Camaçari é a segunda cidade com mais casos ativos de covid-19, e unidades estão em pré-colapso

Prefeitura determinou interdição de praias e parques; secretário avalia ser o pior momento da doença na cidade

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 22 de fevereiro de 2021 às 05:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Rovena Rossi/Agência Brasil

Depois de Salvador, Camaçari é o município com maior número de casos ativos de covid-19 no estado, segundo dados de sábado (20) compilados pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab). Nesta data, a cidade tinha 1,6 mil pessoas infectadas ativas, enquanto a capital teve mais de 4,7 mil, conforme os boletins municipais. Quarta no ranking populacional do estado, Camaçari é menos populosa do que Feira de Santana e Vitória da Conquista — que ficam em oitavo e quarto lugar, respectivamente, em quantidade de casos ativos. Quase todas as UPAs de Camaçari estão com superlotação, o Hospital Geral já não atende "porta-aberta covid-19" e os leitos contratados no maior hospital privado do município, o Santa Helena, estão totalmente ocupados.

Após observar sinais de pré-colapso no sistema de saúde, a administração determinou o fechamento de todas as praias e parques públicos por quinze dias, a partir deste domingo (21). Secretário municipal de Saúde, o médico Elias Natan, considera que esse já é o pior momento da pandemia na cidade e teme que a situação possa se complicar nas próximas duas semanas — um provável reflexo da desobediência ao isolamento no Carnaval, supõe. Atualmente, Camaçari está sob toque de recolher, determinado pelo governo estadual, com restrição de circulação das 22h às 5h, válido até quinta-feira (25).

Ainda segundo o secretário, o município de 300 mil habitantes vem registrando uma média de 300 novos casos oficiais nos últimos dias. “A gente vê com muita preocupação. As pessoas estão buscando as nossas UPAs, que já estão lotadas. Hoje [domingo], temos 46 pacientes na tela esperando regulação, sendo que mais de 20 necessitam de leitos de UTI. Precisam ser internados, UPA não é para internamento”, detalhou. 

Na tentativa de desafogar a superlotação nas unidades de urgência e emergência (UPAs), a prefeitura instituiu plantões de fim de semana em três Unidades Básicas de Saúde, dos bairros Ponto Certo, Gravatá e Gleba E, funcionando das 7h às 19h. Elias Natan explicou que essas UBSs foram mobilizadas não só em virtude da lotação das UPAs, mas também pelo cansaço das equipes que estão trabalhando e pelo grande número de pacientes em espera nestes locais. O gestor disse que a resposta do remanejamento já tem se mostrado positiva e mais de 290 pessoas foram atendidas neste final de semana nestas UBSs.

De acordo com o relato em anonimato de uma médica de uma das UPAs do município, só nesta última semana, ela presenciou duas confusões em sua unidade. No domingo, 14 de fevereiro, um homem gerou grande tumulto ao invadir a ala de atendimento, os seguranças foram chamados e a polícia precisou ser acionada. Revoltada, uma paciente foi agressiva com a equipe de enfermagem da triagem e danificou equipamentos da sala. Ela relata ainda outros abursos como o caso de dois pacientes com fratura que estavam na fila há três dias aguardando regulação, desistiram do atendimento hospitalar e voltaram para casa.

Episódios de violência se tornaram mais frequentes depois que o local onde a profissional trabalha precisou restringir o atendimento apenas para casos de pacientes em níveis amarelo ou vermelho, de qualquer problema de saúde, porque não havia lugar sequer para colocar o paciente para receber medicação. Por todo o lado, os relatos são de estresse por trabalhar nestas condições e tristeza por ver a situação dos pacientes e não ter muito o que fazer.

“Nosso fluxo está muitíssimo alto, sendo 90% ou mais de pacientes com suspeita de covid-19, muitos deles precisando de internamento, e a regulação não está dando conta. Todos os nossos leitos estão ocupados, bem como os pontos de oxigênio. Os nossos consultórios já não têm macas, pois elas estão sendo usadas para internar pacientes. Já estávamos com problemas de demora de atendimento pela alta demanda. Víamos mais de 100 pacientes esperando por atendimento. Então, episódios de violência se tornaram mais comuns na recepção. Tivemos funcionários agredidos, todos estão trabalhando com medo”, diz. 

Promessa de nova unidade Assim como imagina o secretário, a médica também acredita que a tendência é que surjam ainda mais pacientes durante esta semana. A profissional atesta que esta onda é pior do que a primeira, com muito mais pacientes jovens demandando internamento, o que não era tão comum antes. Para ela e seus colegas, a esperança é a notícia de reabertura do Centro Intermediário de Enfrentamento ao Coronavírus (CIEC), para onde estão previstos 20 novos leitos de UTI. 

A prefeitura está em fase de licitação dos leitos e, conforme informações do secretário, foi solicitada urgência no trâmite e é possível que as vagas estejam ativadas e disponíveis para uso daqui a 15 dias. Atualmente, Camaçari tem apenas 20 leitos de UTI, distribuídos metade no Hospital Geral de Camaçari — que só atende demandas gravíssimas — e a outra metade contratualizada com o Hospital Santa Helena, que é privado. De acordo com dados do painel estadual, o Santa Helena estava com 100% de ocupação e o Hospital Geral com 80% na tarde deste último domingo.

Conforme dados estaduais, Camaçari conta com três unidades de referência para a covid-19 (dois hospitais), uma unidade de retaguarda (centro intensivo) e duas UPAS 24h. Quando há falta de vagas no município, os pacientes são regulados para outras cidades, normalmente Salvador, onde há maior oferta de leitos. O CORREIO solicitou um posicionamento da Sesab sobre a situação da doença no município, mas não teve retorno da pasta até esta publicação. Comunicado colado em parede de UPA de Camaçari (Foto: Enviada por leitor CORREIO) Como Camaçari chegou a esse ponto? Na avaliação do secretário, o que está acontecendo na cidade tem origens multifatoriais. O tempo de duração da pandemia talvez seja o principal motivo do agravamento da doença, já que as pessoas estão cansadas e relaxaram nos cuidados, bem como a chegada de novas cepas do vírus já encontradas na Bahia. Fora isso, Camaçari possui 42 km de praia e tem sido altamente demandada por turistas num nível em que a prefeitura municipal não tem condições de fiscalizar sozinha.

“As pessoas passaram a não usar máscara como deveriam e acreditamos que esta variante mais perigosa detectada no estado pode ser a causa do aumento expressivo de casos. Eu queria muito que a população estivesse ciente de que esse é o nosso momento mais crítico. Pode ser que elas precisem de atendimento e não teremos como atender. Estamos mesmo próximos do colapso. Se todo mundo adoecer de vez, nenhum município no mundo tem condições de suportar”, diz. Policiais militares orientam os banhistas sobre a interdição das praias no litoral de Camaçari neste domingo, 21 (Foto: Divulgação prefeitura de Camaçari) Oficial de Justiça e morador da cidade, Vital Martinho, 49, relata que comércio, cinema e shoppings continuaram abertos sem restrições eficientes para o controle da disseminação do vírus. Ele observa que muita gente abandonou o uso de máscaras ou relaxou quanto ao uso correto do equipamento de proteção. Nos grupos de WhatsApp em que ele participa o comentário, no começo da semana passada, era de que não havia nenhuma vaga nas UPAs de Camaçari. 

“Falta educação para a população, tem o fator cansaço de estarmos há muito tempo nessa situação. Tem gente que não viu um vizinho, pai ou parente morrer para se comover, porque existem pessoas que só se comovem dessa maneira. Tem ainda o fator econômico e o das autoridades que minimizam o uso de máscara, além do comportamento de desgoverno federal que a gente tem. Psicologicamente, todo mundo vai relaxando”, observa.

Médico infectologista da rede S.O.S. Vida, Matheus Todt, doutorando em Ciências da Saúde pela UFS, cita que, em geral, municípios menores têm menor rigorosidade na adoção de medidas de segurança e com certeza muitas cidades litorâneas estão sofrendo o impacto das férias de verão.“Daqui a duas semanas tudo deve piorar porque sabemos que muitas reuniões que não deveriam ter acontecido no Carnaval acabaram acontecendo e elas ocorreram mais nos municípios costeiros do interior porque Salvador tem uma fiscalização maior”, observa ele. “O bicho vai pegar. A gente já está no pior momento da pandemia, mas, infelizmente, virá um pior. É estimado que seja agora no começo de março”, alerta. Como o CORREIO mostrou em diversas matérias, foram muitas as denúncias de moradores sobre como o verão vinha sendo curtido de forma despreocupada com a pandemia no Litoral Norte, com praias lotadas, festas em casas de veraneio e pessoas transitando sem o uso de máscara. Neste momento, Camaçari é o oitavo no ranking de vacinação no estado. Até o início da tarde de domingo, mais de 5 mil pessoas já tinham sido vacinadas, o que corresponde a menos de 2% da população da cidade.