Calçadão lotado: feriado tem orla cheia e prefeito volta a falar em interdição

Neto considerou ofensiva a postura de quem usou os feriados para curtir e frequentar a praia

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  • Da Redação

Publicado em 26 de maio de 2020 às 18:36

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

A cena se repetiu neste segundo dia de feriadão em Salvador: pessoas circulando pela cidade, aglomeração, gente correndo, andando, fazendo atividades físicas, em grupos de dois, três, sem máscara, curtindo a praia. Isso tudo justamente na semana em que a capital baiana e mais oito municípios do estado anteciparam feriados justamente para reduzir o fluxo de gente na rua.

O cenário causou indignação, mais uma vez, no prefeito ACM Neto. "É lamentável, não estamos vivendo um dia normal em Salvador. Nenhum de nós queria esse feriado agora e, se tomamos essa decisão, é porque não havia outra possibilidade. Esse tipo de postura, de curtir, ir à praia, é ofensiva para a cidade", desabafou o gestor municipal na manhã desta terça-feira (26), enquanto inaugurava mais um hospital de campanha para pacientes com a covid-19.

Neto, que já tinha levantado a possibilidade de interditar os calçadões da cidade, voltou a considerar fechar todo o trecho caso os soteropolitanos não mudem de postura."Não gostaria de adotar uma medida de interdição da orla, como já fizemos com as praias. Mas, se não houver outro caminho, vamos fazer", declarou.Na manhã desta terça-feira, a Barra estava cheia, mas não só lá. Ao longo de quase toda a orla, o CORREIO flagrou pessoas andando de bicicleta e aproveitando o dia de sol longe de casa. Em Stella Maris, mais uma vez, a praia tambem estava lotada. Pela tarde, de novo, a orla tinha gente se exercitando, passeando com animais de estimação e tirando fotos nos locais turísticos. 

O polônes Ark Afkaa, 50 anos, que mora na Bahia há 14, encontrou um espaço isolado no Farol da Barra para fazer, durante 30 minutos, um exercício de alongamento. "Eu me exercito sozinho e acho importante tomar sol para adquirir vitamina D, o que vai ajudar na minha saúde. Não deixo ninguém se aproximar de mim. Quando vem um grupo de pessoas juntas, sem máscara, se exercitando, isso é errado. Por isso, concordo com o prefeito  em interditar, caso seja preciso tomar essa decisão", afirmou.  Afkaa se alongava em um local isolado do Farol da Barra (Foto: Daniel Aloisio/CORREIO) Ao contrário do polonês, algumas pessoas faziam exercícios de galera, sem pensar na pandemia - alguns sem nenhuma proteção no rosto. A maioria não quis falar com a reportagem, mesmo sem se identificar. Esse não foi o caso do motorista de aplicativo Silas Bonfim, 31, que ficou um mês inteiro sem sair de casa, mas não resistiu e furou a quarentena."De tanto ouvir falar que as pessoas estavam na orla, eu resolvi vir para respirar um ar fresco e sair do ambiente isolado de casa. Estava cansado da rotina de televisão, internet e livros", disse. Silas mora com o pai e parou de trabalhar nesse período de pandemia, para não levar o vírus para casa. Quando foi abordado pela reportagem, ele não usava máscara. "Como estou sozinho e em um local bem ventilado, acho até melhor ficar sem a máscara, para aproveitar bem o ar fresco", afirmou. A medida, além de ferir o decreto municipal, é contrário à recomendação das autoridades de saúde, que indicam sempre o uso do equipamento de proteção caso a pessoa precise sair de casa.

Para a baiana de acarajé Mara Mislem, 21, única que montou seu tabuleiro nesse dia de feriado no Farol da Barra, a presença de pessoas sem máscara e a ameaça de fechamento da orla são motivos de preocupação. "Eu não recebi nenhum auxílio e preciso dessa renda. Graças a Deus minha mãe, que também é baiana, recebeu. Ela está em casa, mas eu tenho que continuar o serviço", afirmou. 

Mara tem a ajuda do namorado, Claudio Railan, 21. Juntos, eles montam a barraca por volta das 12h, diariamente. Hoje, só às 15h30 venderam o primeiro acarajé. "Tenho vendo cerca de 15 por dia, dá para contar. Antes, isso não era possível. Tínhamos fila de gente querendo acarajé e outras três baianas que atuavam no Farol. Vendíamos muito mesmo", lembrou.  O Acarajé da Mara estava vazio por volta das 15h (Foto: Daniel Aloisio/CORREIO) No local, ciclistas também se exercitavam na orla de Salvador. O educador Rubens Cesar, 55, disse que não tem saído de casa todo dia, mas sai "de vez em quando", sempre com máscara, para não ficar ocioso. 

"Acho melhor andar de bicicleta do que beber em casa, o que seria algo pior. Exercícios fazem bem para a saúde, mas precisam ser feitos da maneira correta. Se as pessoas não respeitam os decretos municipais, concordo que haja uma maior restrição", disse. 

Eficácia da antecipação de feriado Em entrevista, ACM Neto pontuou que, mesmo que o primeiro dia de feriado tenha registrado queda em alguns índices, eles ainda não são satisfatórios. No uso de transporte de passageiros, por exemplo, a redução foi de 81% em relação a um dia normal; já a circulação de veículos, apenas 39% a menos. Se comparado à segunda-feira da semana passada, a redução foi de apenas 10%, segundo a Transalvador."Houve uma queda em ambos se comparado aos dias de isolamento, mas abaixo do desejado. Peço que as pessoas fiquem em casa. Essa semana é uma semana chave, de suma importância", pediu o prefeito.Superintendente da Transalvador, Fabrizzio Muller também ficou decepcionado com o resultado. "Esperávamos um número melhor. O objetivo da antecipação dos feriados é o de reduzir o fluxo de veículos e a movimentação na cidade. É o momento das pessoas ficarem em casa. É preciso que compreendam a necessidade de respeitar esse período de emergência. A colaboração de todos é fundamental. Quanto maior for o respeito a essas normas, mais rápida será a volta à normalidade", afirmou.

Segundo Neto, essa semana é considerava chave porque Salvador vive "a fase mais difícil" da pandemia, com o nível de ocupação de leitos de UTI na rede pública chegando a 88%. Hoje, novos leitos devem ser incorporados aos já disponíveis, avisou. "Mas, mesmo com a incorporação, a taxa de ocupação não cai, pois aumenta o número de pessoas que precisam dos leitos. Por isso reforço o apelo para que os soteropolitanos nos ajudem, fiquem em casa", disse.

O prefeito afirmou ainda que, se a pressão no sistema de saúde for aliviada, haverá segurança para, a partir de 1º de junho, "dar retomada a abrir alguns serviços da capital". Por isso, avaliou que essa é a "semana mais crítica" desde o início da pandemia do novo coronavírus.

Interdições No dia em que as pessoas deveriam estar em casa, nesta segunda-feira, a prefeitura realizou mais de 1,9 mil vistorias e 75 interdições foram feitas nas oito localidades com medidas restritivas regionalizadas para conter o coronavírus. A força-tarefa foi comandada pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), com apoio da Guarda Civil Municipal e Polícia Militar.

Em Plataforma e no Bonfim, a operação fez 172 inspeções em cada um desses bairros, totalizando 344 vistorias. Cada localidade teve um estabelecimento fechado por descumprir as normas municipais que dispõem sobre o funcionamento das atividades comerciais.

Já na Liberdade, a força-tarefa realizou 195 vistorias, contabilizando sete interdições. Em Cosme de Farias, a fiscalização realizou 191 vistorias e fechou as portas de seis estabelecimentos.

No Uruguai, foram 484 vistorias e 22 interdições; em Massaranduba, 307 vistorias e 38 interdições. Por fim, em Brotas e Lobato, os agentes fizeram 253 e 186 vistorias, respectivamente, sem registro de estabelecimentos fechados.

* Com orientação de subeditora Clarissa Pacheco