Casamento com as bençãos de Xangô: pedra sagrada em Cajazeiras é cenário de enlace

Foi a primeira cerimônia afro-religiosa desse tipo realizada no local

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  • Luana Lisboa

Publicado em 12 de julho de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil/CORREIO

Xangô sempre esteve presente na vida de Sinay Almeida, a gayacu (o equivalente a ialorixá – mãe de santo -, em terreiros de nação jeje) do Vodun Kwe Tò Zò. Por isso, ela considera uma honra ter sido a primeira noiva a se casar na pedra consagrada ao orixá da justiça, em Cajazeiras. A cerimônia aconteceu no sábado, 10, graças à união do cartório de Cajazeiras, da plataforma digital Pedra de Xangô: Forças da Natureza e do candomblé comandado pela gayacu Sinay.

Os noivos foram abençoados por Tatá Mutá Imê, sacerdote de nação Angola, no ano do 25° aniversário do primeiro encontro de Sinay Almeida com Stefano Diego Borges ‘Odesì’, aos 17 anos. Na época, começaram a namorar, mas logo se separaram e formaram outras famílias. Nove anos depois, o destino os uniu de novo.

“É um amor que temos desde a adolescência, depois de muitos desencontros nos reencontramos e vamos reafirmar e celebrar nossa união e a Pedra de Xangô foi escolhida como cenário, sob a devoção e o amor que temos por Sogbò [divindade Fon equivalente ao Xangô da nação Ketu]. A escolha do sacerdote [de nação Angola] tem como base a hierarquia e o objetivo de representar a união entre as nações em prol do patrimônio comum [a pedra sagrada em Cajazeiras] ”, contou Diego.

Ele é diretor do projeto Capoeira Tò Zò, que tira crianças e jovens das ruas e os apresenta à tradição da capoeira. Já gayacu Sinay comanda o terreiro Vodun Kwe Tò Zò, é sacerdotisa do grupo GT da Pedra de Xangô, instrumentadora cirúrgica e ativista de movimentos sociais e ambientais.  Também integra o núcleo da União Brasileira de Mulheres (UBM) de Cajazeiras."Era só um sonho casar próximo ao monumento, não imaginava que se tornaria realidade, mas pela fé e vontade ainda acreditávamos. Mesmo que fosse só a benção na pedra já seria suficiente. Não poderia escolher um lugar com mais força, energia e importância para a gente", afirmou Sinay.Filha de Oyá [Iansã] e Sogbò, e tendo como pai de santo um filho de Xangô, gayacu Sinay costuma dizer que Oyá foi quem a reaproximou de Diego. A orixá representa a força dos ventos, o poder da natureza, a garra, a independência e a força femininas. Sogbó é um vodum celeste que se manifesta em forma do trovão e raio. Já Xangô é o orixá da justiça e da sabedoria e também comanda o fogo. A noiva e o noivo se conheceram na adolescência, namoraram, separaram, formaram novas famílias e agora, com a força de Xangô, se casaram (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Parque

Maria Alice Silva, mestra e doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA e autora do livro ‘Pedra de Xangô: um lugar sagrado afro-brasileiro na cidade de Salvador’ acredita que a realização do ato religioso na Pedra de Xangô ratifica a importância do monumento para os adeptos das religiões de matriz afro-brasileira.

O local onde está situada a pedra sagrada foi transformado em um parque que está em construção desde fevereiro de 2020, com um projeto da prefeitura de Salvador em parceria com a Fundação Mário Leal Ferreira. Inicialmente, estava previsto para ficar pronto em seis meses, mas a pandemia interrompeu as obras. 

A Pedra de Xangô é protegida pela Lei de Preservação do Patrimônio Cultural do Município (8.550/2014). Ela foi tombada pela prefeitura em maio de 2017, através da Fundação Cultural Gregório de Matos (FGM), que oficializou o tombamento da pedra e da área considerada sítio histórico do antigo Quilombo Buraco do Tatu.

A expectativa é que o parque seja inaugurado em novembro. “Com a tão esperada inauguração do Parque Pedra de Xangô, o povo de terreiro, pela primeira vez na história, vai poder contar com um equipamento público onde poderá realizar suas celebrações, sob as bênçãos dos orixás, voduns, nkisis, caboclos e encantados. É um momento histórico, único, um marco para as comunidades de terreiros na Bahia. Esperamos que muitos casamentos sejam realizados na Pedra de Xangô, Nzazi e Sogbó, patrimônio cultural de Salvador”, diz a arquiteta.

É nisso que gayacu Sinay também acredita. "Tenho convicção que a força que existe ali fará pessoas muito felizes, como nós somos, e irá ser mostrada para o mundo. Quando as forças do bem querem, elas prevalecem. Prova disso é meu casamento. Cada um foi para um lado mas agora já estamos juntos há um bom tempo e nosso casamento é de resistência, força, perseverança e aprendizado. Aprendemos que o amor seria mais forte do que tudo".

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro