Cabelo incomoda quando é signo de liberdade

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 8 de fevereiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Ao assumir os grisalhos, aquela mulher demonstra sua superioridade diante de uma lógica que desqualifica as mais velhas e as escraviza, em salões de beleza. Ao raspar a cabeça, a outra se afirma livre do padrão de feminilidade, desdenha de um fetiche masculino e também escapa da indústria cosmética, que rouba boa parte do nosso dinheiro. O nome disso é liberdade e liberdade incomoda. Não é só cabelo.

Corpo também é manifesto e, por mais que digamos "é gosto pessoal", o cabelo nos entrega. Pessoas que envelhecem mantendo o corte da infância dizem muito sobre etapas em aberto. Multidões de mulheres com cabelos idênticos demonstram que desejam ser aceitas, com desespero. Homens de fios impecáveis me brocham, mas isso já é outro enredo. Meu filho, aos quatro anos, decidindo como queria seu próprio cabelo, me deixou morta de orgulho e com um tiquinho de medo.Cabelos não são criticados pela aparência, deixe de ser besta. É, sim, pelo discurso que trazem.Bem por isso, são mutáveis os critérios de "beleza". As perucas mais bizarras já foram sinônimo de elegância, porque eram acessíveis apenas para a nobreza. Percebe que aceitação ou repúdio tem a ver, apenas, com a narrativa? Não à toa, entre tantos efeitos colaterais, mulheres em quimioterapia sofrem especialmente com a perda dos cabelos. É que, junto com eles, "vai a feminilidade", foi assim que aprenderam.

As gêmeas de cabelos crespos não teriam sido agredidas no metrô de Salvador se aqueles penteados não fossem outdoors onde qualquer um pode ler: insubordinadas. Da mesma maneira, o ódio do PM, na abordagem ao adolescente de cabelo black, foi disparado pelo discurso subliminar de orgulho e autoestima, vindo de alguém que certa estrutura deseja morto ou capacho. Como sabemos, nenhum dos dois casos é "isolado".

Até recentemente (ainda deve acontecer), mulheres tinham cabelos alisados em salões de beleza, mesmo quando não pediam. Eu já alisei porque quis, mas também já saí sem meus cachos (2C), quando queria só hidratar. Era o óbvio que ninguém desejasse "cabelo duro". O liso (e louro, de preferência) era sempre "melhor". Isso, até o movimento negro chegar também nesse lugar e, acredite, recentemente a cabeleireira (negra), que espichou meu cabelo compulsoriamente, apareceu toda trançada.

Na situação das meninas e também na do adolescente, está a evidência do incômodo com esse território conquistado. Um lugar explicitado por belas coroas, cabelos que não serão mais negados, escondidos nem alisados por "obrigação". Negros e negras já lutaram. Agora é o seguinte: não tem perdão, racismo é crime. Fogo nos racistas. Que paguem caro.

*Flavia Azevedo é mãe de Leo e colunista exclusiva do CORREIO, onde assina artigos aos domingos e a coluna QuantA, às sextas.