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Saulo Miguez
Publicado em 29 de outubro de 2019 às 14:00
- Atualizado há 2 anos
Quando é chegado momento do Ofertório, na missa, o sacerdote oferece pão e vinho a Deus em sinal de reverência à entidade maior. Sacerdotes da Música Brasileira, Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso presenteiam o público sedento de boa música com um show marcado pelo afeto paterno-fraterno e cujo vínculo entre gerações é visto e ouvido em cores, sons e traços.>
Já no cenário, o Ofertório do quarteto Veloso traz em estado crescente a linha umbilical do horizonte, que conecta a origem ao infinito. O cordão que separa e, ao mesmo tempo, une céu e mar mostra que estar conectado é crucial pra expandir até escapar de onde as vistas podem alcançar.>
Mirar essa linha e tudo o que ela representa dá a certeza de que só é capaz de levitar quem pisa com os dois pés em terra firme, de preferência de pés descalços e em ritmo de samba do Recôncavo, ao som da faca no prato de louça de Santo Amaro.>
Por ser tão simples, Ofertório é tão rico. O show preza pela musicalidade e como esta vem sendo transmitida há gerações na família Veloso. Mais do que frutos, essa árvore gera sementes que rebrotam carregando consigo elementos que a originaram, mas também componentes novos. A espécie evolui no sentido darwiniano do termo, adaptando-se às atuais condições de pressão e temperatura sem, no entanto, se corromper ao ambiente.>
Nesse ínterim, percebe-se que cada Veloso tem seu jeito próprio de ser e não faz questão de replicar a matriz. De modo que forma-se o conjunto pela soma dessas unicidades.>
O respeito mútuo entre filhos e pai e entre pai e filhos é outro espetáculo visível sobre o palco. Por mais que Caetano, no alto da sua autoridade paterna, ocupe o centro da arena e divida com o seu primogênito, Moreno, a função de mestre de cerimônia do show, ele não é mais do que um elo daquela corrente; alguém que está ali para servir ao todo.>
Em contrapartida, a deferência da prole ao seu Rei é explícita e bastante sincera. Percebe-se a relação de fã que Moreno, Zeca e Tom têm para com o artista Caetano Veloso, algo que termina aproximando palco e platéia e colabora com a proposta intimista da apresentação.>
É bonito ver a forma como o acervo de canções foi distribuído. Oferta-se os hinos de Caetano, mas também composições do trio de irmãos, além de obras de outros artistas, dando ao setlist ares de sarau em varanda de casa.>
Para além disso, os arranjos enxutos, mas muito bem trabalhados e cuidadosamente ensaiados confirmam que aqueles quatro fazem música juntos desde sempre e estão conectados por vínculos poéticos tão fortes quanto os traços delicados da fisionomia, a voz mansa e o sobrenome sinônimo de carisma que carregam.>
Texto publicado originalmente no Facebook e no Medium e replicado com autorização do autor >