Carlos Ghosn fala pela 1ª vez após fuga para Líbano: ‘Fugi da injustiça’

Empresário deu coletiva e diz que esperava mais apoio do governo brasileiro

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  • Da Redação

Publicado em 8 de janeiro de 2020 às 13:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: AFP

Na primeira aparição pública desde que fugiu do Japão, o ex-presidente da Renault-Nissan, Carlos Ghosn, reafirmou nesta quarta-feira (8) que é inocente. O empresário deu uma coletiva em Beirute, no Líbano, e disse que esperava receber mais apoio do governo brasileiro. Afirmou ainda que "nunca deveria ter sido preso" e que foi coagido a confessar irregularidades.

"Procuradores japoneses me disseram que a situação só ficaria pior se eu não fizesse confissão. Faço o que eles estão mandando ou vou optar pela minha liberdade? As condições permaneceram as mesmas por longos meses. Todos os dias, em 130 dias de detenção, eu lutei pela minha inocência", afirma Ghosn.

"(A fuga) foi a decisão mais difícil da minha vida, mas eu estava enfrentando um sistema em que a taxa de condenação é de 99,4%, e acredito que esse número é muito maior para estrangeiros", acrescenta.

O empresário diz que houve "princípios dos direitos humanos" violados na sua prisão. Acusou a justiça japonesa de impedir acesso a documentos para sua defesa e diz que foi "brutalmente retirado" da sua família.

Ghosn diz que a redução de desempenho da Nissan, em 2017, provocou perseguição a ele e japoneses da empresa que queriam mais autonomia. "Alguns de meus amigos japoneses pensaram que a única maneira de se livrar da influência da Renault na Nissan era se livrar de mim".

Na coletiva, ele falou sobre as casas no Líbano e no Rio de Janeiro, dizendo que não era segredo e que são propriedade da Nissan. 

Brasil A mulher de Ghosn, Carole, disse em entrevista de junho do ano passado que não via o marido há meses e que pediria ajuda ao presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido). Bolsonaro afirmou que não iria se pronunciar sobre o caso e também não discutiria o tema com autoridades do Japão, para não "atrapalhar as investigações". Nascido em Rondônia, Ghosn é cidadão brasileiro, francês e libanês. 

Ghosn disse que respeita a posição do presidente, mas que "esperava mais ajuda do governo brasileiro".  Mas o empresário destacou que o cônsul brasileiro no Japão, João de Mendonça, o ajudou bastante. "Foi muito amigo, muito querido. Ele cuidou de mim, ele me tratou com muito carinho".

Filho de pai libanês e mãe nigeriana, o empresário viveu no Brasil até os seis anos, quando se mudou para a França. No país europeu, teve sua escolaridade, incluindo escolas de administração, até chegar à empresa Michelin, onde começou a carreira no meio automotivo. De lá foi para a Renault e depois Nissan.

A irmã do executivo, Clodine Bichara, que vive no Brasil, disse à Folha de S. Paulo que a falta de intervenção do país para ajudar um cidadão dá "decepção". "Do Brasil não dá para esperar nada”, afirma. “Não sinto amargura, mas uma decepção. O Brasil fez de conta que não era com ele. Preferiu se abster e não correr riscos, ao contrário do que aconteceu no Líbano", compara.

Ghosn respondeu porque optou por seguir para Beirute, ao invés de uma cidade brasileira ou francesa. Ele explicou que se tratou de uma questão de logística, mesmo considerando que os três países não extraditam cidadãos que têm nacionalidade, ou seja, ele teria abrigo em qualquer um.

A família se queixa que Bolsonaro esteve no Japão e inclusive se encontrou pessoalmente com o primeiro-ministro Shonzo Abe, em outubro do ano passado, e não fez qualquer menção ao caso de Ghosn.

Fuga A imprensa japonesa reportou que o empresário foi de Tóquio a Osaka de trem e de lá seguiu de táxi para o aeroporto. Ghosn embarcou então em um jatinho particular para o Líbano, dentro de uma caixa de equipamento musical. Ainda foi feita uma escala em Istambul, na Turquia.

Já de Beirute, Ghosn divulgou um comunicado afirmando que não será "refém de um sistema judicial japonês fraudulento em que se presume culpa, onde direitos humanos básicos são negados. Não fugi da justiça. Escapei da injustiça e da perseguição política".

A Turquia investiga a fuga de Ghosn e sete pessoas foram presas, incluindo quatro pilotos. Ghosn afirma que o plano foi feito exclusivamente por ele, sem conhecimento da família.

A fuga do empresário foi possível depois que uma empresa de segurança contratada pela Nissan para vigiá-lo ter interrompido o monitoramento em 29 de dezembro, a pedido dos advogados de Ghosn.