Cenas de Carnaval: antropologia do folião

Na festa, é permitido se tornar outra pessoa

Publicado em 17 de fevereiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paulo M. Azevedo/22.02.2009/Arquivo CORREIO
Carnaval 2015 por Marina Silva/Arquivo CORREIO

O Carnaval é uma festa com leis próprias. Xixi na rua? Pode, mas sem mostrar os ‘documentos’. Pegar todo mundo? Vale, mas cuidado com a câmera dos amigos. Ser julgado? Definitivamente, não. Dançar, beijar, cair, rolar, chegar em casa às 8h do outro dia, sem um tênis, com a camisa melada de lama, bêbado (a) e acompanhado (a) de um vira-lata? Vale, sim. Mas por quê? O que nos faz nos soltar tanto, curtir essa festa anual como se não houvesse futuro? Gastar dinheiro, se arriscar, ignorar as responsabilidades do dia a dia e, claro, a saúde em nome de uma farra? Há sempre uma explicação teórica. Afinal, não foram poucos aqueles que se debruçaram - provavelmente, após se espantarem  - sobre o Carnaval.

De acordo com o pesquisador brasileiro Hiram da Costa Araújo, no livro Carnaval: Seis Milênios de História, o filósofo russo Mikhail Bakhtin e o filósofo alemão Friedrich Nietzsche consideravam o Carnaval como “um rito coletivo onde foliões fantasiados e mascarados se transformam num ‘outro’, numa espécie de efeito catártico regulador do equilíbrio social. É uma trégua, um alívio da hipocrisia social e do medo do corpo”. Sim, no Carnaval as pessoas se transformam. É só ver a quantidade de gente que se traveste durante a festa, seja em blocos ou ‘solto’ na rua, com amigos. Dá para dizer que, na folia, a linha da tolerância sobe e, como dissemos no primeiro parágrafo, quase tudo é permitido.

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O antropólogo Roberto DaMatta considera o Carnaval uma festa que celebra desordem e, como tal, é mais rara do que as festas que celebram a ordem, como outras solenidades. Até por isso, o Carnaval no Brasil é tão festejado, como se fosse a última folia do mundo. Todo ano.

“A festa desloca as razões e a lógica do bom senso vigente no mundo diário, abandonando, reforçando ou invertendo rotinas”, escreveu DaMatta, em 2013, numa coluna na Revista Época.  Não dá para dizer que não gostamos dessa desordem. Blocos, bandas e ritmos já entraram em crise. O Carnaval, nunca. Afinal, até aquele que é considerado o hino da festa, We Are The World of Carnaval, de Nizan Guanaes, celebra a fuleragem. “Vai compreender que a baiano é/Um povo a mais de mil/Ele tem Deus no seu coração/E o Diabo no quadril”.

*Cenas de Carnaval é um oferecimento do Bradesco, com patrocínio do Hapvida e apoio da Vinci Airports, Fieb, Salvador Shopping, Unijorge, Claro, Itaipava Arena Fonte Nova e Sebrae