Chega! Foi ontem, mas já é muita saudade. O adeus a João Gilberto

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

Publicado em 7 de julho de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Esta coluna já estava escrita até às 22h06 minutos de ontem, sábado. Seria sobre o samba duro junino e uma das rainhas do ritmo, a dançarina transgênero Pokett Nery. No entanto, falar de samba, música, transformação e baianidade já não faz mais tanto sentido diante da morte de João Gilberto.

O apagar da velha chama traz um vazio e um silêncio profundo. Aos 88 anos, o maior dos cantores brasileiros desaparece para todo sempre. Natural de Juazeiro, às margens do Velho Chico, João é o mito fundador de todo movimento musical surgido (e de tudo que ainda virá a se estabelecer) depois dele.

Desde o lançamento do LP “Chega de Saudades”, em 1959, a vida nunca mais foi igual. Aquele som tocou profundamente o menino Caetano, conforme narra em seu livro Verdade Tropical (Companhia das Letras, 1997). Ouviu um sem par de vezes, ainda em Santo Amaro, no Recôncavo, aquela voz doce diferente de tudo que já havia sido ouvido e cantado antes.

Gil ouviu João pela primeira vez num rádio, em casa. O som lhe assombrou pela elegância, educação e delicadeza.

Chico, Bethânia e os Novos Baianos são também legado do toque discreto do menestrel de ouvido absoluto, voz limpa e jeito excêntrico. Mas os filhos indiretos de João são muitos outros – provavelmente todos outros. Ao redefinir uma cadência, a partir da Bossa Nova, João possibilitou um jeito próprio do Brasil se descobrir. Ainda que com influências jazzísticas, americanas, um jeito nosso, de música brasileira, falada, sussurrada pelo amplificador do microfone, com nosso sotaque e ginga.

Tudo mudou Quando tocou pela primeira vez no Carnegie Hall, em Nova Iorque, em 1962, João Gilberto expurgou nosso complexo de vira-lata de reverenciar os gringos e negar nós mesmos. Ao que, decerto, viria a ser uma liberdade provisória, mas ainda assim um sopro definitivo. O Brasil de JK, de uma nova capital federal no interior do país, do primeiro título mundial com Pelé, Didi e Garrincha. Um país predestinado a resolver seu futuro e projetar seu passado.

Curioso passar tudo isso em revista diante de tempos muito menos alvissareiros. É só melancolia...  

A primeira vez que ouvi João foi num palco muito menos glamouroso que o lendário tablado de Manhattan. Nem sei se é exatamente uma memória genuína ou um desses lapsos construídos a partir de relato de terceiros. Ao que recordo, é João numa propaganda de cerveja. Ele, com uma orquestra ao fundo, cantando: “pediu cerveja, pediu Brahma Chopp. Pediu cerveja, pediu Brahma Chopp. Cerveja é Brahma Chopp”.

Segue vídeo

Lembro de meu pai imitando a voz de João e rindo dele vender cerveja, num comercial, sem sequer prová-la. Uma elegância sem exageros, construída na repetição de duas frases de um produto essencialmente popular. João Gilberto é exatamente isso. O requinte das nossas mais profundas criações. O que melhor poderíamos apresentar ao mundo em sensibilidade artística e profundidade estética.

Um artista obcecado pela perfeição, dicção completa, melodia e letra. Um homem comprometido com sua arte e moldado a partir dela.  

Que venham todas as homenagens a partir desse 6 de julho. Todas as lembranças e depoimentos ainda não serão suficientes. Melhor que todas só o silêncio. E melhor que o silêncio, vaticinou Caetano, só João. 

Chega! Já é (muita) saudade.

Essa coluna é dedicada ao meu afilhado. Ele completou um ano exatamente no dia da partida de João Gilberto. Seu nome também é João.