Buzu fora de hora: infração por atraso é a mais comum entre os ônibus de Salvador

Em seguida, vêm o descumprimento da frota prevista e não parar no ponto

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  • Thais Borges

Publicado em 12 de junho de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Não parar no ponto é a terceira infração mais comum (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Paciência. Se tem uma virtude que o autônomo Luís Lázaro de Jesus Bispo, 51 anos, costuma exercer, diariamente, é essa. Na última segunda-feira (10), Luís Lázaro comemorava a aprovação em uma entrevista de emprego. Tinha acabado de ser selecionado para trabalhar na construção civil. Mas o bom humor quase foi atrapalhado pela espera por ônibus em direção a Periperi, em um ponto na Praça Cayru, no Comércio. 

“O Mirantes (de Periperi) demora porque ele roda muito. Eu pego esse ônibus sempre aqui, mas às vezes ele demora mais que o normal, já tenho quase meia hora aqui. Nos dias de chuva eles não param no ponto, muitos passam por fora e seguem direto”, reclamou. 

Mas esse não é um problema só de Luís Lázaro. Pelo contrário: os atrasos correspondem à infração de transporte mais cometida no sistema de transporte municipal. Por atraso, devem ser entendidas todas as vezes que os horários estabelecidos na Ordem de Serviço de Operação (OSO) não são cumpridos. 

De acordo com a Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob), entre infrações de transporte de responsabilidade das empresas e de responsabilidade dos rodoviários, o não cumprimento de horários é campeão disparado. Nos cinco primeiros meses de 2019, a secretaria registrou 2.452 infrações do tipo.  Luís Lázaro de Jesus costuma esperar bastante para conseguir pegar o Mirantes de Periperi (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) A segunda colocada, que é a infração cometida por deixar de colocar, em operação, a frota estabelecida em contrato, teve 1.717 registros. Em terceiro lugar, vem outra queixa frequente dos usuários: quando os ônibus não param no ponto. Só dessa infração, foram 1.566 vezes. 

A quarta infração mais frequente é não atender à programação visual interna ou externa do veículo; no mesmo período, foram 1.274 registros. Já a quinta infração mais comum é parar afastado do meio-fio da via para embarque, que teve 675 ocorrências nos últimos cinco meses. 

Somadas, essas cinco infrações chegam a 7.684 ocorrências registradas nos cinco primeiros meses deste ano. Isso corresponde a 77% de todas as 9.949 notificações dos primeiros cinco meses do ano. No mesmo período do ano passado, foram registradas 16.666 notificações. “A gente tem feito ações, tanto que a gente teve um decréscimo de quase 41%. É um ponto positivo, mas a nossa ideia é tentar zerar até 2020. Por isso, estamos fazendo cursos e palestras para explicar o regimento interno”, afirma o titular da Semob, Fábio Mota.Faixa de horário O estudante de Fisioterapia Paulo Roberto Nascimento, 18, também sofre com os atrasos. Ele pega sempre o ônibus na Praça Cayru para ir para casa, em Boa Vista de São Caetano, após sair da aula. Normalmente, prefere ir até o local para tentar conseguir pegar o ônibus vazio, mas, na maioria das vezes, não consegue.  O estudante Paulo Roberto também sofre com os atrasos (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) “Os ônibus demoram bastante aqui, até 30 minutos. Depende do trânsito, é claro, mas em dias chuvosos, como hoje (ontem), demoram mais ainda. E passam por fora ou param longe do ponto. As ruas ficam alagadas e os próprios ônibus molham os passageiros que estão esperando. Alguns até reduzem para evitar, outros não. Já corri atrás de muitos ônibus”, revela. 

Para calcular se um ônibus está atrasado, a Semob acompanha as chamadas ‘faixas de horário’. Cada linha tem uma previsão e, dentro dela, cada um dos coletivos deve fazer determinado número de viagens dentro de um horário – por exemplo duas viagens em duas horas. Se essas viagens não acontecerem dentro desse tempo, é possível que tenha havido infração. “Não parar no ponto e parar afastado da borda depende do rodoviário, mas o resto depende muito da própria cidade. O horário (descumprido) tem a ver com tudo: da manutenção do ônibus quebrado até a mobilidade”, explica o secretário Fábio Mota. É possível saber se um ônibus está atrasado conferindo os horários de cada linha. Para isso, o usuário tem duas opções: através do aplicativo Cittamobi (gratuito para iOS e Android), que mostra informações sobre a localização dos ônibus em tempo real, ou do site da Semob. 

No entanto, nem todos os casos de atraso configuram uma infração. É o que acontece quando alguma obra provoca retenção no trânsito da região, por exemplo. Esse tem sido o caso de alguns atrasos na Avenida ACM, devido à construção do BRT, e às intervenções de requalificação na Avenida São Cristóvão. 

“Lá em São Cristóvão, por exemplo, quase todas as linhas estão atrasando pela obra. Mas quando tudo isso é analisado, eles informam o motivo e deixa de ser infração”, explica o titular da Semob. 

Para quem está atrás do volante, não há como controlar os fatores externos. O diretor adjunto do departamento jurídico e advogado do Sindicato dos Rodoviários, Pedro Celestino, reclama, ainda, da topografia da cidade. Segundo ele, em certos horários, fica ainda mais complicado. “Nem avião consegue ser pontual, quanto mais os ônibus com as dificuldades de Salvador”, desabafa. 

Confira as cinco maiores infrações registradas:Infração Quantidade Valor pago Deixar de cumprir os horários estabelecidos na Ordem de Serviço da Operação 2.452 100 vezes o valor da tarifa (R$4) por cada uma. Total: R$ 980.800 Deixar de colocar em operação a frota estabelecida na Ordem de Serviço de Operação 1.717 100 vezes o valor da tarifa (R$4) por cada uma. Total: R$ 686.800 Não parar no ponto 1.566 10 vezes o valor da tarifa (R$4) por cada uma. Total: R$ 62.800 Não atender à programação visual interna ou externa do veículo 1.274 30 vezes o valor da tarifa (R$4) por cada uma. Total: R$ 152.880 Parar afastado da borda da via 675 10 vezes o valor da tarifa (R$4) por cada uma. Total: R$ 27.000 Casos ‘pontuais’  No entanto, para o consórcio Integra, concessionária do sistema, o número de infrações ainda é pequeno – se comparado ao todo. De acordo com o assessor de relações sindicais do consórcio, Jorge Castro, só nas paralisações de rodoviários deste ano, por exemplo, milhares dos 2,3 mil coletivos deixaram de sair das garagens. “A carga horária é cumprida sim, não tem como não cumprir. Mas, normalmente, quando tem essa discussão, a gente apresenta defesa. Ônibus é igual a avião: tem horário para sair e para chegar, mas, às vezes, acontecem eventos na cidade, como manifestações, chuva, engarrafamento”, contrapõe Jorge Castro. Segundo Castro, nenhuma das infrações deste ano foi paga pelo consórcio ainda – todas estão em fase de recurso. O prazo para recorrer é de 30 dias contados a partir do recebimento da notificação. Ele não soube dizer, contudo, quanto foi pago em multas no ano passado.

Já a segunda infração, que é relacionada à falta de ônibus na frota prevista, de acordo com o secretário Fábio Mota, é um problema da concessionária – ou seja, das empresas que formam o consórcio Integra. Para ele, porém, esse é um problema comum devido à idade média da frota. Hoje, a idade média dos coletivos chega aos seis anos. 

A expectativa da prefeitura é reduzir essa média com a chegada dos novos ônibus. Em quatro anos, a idade média esperada para a frota será de quatro anos, devido à chegada de 250 novos coletivos por ano nesse quadriênio. Os primeiros 250, garante Mota, serão incorporados até setembro. 

O assessor de relações sindicais do consórcio Integra, Jorge Castro, diz que cada um dos casos deve ser analisado individualmente. As infrações, explica ele, devem ser relacionadas a questões pontuais, como quebra de algum ônibus. 

Não parar no ponto de ônibus pode render até demissão  A infração de transporte que mais depende da ação dos motoristas é justamente a que ocupa a terceira posição no ranking: não parar no ponto de ônibus. Nos cinco primeiros meses, ela foi registrada 1.566 vezes.

Para a Semob, o ponto de ônibus compreende toda a área de ‘baia’ – não apenas onde está o abrigo contra o sol. De acordo com o secretário Fábio Mota, toda a área dos pontos é mapeada por GPS. Ou seja: não é preciso que um agente do órgão esteja no local para identificar se o ônibus parou ou não.

A maioria dos registros, inclusive, vem do Centro de Controle Operacional (CCO) do órgão, instalado no bairro de Amaralina, na sede da Semob. Pelo menos 80% foram identificadas pela central, que funciona 24 horas por dia, monitorando o trânsito da cidade. “Você tem que utilizar o bom senso. Se o primeiro ônibus está em lugar que só cabe um, o segundo, o terceiro e o quarto são considerados no ponto também. Só não pode passar direto, fazer fila dupla e não parar”, explica Mota.O próprio conceito de ‘parada’ é diferente. A verdade é que os coletivos não têm obrigação de parar, se não houver passageiro ou se não tiver ninguém chamando. O que eles devem fazer, se não houver nenhum sinal para que ele pare, é transitar em uma velocidade ‘baixíssima’ – ou seja, menor do que 10 km/h, para que dê tempo até de algum passageiro distraído se dar conta de que seu veículo é aquele.

“Se passar a mais do que 10 km/h, o CCO vai identificar. Isso (o número de infrações) caiu, em função das ações que a gente faz. A gente tem feito reciclagem, colocado os rodoviários na sala de aula. Os próprios rodoviários também fazem isso”, afirmou o secretário, citando também o projeto Pare no Ponto, que é realizado diariamente em diferentes locais da cidade. No programa, agentes da Semob orientam os motoristas e organizam o trânsito.

O assessor da Integra, Jorge Castro, explica que, dentro da estrutura de cada uma das empresas, os condutores que não param no ponto podem ser responsabilizados com suspensões e até mesmo com demissões. “Não parar no ponto é jogo pesado. Para nós, é perder passageiro. Ele (o motorista) tem que parar no ponto não porque é bonzinho, mas porque o passageiro é o cliente”, enfatiza. 

Já o diretor adjunto do departamento jurídico e advogado do Sindicato dos Rodoviários, Pedro Celestino, defende que, nem sempre as paradas são computadas. De acordo com ele, em certos casos, os motoristas param mais à frente ou após o abrigo e, por isso, não seriam contabilizados como paradas. “Não estou dizendo que não acontece, porque acontece, sim. O sindicato faz um trabalho educativo e também divulga nas nossas mídias para que entendam que o passageiro é nosso patrão direto e indireto”, pondera Pedro Celestino. No entanto, ele diz que devido aos casos de assalto em ônibus, alguns motoristas evitam parar em situações que consideram suspeitas. Para Celestino, é possível identificar, pelo comportamento, quem são os suspeitos de assalto. 

“Já fui assaltado oito vezes. Em quatro, eu sabia que ia ser assaltado, mas tive que parar porque tinha muita gente. Por mais que a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-BA) tenha contribuído para o combate aos assaltos, ainda precisamos de mais abordagens preventivas”, diz. 

Uma situação parecida acontece com os condutores que param os ônibus longe da borda da via. No entanto, para Celestino, há alguns aspectos típicos de Salvador que tornam a situação complexa. Primeiro porque os passageiros costumam ficar fora da calçada, especialmente em pontos de grande movimento, como os da região do Iguatemi ou em frente à praça Nossa Senhora da Luz, na Pituba. 

“O motorista é constrangido a não parar na calçada para não atropelar. E também é difícil andar ‘ralando’ no meio-fio porque a maior parte da frota tem elevador para embarque e desembarque de cadeirantes. Se encostar no meio-fio, a prancha não desce”.