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Da Redação
Publicado em 7 de maio de 2020 às 05:00
- Atualizado há um ano
Certa feita, escrevi nesta coluna sobre uma música de Gilberto Gil que nos lembra do medo que temos, não da morte, mas de morrer. Questionando qual seria a diferença, o próprio Gil responde que a morte é depois que a gente deixa de respirar. Já morrer, ainda é aqui, podendo haver dor. Por outro lado, não desejamos, também, a eternidade como a de uma criança que conhece o chiclete pela primeira vez e tenta se livrar dele após este perder seu açúcar, incomodando-se com o seu eterno existir insosso. Trago aqui um conto de Clarice Lispector denominado Medo da Eternidade.
Não se contradizem Gil e Clarice, complementam-se. A nossa fé, em grande parte de origem cristã, faz-nos crer que só devamos morrer quando for da vontade de Deus, aqui na terra como no Céu. É o que relatam, por exemplo, condenados à pena de morte nos Estados Unidos, segundo Bryan Stevenson no seu livro Just Mercy- obra traduzida no Brasil com o título Compaixão. No corredor da morte, a crença é de que ela é injusta e violadora da lei divina porque se interrompe a vida pela vontade dos homens e suas leis.
Esta pandemia da COVID-19 escancara este drama humano, a antecipação da morte. O medo de morrer, distante para alguns de nós, realocou-se no tempo e fixou-se diante dos nossos olhos, em nossos lares, em nossos ambientes de trabalho.
O aflitivo e dramático contato com a eternidade é desesperador igualmente é a angústia da morte premente. Gil não desdiz Clarice. A intersecção entre ambos os escritos está no caminho do meio, que é justamente onde reside a nossa fé.
Diversas religiões nos trazem esse equilíbrio para que não desejemos nem rejeitemos os extremos, os opostos, mas para que nos conformemos com o caminho do meio, que tem variados significados nas mais diversas religiões.
Em tempos difíceis como o atual, a fé ajuda a superar os nossos medos e as nossas angústias, possibilitando o encontro com o equilíbrio.
Fazendo uma comparação entre o que disse Clarice e o que escrevi alhures, é como se o caminho do meio fosse a perda do chiclete de forma espontânea, uns perdem ainda quando doce, outros quando o açúcar já foi embora, mas sempre sem a intervenção humana.
Aqui, a palavra perda quer dizer então a ausência de vontade humana. É natural que personifiquemos a COVID-19 como espécie que nos leva nosso chiclete, no momento inadequado, roubando-nos nosso direito de apreciá-lo.
Em quarentena, o momento é de agradecer o chiclete que podemos mascar, ainda que dentro de casa. A vida está aí. Como chiclete, saibamos desfrutar do seu sabor que mesmo quando se esvai o açúcar, sua existência em nossas bocas nos traz a experiência de conduzi-lo para que não o deixemos cair no chão.
Diego Pereira é Doutorando e Mestre em Direito pela UNB. É Procurador Federal e autor da obra Vidas interrompidas pelo mar de lama (Lumen Juris, 2018). Professor, costuma escrever sobre direito, literatura e cotidiano
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