Bad Vegan e Marcos Lacerda podem salvar a sua vida 

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  • Da Redação

Publicado em 26 de março de 2022 às 11:00

- Atualizado há um ano

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Bad Vegan é a nova série documental da Netflix, tem quatro episódios, dá pra assistir numa noite e vai, provavelmente, lhe segurar do início ao fim. Marcos Lacerda é um psicólogo paraibano que tem um canal no YouTube chamado Nós da Questão. Sei lá o que você vai fazer nesse fim de semana, depois que Átila Iamarino (querido!) disse que estamos em uma lua-de-mel com o vírus, que é pra gente aproveitar, mas, eu sendo tu, dava um jeitinho de encaixar esses dois programas aí. 

Acho lindo quando alguém consegue trazer para a compreensão de qualquer pessoa as coisas mais complexas. Seja destrinchando um pavoroso caso real (como em Bad Vegan) ou trazendo para o nosso cotidiano (e à aplicabilidade em nossas vidas) a riquíssima teoria psicanalítica (e não apenas ela), do jeito que Marcos Lacerda faz. A mim, diverte, esse tipo de conteúdo. Mas também ajuda, principalmente neste momento em que estamos quase todos meio coisados/as, carentes e perdidos/as. Explico. 

Bad Vegan conta a história de Sarma Melngailis. Mulher poderosíssima, maior nome do veganismo e crudismo dos Estados Unidos, a empresária teve a vida completamente destruída depois que cedeu ao "bombardeio de amor" de um estelionatário. Que a gente pode chamar de estelionatário agora porque sabe o fim da história, mas, durante anos, era o "amor" daquela que era "a mulher mais especial que ele já encontrou nesta e em outras vidas". Sim, enredo comum. Corriqueiro. 

O que impressiona não é a história, mas acompanhar o passo a passo da deterioração da lucidez dela que conta - na longa entrevista que costura o documentário - cada nuance do processo mental pelo qual passou. É fascinante e assustador o caminho que essa mulher faz até chegar a um lugar fantasioso onde passa a viver as piores violências com o tal "marido". 

Seja qual for o seu gênero, com alguma humildade, você vai entender a bobagem que seria afirmar que jamais entraria numa loucura daquele tipo. Entraria sim, a depender do seu estado psíquico. Podia não ser naquele golpe, daquele jeito, com aqueles elementos. Fragilidades são pessoais, você tem as suas, eu tenho as minhas. O criminoso é ele, claro, sabemos. Mas o documentário nos faz entender como as fragilidades específicas de Sarma permitiram o encaixe perfeito com aquele bandidinho de quinta. Essa é a lição, isso é o que observar na série.

Bad Vegan traz o exemplo do "amor" romântico na vigência do qual - em nome do "para sempre", do tal "final feliz" - a gente pode entregar coisas até bem mais valiosas do que dinheiro. De acordo com a intensidade da tempestade hormonal, com o nível de adoecimento (angustiante e delicioso, eu sei) que toda paixão é e, principalmente, com as condições nas quais o tal "amor" nos encontra, só mesmo a sorte pra proteger botando gente boa e, minimamente, bem intencionada no caminho. 

Acontece que nem sempre a sorte ajuda e que o sentimento de paixão não se controla. O SENTIMENTO, observe. As ações podemos controlar, sim. Então, bem por isso, resta cuidar da única variável sobre a qual temos algum domínio: "como o tal 'amor' nos encontra". E não só o "amor", claro. Trabalhar em "como as coisas da vida nos encontram" talvez seja a maior responsabilidade que temos na idade adulta. Você tá cumprindo? 

Daí, o canal de Marcos Lacerda. Você vai rir, capaz de chorar também. Com certeza, vai tomar umas porradas belíssimas. Pode achar "bobo" ou "popular demais", a depender do nível de elitismo intelectual que traz aí. Problema seu. Pra mim, é um trabalho riquíssimo. Identificar a complexidade humana em questões cotidianas, ir lá na teoria e voltar traduzindo, de forma simples, conceitos elaborados, é inteligência pura. Marcos descomplica e eu adoro isso. 

Não substitui uma boa psicoterapia, claro. Marcos é um psicólogo, mas falo dele no lugar de youtuber, afinal. Ambiente virtual, redes. É outro papo. Ainda que aquele canal me pareça algo mais útil, profundo e responsável do que muito "trabalho" pago e presencial. Ou, pelo menos, não entrego a senha da minha cabeça para "coaches", "consteladores/as", "jovens místicos/as", iniciantes e outras banalidades. Até aqui, o bom senso tem me ajudado a não virar uma idiota motivada, uma "pessoa equilibrada", uma humana "resolvida" ou, até pior, uma "mulher sagrada". Felizmente, não tenho mais idade. 

Quando eu tinha uns 20 anos, precisei ler todos os volumes da coleção de Freud, alguns seminários de Lacan, o Livro Disso de Groddeck, além de Hegel, Jung, Reich e mais um monte de outras coisas, pra COMEÇAR a me apropriar de mim. Começar, porque esse é um trabalho para a vida toda e com altos e baixos. Mas é um trabalho que você pode começar agora, apenas escutando um canal, enquanto lava os pratos. Não tô comparando uma rica bibliografia com lives, que eu não tô maluca. Mas já é alguma coisa, não tem chance de não entender e não precisa do tempo sobrando que a gente tem aos 20 anos. Depois, você aprofunda, se quiser. Maravilhoso, né? Eu acho. 

Talvez, aquela empresária poderosa não tivesse passado por tudo aquilo se fosse, mesmo, dona de si. É disso que se trata cuidar de "como as coisas da vida nos encontram". É claro que nada nos "blinda", esse conceito da autoajuda mais rasa. Só que, algumas coisas, ajudam, sim. Muitas vezes, evitam catástrofes. Tomar posse da minha cabeça, assumir o meu "ori", saber quem eu sou, tudo isso já me salvou muitas vezes, inclusive de "bombardeio de amor", esse tipo de isca que Sarma mordeu e que é tão, mas tão comum.

Bad Vegan e Marcos Lacerda podem salvar a sua vida, esse é o fato. Ou salva a sua vida qualquer outra coisa que esfregue responsabilidade na sua cara, que lhe desperte para essa ocupação de território interno. Um negócio trabalhoso, demorado, que dói e que não acaba nunca. Mas, se você acha sexo (ou doce ou pizza ou cuscuz com ovo) a melhor coisa que tem, é que nunca sentiu o prazer de fincar bandeira dentro de si mesmo/a. Aí, viver começa a ter graça. Mesmo com todos os inevitáveis tropeços.