Caminhoneiros deixam carretas em casa para protestar em Salvador

“A minha está em casa, aqui no bairro mesmo", diz caminhoneiro Marcelo Carvalho que protesta e mora no bairro de Valéria

  • D
  • Da Redação

Publicado em 26 de maio de 2018 às 17:14

- Atualizado há um ano

. Crédito: Motoristas de vans escolares fizeram doações para os caminhoneiros neste sábado (26) (Foto: Thais Borges/CORREIO)

Desde a última segunda-feira (21), o caminhoneiro Marcelo Carvalho, 42 anos, participa da paralisação dos caminhoneiros em Salvador. Como ele, outros representantes da categoria param no acostamento da BR-324, na entrada da cidade, e ficam de 5h às 17h. Lá, recebem apoio de alguns motoristas que passam e de gente que, em solidariedade, decide doar alimentos e bebidas. 

Neste sábado (26), foi a mesma coisa. Só que, todos os dias, diferentemente de manifestantes em outros pontos, Marcelo e outros voltam para casa. Ele mora ali mesmo, em Valéria. Afirma ser trabalhador autônomo – ou seja, que não trabalha para empresas transportadoras. Marcelo assume seus próprios custos, benefícios e, nos últimos tempos, prejuízos.  Marcelo deixa a carreta em casa e segue desde o dia 21 diariamente para o protesto Foto: Evandro Veiga/CORREIO Mas, entre algumas carretas estacionadas, qual era a dele?“A minha está em casa, aqui no bairro mesmo. Transporto pallets, molas, colchões...”, enumera ele, que afirma ter rodado “quase” todo o Brasil nas andanças.Ele diz não ter medo dos militares, desde que o presidente Michel Temer (MDB) assinou um decreto para o Exército liberar as estradas. 

“Os militares jamais vão fazer alguma coisa com a gente! Eles estão todos com a gente”, diz Marcelo, que, em seguida, começa a criticar a imprensa. Afirma ter dado uma entrevista a uma rede de televisão que teria “cortado” uma manifestação política sua, durante a edição final. Teria pedido ‘Fora, Temer’, referindo-se ao presidente. Ele quer que Temer saia – e não pelas urnas, em votação popular, como está previsto na Constituição. Os caminhoneiros ali estacionados pedem intervenção militar.

[[galeria]]

Como Marcelo, o caminhoneiro Eduardo de Jesus, 27, quer se pronunciar. Ele também mora ali perto, em Valéria, e, ao acordar, sai para passar todo o dia na BR-324. Onde está o caminhão? “Em Valéria mesmo. Transporto contêiner e meu carro está parado”, afirma ele, que também garante não ter nenhuma ligação com empresas. 

Eduardo é mais um dos que pede intervenção militar. Nega qualquer acordo que tenha havido com a presidência e bate o pé: não vão sair dali se não mudar “a questão do diesel”. Vangloria-se que o Exército está “do lado deles, como todo mundo por ali”.    Marcos de Jesus é caminhoneiro e mora no bairro de Valéria, em Salvador  Foto: Evandro Veiga/CORREIO Por fim, Marcos de Jesus, 32, é mais um caminhoneiro que mora em Valéria. Ele conta que tem dois caminhões, mas, com as dificuldades econômicas, tem pensado em vender um deles. “Como é que a gente pode pagar a faculdade de um filho desse jeito?”, questiona ele, que repete o mesmo mantra dos outros: quer a saída do presidente, para a entrada dos militares. 

Marcos diz que não dá mais para continuar do jeito que está. Diz que “só tem ladrão” no governo e quer que os militares assumam. Marcos, contudo, não viveu a ditadura militar. Questionado pela reportagem se conhecia a Comissão da Verdade, que investigou e revelou as graves violações de direitos humanos praticados durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), Marcos negou. Disse que nunca ouvira falar das torturas que se estendiam até às crianças. “E o que a senhora recomenda que a gente faça? Qual é a saída?”, provoca.Ele parece não gostar da resposta: que as eleições presidenciais ocorrem em outubro. Ao dizer que não quer esperar, parece desprezar a alternativa democrática. Enquanto isso, os caminhoneiros cantam o Hino Nacional no meio da rodovia. 

Conheça a Comissão da Verdade

Confira os arquivos da Comissão da Verdade estadual 

Doações  Mesmo morado perto do local de protesto, todos os dias, os caminhoneiros de Salvador recebem apoio de alguma categoria. Depois de ter recebido donativos de taxistas de Lauro de Freitas, foi a vez dos motoristas de vans escolares. Neste sábado (26), cerca de 300 motoristas a bordo de 100 vans levaram lanches e bebidas para os caminhoneiros, em forma de apoio. 

“Fizemos a concentração às 7h e viemos aqui dar esse apoio. Eles se sentiram acolhidos, porque estão lutando por todos, especialmente por nós, porque a maioria das vans também roda com diesel”, diz a presidente do Sindicato dos Transportadores Escolares e Turísticos do Estado (Sintest), Simone Rosas.  Motoristas de van apoiaram caminhoneiros em Salvador  Foto: Evandro Veiga/CORREIO De acordo com ela, o sindicato preparou ações semelhantes em outras cidades do estado, como Feira de Santana, Lauro de Freitas, Camaçari, Conceição do Coité, Itabuna e Ilhéus. Diretor financeiro do sindicato, Jorge Dantas diz que a categoria vem sofrendo com os aumentos do combustível – que não podem ser repassados aos pais dos estudantes. “Decidimos fazer isso mas sempre sem atrapalhar o trânsito, só como apoio moral mesmo”. 

Ele não sabe estimar quantos quilos de comida foram distribuídos, mas acredita que cada motorista tenha investido cerca de R$. Eles compraram água, leite, café, biscoito e pão com mortadela. “Nós também estamos sem combustível. A partir de segunda-feira, não sei como vamos levar as crianças para a escola”.