Caetano e a geração invencível

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  • Paulo Sales

Publicado em 10 de agosto de 2020 às 05:00

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Na última sexta-feira, Caetano Veloso completou 78 anos. Comemorou em casa com os filhos, cantando para o Brasil inteiro ver. É um homem velho que, como diz um verso seu, “deixa a vida e morte para trás”. Eternizou-se no nosso imaginário enquanto as décadas se atropelavam, seus cabelos embranqueciam e suas melhores canções perenizavam-se. Caetano captou, como nenhum outro artista brasileiro, o espírito do nosso tempo. Hoje, ancorado na sensatez inquieta da velhice, permanece relevante e lúcido, atento e forte.

Na minha infância, Caetano sempre esteve relegado a um segundo plano. O gênio indiscutível lá em casa era Chico Buarque, que com suas canções lancinantes fincava estacas de maturidade naquele pequeno cérebro em formação. Quando o filho de Dona Canô chegou até mim, eu já era um adulto. Lembro do show que ele fez na esquina da Ipiranga com a São João, em São Paulo, no ano de 1995, eu embevecido no meio da multidão. Mas somente passados os 40 anos foi que me deixei seduzir de vez por sua música.

Alguns discos dos anos 70 e 80 são obras-primas incontestáveis: Transa, Muito, Qualquer Coisa, Bicho, Cores, Nomes, Outras Palavras, O Estrangeiro. Suas canções permanecem íntegras, desassossegadas, atemporais, com versos que evocam um mundo em transformação, um país em convulsão, uma cidade de interior cravada na memória. Talvez o melhor de Caetano seja fruto de uma saudade. A saudade de Santo Amaro, do cheiro singular do Recôncavo, da triste e dessemelhante Bahia, de um país que se encaminhava para um futuro sombrio, mas ainda com alguma esperança.

Seu aniversário deve ser celebrado, assim como o envelhecimento saudável e produtivo dos demais mestres que formam sua geração: o próprio Chico, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Roberto Carlos, Edu Lobo, Francis Hime, Maria Bethânia, Nana Caymmi, Gal Costa. É muito bom tê-los por perto, a nos lembrar de quem fomos e do que podemos voltar a ser. Mas é também o momento de pensar no imenso vácuo que o fim dessa geração vai deixar nas nossas vidas, quando eles começarem a ser abatidos, um a um, pelo compositor de destinos.

Os cantores e compositores que forjaram a música popular brasileira a partir dos anos 60 não deixam herdeiros da mesma estatura. As gerações seguintes, pelos mais diversos motivos, não edificaram uma obra tão sólida, nem produziram tanto por tanto tempo. Há, evidentemente, artistas talentosos, excelentes intérpretes e letristas inventivos. Mas que, quando reunidos, não dão voz a uma geração – no máximo, a diferentes movimentos. O que explica isso? O fato de não ter havido agenda política para eles, apenas rescaldos das décadas anteriores? Creio que não, até porque havia aspirações, buscas, algo a ser dito.

Não sei se essas especulações fazem algum sentido. O mais provável é que seja mesmo o espírito de uma época. Em grande parte do mundo, os homens e mulheres nascidos nos 40 tornaram-se adultos na década mais revolucionária da história. Fizeram Woodstock, Maio 68 e as lutas pelos direitos civis. No caso do Brasil, há outro ingrediente a ser levado em conta: a turma de Chico e Caetano veio logo em seguida a outra geração brilhante, a da Bossa Nova. Eles tinham um espelho e, sem deixar de reverenciá-lo, queriam ir ainda mais longe. Foram, de fato.