“Baía de Todos os Santos tem um verdadeiro museu submerso”, diz especialista

Doutor em arqueologia, Rodrigo Torres é um dos maiores especialistas do mundo em sítios de naufrágios e realizou pesquisa para a Ufba

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  • Murilo Gitel

Publicado em 3 de dezembro de 2017 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: O sítio do naufrágio do Cavo Artemidi é dos mais visitados na Baía de Todos os Santos (foto: Lúcio Távora / Agência Tempo)

Um dos maiores especialistas do mundo no estudo de sítios arqueológicos de naufrágios já esteve entre nós, na Universidade Federal da Bahia. O doutor em arqueologia pelo Nautical Archaeology Program da Universidade do Texas (EUA) Rodrigo de Oliveira Torres, coordenou até 2016 a linha de pesquisa para o patrimônio subaquático do ObservaBaía (Observatório de Riscos e Vulnerabilidades da Baía de Todos os Santos).

Atualmente, Torres coordena o Programa de Arqueologia Subaquática do Centro de Investigaciones del Património Costero (CURE-UdelaR) em Maldonado, Uruguai. Profundo conhecedor dos naufrágios situados na Baía de Todos os Santos (BTS), o arqueólogo concedeu entrevista (por e-mail) ao CORREIO Sustentabilidade, onde destaca a importância da preservação desses sítios para a sociedade.

Como o senhor vê a importância arqueológica, cultural e histórica desses sítios de naufrágios na Baía de Todos os Santos?

A BTS possui um incrível acervo do seu patrimônio cultural que encontra-se embaixo d'água. Este acervo, que constitui um verdadeiro museu submerso, está constituído de naufrágios de distintos períodos, mas também sítios depositários ritualísticos, restos de estruturas portuárias, engenhos, fortes, etc, que formam parte do patrimônio cultural subaquático da Bahia e do Brasil. Há também na BTS e rios tributários do Recôncavo um grande potencial para registros arqueológicos pré-históricos, como canoas, estruturas de pesca, habitações e sambaquis submersos, cujo potencial de investigação ainda está para ser realizado. Em um território essencialmente marítimo, cuja formação urbana, econômica e em grande medida também social e cultural estiveram ligadas a utilização das vias aquáticas, não podemos pensar o patrimônio histórico e cultural isolado, sem a sua continuidade sobre a orla ou submersa.

Por que, na sua opinião, falta apoio do poder público para incentivar esse tipo de pesquisa?

Bem, são várias as questões, mas essencialmente é um problema de falta de visão que temos enquanto sociedade sobre a importância que a história, a cultura e o patrimônio cultural podem ter na vida das pessoas. Hoje no Brasil temos todas as condições de investigação, gestão e socialização deste patrimônio, permitindo a visitação dos sítios de naufrágio em contextos turístico-educativos sustentáveis, assim como para "trazer este patrimônio subaquático à superfície", através de técnicas de mapeamento digital e realidade virtual, por exemplo. O problema, portanto, não é técnico, tampouco de recursos econômicos, mas sim de prioridades. Com o devido interesse público, Salvador poderia facilmente tornar-se um centro de importância mundial na pesquisa, preservação e formação de pessoal capacitado em arqueologia subaquática.

O senhor é um grande conhecedor de sítios de naufrágios pelo mundo. O que destacaria sobre as características dos naufrágios registrados na Baía de Todos os Santos desde o século 17?

Certamente a representatividade, por haver naufrágios de diversos períodos (desde o século 17 até o 20), o fácil acesso, as águas predominantemente claras e com boas condições para o mergulho praticamente todo o ano. Mas se pudesse eleger um fator de destaque, diria que a integração do patrimônio subaquático com o exuberante patrimônio costeiro, suas paisagens marítimas, fortes, faróis, etc, formam um conjunto com grande potencial em termos patrimoniais, turísticos e educativos. É um diferencial poder mergulhar em quatro naufrágios de navios a vapor dos séculos 19 e 20, de quatro nacionalidades distintas, e ao sair da água ver que está ao pé do Farol da Barra, protegido pelo Forte de Santa Maria.

Por meio do estímulo ao turismo sustentável, esses sítios de naufrágios não poderiam ser mais preservados, incentivando os mergulhos e desenvolvendo o potencial turístico da Bahia para o mundo?

Sem dúvida. Hoje o turismo em sítios de naufrágio na BTS não possui qualquer regulação ou protocolo de boas práticas, de modo que a cada ano é visível o desgaste nos locais mais visitados. Talvez o pior elemento é o fundeio de embarcações sobre os sítios, lançando âncoras ou fazendo a amarração em elementos do sítio como canhões ou âncoras históricas. Seria necessário, como medida urgente, estabelecer pontos de fundeio fixos nestes locais e sinaliza-los. Com isso também aumentar a fiscalização e as ações educativas. Para atingirmos um ponto de turismo sustentável, cujo potencial é imenso na BTS, será necessário o trabalho conjunto de pesquisadores, do Iphan, da Marinha do Brasil e das operadoras de mergulho.