Baianidades: da ideia adoidada de ser novidade e memória, resenha e risada

Uma ligeira apresentação, por André Uzêda

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  • Da Redação

Publicado em 17 de fevereiro de 2019 às 05:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Primeiro nasceu a baianidade e só depois, muito tempo depois, essa indócil Bahia. Escrita assim, essa frase soa meio besta. Parece até texto de publicitário ou de baiano ‘exilado’ no Sul afetado por franco entusiasmo, em breve temporada de retorno, no calor de janeiro.

Mas num é, não. A criação de um povo é, por vezes, uma custosa engenharia imbricada nos embates entre posições oficiais, processos civilizatórios e resistências populares. Há uma frase famosa de um político italiano, Massimo d’Azeglio (olhei no Google), dita no contexto da unificação do país, em meados do século XIX: “Fizemos a Itália; agora precisamos fazer os italianos”.

Na Bahia, se bula não, foi e é bem diferente. A identidade do povo primeiro se criou aqui, no que viria a ser laboratório de uma propagada miscigenação à brasileira. Em nosso caldo cultural condensaram-se três nações indígenas (Tupi, Jê e Kariri), junto com povos negros arrancados da costa ocidental da África, do interior, e da costa oriental e com os portugueses, permissionários da coroa para explorar as terras além-mar.

Essa coluna nasce hoje, domingo-17-do-2 (aniversário de morte de Darcy Ribeiro), pra ser chamada de Baianidades (com “B” maiúsculo de Baía, Batuque, Banho de Cuia, Badogue, Buzu, Bufa, Bufa fria, Badauê, Báfia, Balê, Baba, Boca, Benga, Bê, Baby, e Benin) porque se propõe a falar mais dos baianos, da forma como se comportam, das histórias curiosas, como agem, se alimentam, bebem, falam, ouvem, dançam, pensam, festejam, do que sobre a Bahia – esse ente oficial.

Primeiro porque essa propagada baianidade toda nem dá conta da Bahia toda. Há imensos territórios excluídos por um modelo hegemônico do Recôncavo e de Salvador – um soteropolicentrismo que, admitamos, dá ranço em quem é de fora (no caso, de dentro da Bahia, mas de fora da capital e seu entorno).

Segundo, que a Bahia fora dos espaços populares -- da cultura afro-brasileira, da periferia escolada, do pagode zuadento, da agitada Avenida Sete que faria ruborizar Le Corbusier, das gírias novas e das gírias velhas, do Campo da Graça, da Fonte Nova e do Barradão, do Carnaval que até Darwin sambou, das evoluídas feiras que Sartre viu -- pode até ser um lugar de intrigante organização e interessante funcionamento, mas que pouquíssimo instiga e a ninguém interessa.

Da Bahia, do brasão administrativo, só queremos comer esse “h”, do humor. Na terra onde qualquer embuste se cria comediante, sublinhar o cotidiano é produzir gargalhadas em abuso. Baianidades vai ser tocada por dois jornalistas: André Uzêda, este que vos escreve, e essemenino João Gabriel Galdea, que também vos escreverá. Sempre aos domingos e nunca nos dias santos. Dois parmalats, tirados, achando que têm até propriedade pra falar sobre essa gente toda.

Sem lugar de fala, o escudo é elevar o bairrismo à enésima potência. Comprometer-se a, respeitosamente, ignorar que outros estados também possuem e, vejam só, orgulham-se de ter suas próprias carioquices, cearês, gauchices, paulistês e demais variações. 

Mas é também saber fugir da doce armadilha de uma Bahia prosaica, de estampa de camisa, gourmet, que já vendeu postais e hoje vende publiposts.  É não ignorar, em nome de um romantismo débil, que essa é uma terra que vive gente todo dia, morre gente todo dia, que tem desigualdades, absurdos, histórias e precedentes.

Baianidades, não há porque mentir, nasce com tudo pra dar errado. Nasce no limiar entre o bairrismo e os chavões. Entre tudo que já foi dito e mais um pouco do que já disseram. Nasce sem estrear, com essa cara de reciclagem safada dos originais de Amado, Carybé e Verger. Mas, ao menos, tentando fazer bem essa anti-propaganda. Porque negar também é uma forma de instigar, enganar turista e fingir que aqui vai ser um bom lugar pra você visitar sempre.

Bora! 

Intervenção de João A coluna sairá sempre aos domingos de manhã, te perturbando, mas isso não impedirá que alguns textos extras sejam publicados a qualquer hora, sem prévio memorando. Ainda durante essa semana, a gente divulga um concurso muito especial, dentro da coluna, para quem vai curtir o Carnaval de Salvador de fantasia. Se ligue e se aprochegue!