Chico e Caetano; um programa de Brasil

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  • Da Redação

Publicado em 20 de junho de 2022 às 05:02

- Atualizado há um ano

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Ao final da canção Não Vou Deixar, nas apresentações que Caetano Veloso vem fazendo do seu disco Meu Coco, o cantor sempre diz um Fora Bolsonaro.

A segunda parte da canção começa com Apesar de Você. E não foi coincidência. O próprio já admitiu em entrevista ter citado a emblemática canção de Chico Buarque, um libelo contra a ditadura militar, tão querida pelo atual presidente, com suas torturas, mortes, censuras e corrupções. Presidente que ele também quer fora, e o fez voltar a cantar, depois de anos, Apesar de Você ao vivo. Canção que era para ser datada, mas, como bem disse Millôr, somos um país com enorme passado pela frente. E o anjo torto de Drummond, que era o safado de Chico, vira o troncho de Caetano.

Em seguida, Caetano cita na mesma canção o dia da posse do atual presidente, quando o compositor vociferou contra a TV, e uma criança comentou: o vovô tá nervoso. Pois é, Caetano já é um vovô, como Chico, e na canção Enzo Gabriel, do mesmo disco, ele pergunta sobre o papel das novas gerações na salvação do mundo. A responsabilidade de fazer um filho, que tal?

Meu Coco começa com a canção homônima falando que somos mulatos híbridos, e que tudo embuarcará na arca de Zumbi e da Princesa Isabel. Chico de novo. E durante as gravações, depois de uma provocação de que seu disco não tinha um samba, Caetano compôs a canção Sem Samba Não Dá, onde ele diz que está Tudo esquisito, tudo muito errado / Mas a gente chega lá / Tem muito atrito, treta, tem muamba, e termina dizendo: Vai chegando que a gente vai chegar. Porque sem samba não dá.

Não é o Caetano em parceria com Chico que disse que a gente vai levando. Ele agora é positivo e propositivo. Acredita num Brasil mestiço e belo. A gente vai chegando que a gente vai chegar. Então, que tal um samba para espantar o tempo feio / para remediar o estrago?

Assim começa a nova canção de Chico, lançada semana passada. Um samba pra alegrar o dia / Pra zerar o jogo / Coração pegando fogo / E cabeça fria. Como fazer um gol de bicicleta, deitar na cama da amada e despertar poeta, fazer e criar um filho numa cidade legal, com a pele escura, bem brasileiro. Um mulato híbrido não com dinheiro / mas a cultura. Que tal uma beleza pura?

A volta se completa, e Chico cita Caetano. Se está Tudo esquisito, tudo muito errado, que tal Puxar um samba / Depois de muita bola fora da meta / Juntar os cacos, ir à luta / Esconjurar a ignorância, que tal?

Chico fala do batuque lá no cais do Valongo, do jongo lá na Pedra do Sal e de uma roda da Gamboa, como Caetano cita o futuro de nossa música, com nomes que vão de Baco Exu do Blues a Simone e Simaria, em Meu Coco. Passado e futuro se encontram no presente que ganhamos, ao termos em atividade, cantando e compondo, dois representantes da maior geração de cantautores da história mundial. É a geração de Rita Lee, Milton, Paulinho da Viola, Dori Caymmi, Gilberto Gil, Jorge Ben, Edu Lobo, dentre tantos outros e outras.

Chico e Caetano continuam compondo e cantando. E lutando. Nunca se omitiram frente à barbárie, e sempre lutaram pelo Brasil que acreditam. Um Brasil mestiço, com respeito às florestas, às culturas, aos indígenas, ao cidadão comum. Desmantelando a força bruta, a demência, a mutreta. Eles vêm citando um ao outro desde que Caetano compôs Alegria, Alegria, numa marcha em redondilha maior, como resposta a A Banda, de Chico, e ainda cantou Viva a banda dada, em Tropicália, que bem poderia ser uma alusão ao dadaísmo de sua marcha-resposta. Se juntaram em 1972, para um antológico disco ao vivo. Depois, num programa de TV. Compuseram pouca coisa juntos, sempre seguindo caminhos distintos, até esteticamente antagônicos, mas são os cronistas mais populares do país nos últimos 50 anos.

É preciso estar atento (e forte) ao que eles vêm dizendo, pois eles estão muito atentos ao país. E fortes. Parodiando Caetano, no texto de apresentação do songbook de Gil – este, a terceira margem deste rio de compositores –; se você pensa que pode prescindir da visão que eles estão instaurando, você perde o trem-bala da história de hoje.

ps.: Depois de escrito este artigo, dei uma passeada pela internet e muito do que eu disse se repete por aí. Pensei bem e decidi que quanto mais gente disser dos mais variados jeitos, mais gente vai pensar junto sobre os caminhos da nossa música e do nosso Brasil.