Baianos abrem mão da farinha e passam a comer mais fora de casa, diz IBGE

Dados são de pesquisa divulgada pelo IBGE

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 3 de abril de 2020 às 19:47

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Que feijão e arroz são os queridinhos no almoço dos baianos, todo mundo sabe. Mas tem um terceiro elemento que não pode faltar de jeito nenhum: farinha. O problema é que, com a alta do preço de alguns alimentos, ela tem sido deixada de lado.

Pelo menos é o que foi percebido pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), que teve complemento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (3).

Segundo o trabalho, que foi focado nos alimentos disponíveis nas casas baianas, a tão conhecida farinha de mandioca deixou de ser preferência na hora das compras. Entre todos os produtos estudados, a farinha foi a que apresentou maior redução. Em 2018, último ano abarcado pela pesquisa, cada baiano consumiu em média 6,873 kg 

Na comparação, a pesquisa estabelece paralelos com os consumos registados nos anos de 2002 e 2008, para os mesmos alimentos. No caso da farinha, a redução ocorreu nas duas ocasiões. Em 2002 o consumo anual do produto por cada baiano era de 24,931 kg. Já em 2008, cada baiano consumiu 17,135/kg. Em relação ao ano mais recente, a redução foi de 72,4% e 59,8%, respectivamente. 

Para o antropólogo e estudioso da gastronomia Raul Lody, a diminuição tem, provavelmente, um caratér econômico. “Não está se comprando só menos farinha, está se comprando um pouco menos de tudo, eu acredito. É uma hipótese que precisaria ser confirmada, mas acho que houve um empobrecimento no geral, que influenciou na farinha, apesar dela ser um produto barato e a tradição ainda ser bem forte”, acredita. 

Lody explica que a tradição de ter a farinha na mesa não é algo exclusivo dos baianos, mas que faz parte da identidade do país. “A mandioca é uma raíz brasileira, que está na base da alimentação dos povos tradicionais do nosso país. É um alimento com possibilidades de uso bastante diversas. A farinha é, inclusive, uma forma de conservar a mandioca, dar a ela mais durabilidade’, detalha.

Para a chef de cozinha Tereza Paim, do restaurante Casa de Tereza, famoso por suas farofas, o ingrediente não perdeu, de forma alguma, o posto de queridinho, mesmo que o consumo tenha reduzido.

“A farinha é companheira de todo dia, está no DNA do baiano, parece que falta algo quando não tem farinha. Acho, sim, que o consumo caiu, existe essa onda do ‘light’, de que você ser saudável é você ser magro. Para mim, saudável é quando você se alimenta com algo que não te faz mal, e a farinha acaba amaldiçoada como algo que engorda. Na verdade, tudo que é muito gostoso, a gente come muito, aí engorda”, diz, descontraída. 

Na rua Ao pensar a redução do consumo da farinha, a chef chama atenção para outro ponto, que também é destacado pela pesquisa do IBGE. “O hábito alimentar mudou muito, as pessoas estão comendo muito na rua, e a farinha, como produto nosso do dia a dia, ainda não ganhou status de produto gourmet. De maneira geral o restaurantes nem oferecem farinha, porque acham que é simples demais”, acredita. 

O movimento percebido por Tereza também foi apontado na pesquisa. Segundo o IBGE, o peso no orçamento de refeições realizadas fora de casa aumentou e contribuiu para uma diminuição geral no consumo de alimentos nos domicílios. Na Bahia, o consumo de alimentos em casa caiu 16,7% em dez anos (de 2008 a 2018)

“Essa redução geral no consumo de alimentos em casa pode ter a ver com diversos fatores, como a mudança do estilo de vida mesmo, das pessoas não estarem mais com tempo de cozinhar em casa. Gastando mais com alimentação fora, acabam comprando menos alimentos para comer em casa”, explica a analista do órgão, Mariana Viveiros.

Justamente por conta da mudança de hábito e estilo de vida, Mariana ainda destaca mudanças como o aumento da compra de alimentos prontos e de bebidas, que não seriam tão afetadas pelas refeições realizadas na rua. “Isso não é tão afetado pela quantidade de refeições que a pessoa faça fora. Mesmo comendo bastante na rua, ela vai seguir precisando adquirir água, outras bebidas”, analisa.  A compra de bebidas aumentou de 24,706 litros/ano para 30,028 litros/ano crescendo 21,5%, em 10 anos. 

A mudança de comportamento foi percebida, inclusive, por quem fica em casa. Presidente do Movimento das Donas de Casa e Consumidoras da Bahia, Selma Magnavita comentou o estudo. “É notória essa mudança, com o passar do tempo, comer em casa foi representando uma perda cada vez maior de tempo com deslocamento e a refeição foi ficando mais corrida. Isso levou as pessoas a escolherem comer na rua. Apesar de não ser barato, foi ficando mais confortável”, opina 

Foi justamente o que aconteceu na casa do estudante João Pedro Bergamo, 20 anos, que viu a família abandonar o hábito das refeições em casa. “Lembro  que, na minha infância, meu pai fazia um esforço para estar em casa na hora do almoço, mesmo que por pouco tempo. Depois que eu e meu irmão fomos crescendo, entrei na faculdade, passamos a ter aulas de manhã e de tarde, a vida de todo mundo foi ficando corrida e acabou que o hábito se perdeu”, conta o jovem, que mora em Lauro de Freitas. 

Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes na Bahia (Abrasel-Ba), Leandro Menezes também reconhece o aumento. "De fato, as refeições fora do lar estão numa crescente no país, aumentando a cada ano, Porém, ainda existe um distanciamento muito grande se você comparar os números nacionais com os de outros países, onde o hábito de comer fora é ainda mais forte, como os Estados Unidos’, avalia. 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro