Bahia recebeu 280,5 mil comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina na pandemia

Só Porto Seguro recebeu 80 mil. Medicamentos fazem parte do 'tratamento precoce' sem comprovação científica e podem causar efeitos colaterais irreversíveis

  • D
  • Da Redação

Publicado em 15 de março de 2021 às 16:46

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tiago José Paiva/Secretaria de Saúde do Paraná

O estado da Bahia recebeu do Ministério da Saúde 280,5 mil comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina desde o início da pandemia até o mês de janeiro de 2021, dentro do programa de combate à covid-19.

Os dados foram disponibilizados pelo governo federal através do Portal dos Dados Abertos e divulgados e analisados pela Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso à informação.

267 mil comprimidos foram do medicamento difosfato de cloroquina 150mg. O município de Porto Seguro lidera os recebimentos, com 80 mil comprimidos entregues pela pasta da Saúde, divididos em duas remessas de 40 mil unidades cada.

Em segundo lugar está Feira de Santana, que recebeu 56,5 mil unidades do remédio. Fecham a lista Vitória da Conquista, com 50 mil comprimidos, Jequié, com 13,5 mil unidades e Itapetinga, que recebeu 9 mil cápsulas de cloroquina.

O Governo do Estado da Bahia também recebeu cloroquina, acumulando 58 mil comprimidos divididos em três remessas, uma de 24 mil unidades e outras duas de 17 mil cada.

Também foram enviadas ao estado da Bahia, pelo Ministério da Saúde, um total de 13,5 mil comprimidos de hidroxicloroquina 200mg.

O município de Madre de Deus recebeu 9 mil unidades do medicamento, que assim como a cloroquina não tem eficácia comprovada contra a covid-19. Já o município de Vera Cruz, localizado na ilha de Itaparica, recebeu 4,5 mil comprimidos.

É necessário ressaltar que estes comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina não fazem parte das 500 mil unidades destinadas ao tratamento da malária e de outras doenças. Os comprimidos citados são destinados exclusivamente ao "tratamento" da covid-19.

No total, o governo federal distribuiu mais de 7,4 milhões de comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina aos estados e municípios de todo o Brasil, o que resulta em uma unidade do remédio a cada 28,3 habitantes do país.

Além de não terem eficácia contra o coronavírus, os medicamentos podem causar efeitos colaterais irreversíveis ao organismo. De acordo com um estudo da Universidade Federal do Paraná divulgado em fevereiro deste ano, a cloroquina gera um efeito tóxico nos vasos sanguíneos.

“Ao atacar as células endoteliais, presentes em todos os vasos sanguíneos do corpo humano, a cloroquina pode afetar a circulação de órgãos como coração, rins e pulmões, alguns dos mais atingidos pela Covid-19”, afirmou Paulo Cézar Gregório, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia, Parasitologia e Patologia da UFPR, à revista Galileu.

“Por isso, a nossa hipótese é a de que o uso do medicamento pode agravar o quadro de pessoas com a doença”, complementa.

O uso profilático da cloroquina e da hidroxicloroquina vem sendo utilizado como estratégia oficial de combate à covid-19 do governo de Jair Bolsonaro. A medida —que não possui nenhuma corroboração científica — é chamada erroneamente de tratamento precoce contra o coronavírus.

O outro lado O CORREIO tentou entrar em contato com todos os municípios citados na reportagem e com o Governo do Estado da Bahia, na tentativa de receber explicações sobre o uso desses remédios, se eles foram distribuídos, e se sim, para quem e de que forma.

A assessoria de comunicação de Jequié informou que a remessa desses medicamentos foi feita ao município na gestão executiva anterior. Ela foi fruto de uma doação da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Seguro. Ainda segundo Jequié, a atual equipe da Secretaria de Saúde Municipal não é a mesma da última gestão.

A prefeitura de Vera Cruz confirmou o recebimento dos comprimidos de hidroxicloroquina, com validade até outubro de 2022, mas que até o momento eles não foram usados e que, apesar de existir uma portaria do Ministério da Saúde, a prefeitura não está utilizando eles como tratamento precoce.

Apesar de ter conseguido contato inicial, não responderam à reportagem o Governo do Estado da Bahia, e as prefeituras de Feira de Santana, Vitória da Conquista, Madre de Deus, Itapetinga e Porto Seguro. A medida que os questionamentos forem respondidos, a reportagem será atualizada com o posicionamento das partes.

Atualização às 20h: a secretaria de Saúde de Vitória da Conquista enviou nota ao CORREIO após a publicação da matéria, que afirma que foi recebido, no mês de agosto de 2020, um lote com 50 mil comprimidos do medicamento, encaminhado pelo Laboratório do Exército e Ministério da Saúde. Até o momento, nenhum quantitativo desse estoque foi utilizado e segue totalmente armazenado na Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF) do município.