cadastro para receber o aluguel social e enquanto isso ficará na casa de vizinhos.*Sob supervisão da editora Clarissa Pacheco