Chupa, Harry Potter! Quadribol existe entre 'trouxas', e Salvador tem até time

'Mestiços' disputam em outubro Brasileirão da modalidade inspirada no mundo bruxo

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  • Gabriel Moura

Publicado em 25 de setembro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

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. por Foto: Gabriel Cerqueira / Divulgação

Um bando de jovens que corria pelo Parque da Cidade com uma bola nas mãos e um cabo de vassoura entre as pernas chamava a atenção dos curiosos, que, incrédulos, olhavam a turma com um ar de "que porra é essa?". "Esses aí são os meninos que jogam aquele jogo do Harry Potter, um tal de quadribol", esclarece, bem informado, um vendedor ambulante local.

Entretanto, o aparentemente vasto conhecimento do trabalhador sobre as práticas esportivas do mundo bruxo não se deu após exaustiva leitura da obra de J.K. Rowling, mas sim a partir do costume em ver os “Potterheads” executando este hobby incomum.

Sim, já fazem seis meses que os "Mestiços", primeiro e único time de quadribol da Bahia, treinam semanalmente no território encantado do Itaigara.

A estranheza que causam não incomoda os atletas. “É normal os ‘trouxas’ não entenderem o mundo bruxo”, afirma o estudante e artilheiro dos Mestiços, Yan Couto, 23 anos.

Aqui vale um parêntese: o termo “trouxa” não trate-se de uma ofensa gratuita aos transeuntes desavisados, mas sim uma alcunha utilizada para nomear os “não-bruxos” nos livros de Harry Potter.“A única coisa chata é a galera que passa e grita palavras e frases homofóbicas. Esses aí são trouxas mesmo, literalmente”, pontua o jogador.Yan, inclusive, é o capitão e um dos fundadores do time, que surgiu em meados de abril deste ano após alguns Potterheads terem se conhecido durante um evento para fãs do bruxo que aconteceu em março.

A partir deste encontro, os futuros atletas tiveram a ideia de montar um time para chamar de seu e hoje os Mestiços já contam com 19 atletas no plantel. Esportistas esses que, apesar de terem trocado Nimbus e Firebolts por canos de PVC que aparentemente não saem do chão, já estão preparados para voos maiores.

Campeonato Brasileiro Nos próximos dias 12 e 13 de outubro, os Mestiços serão os únicos nordestinos dentre as 10 equipes que participarão do Campeonato Brasileiro de Quadribol. 

Lá no alto também está a expectativa pela disputa do certame. De acordo com Yan, os Mestiços, time mais “na bruxa” do mundo bruxo, tem como objetivo atingir, pelo menos, as semifinais do torneio.

“A única dificuldade é o baixo número de atletas que teremos em nosso elenco, apenas 10 contra mais de 20 de outras equipes. Mas temos certeza de que vamos superar tudo isso com a nossa garra”, afirma o capitão, que já sentiu o gostinho de levantar a taça em 2018, quando atuou pelo Dragões da Tormenta, paulistas que são considerados a melhor equipe do Brasil atualmente. O esquadrão, devidamente uniformizado, que representará o Nordeste no Brasileirão de Quadribol (Foto: Gabriel Cerqueira / Divulgação) Para trouxas "O quadribol é muito fácil de entender, mesmo que não seja fácil de jogar", conta Oliver Wood, goleiro e capitão do time da Grifinória em Hogwarts, para Harry Potter nos idos de "A Pedra Filosofal". Para internalizar a etapa mamão com açúcar, preste atenção.

A escalação é a mesma das duas versões do jogo: um goleiro, dois batedores, três artilheiros e um apanhador. E as equivalências não são restritas apenas à distribuição de atletas. Na versão trouxa as equipes também marcam 10 pontos quando conseguem colocar a goles, como é chamada uma das bolas do jogo, dentro de um dos três arcos.

Além das goles, há os balaços e o pomo de ouro - cuja captura rende 40 pontos à equipe e decreta o fim da partida.

Pés no chão Mas, por conta de um detalhe fundamental – as vassouras por aqui não voam –, o jogo teve que passar por algumas adaptações para poder ser jogado sem o auxílio de magia.

Os batedores não usam bastões, mas jogam uma espécie de “baleado” para atrapalhar os artilheiros adversários. Quando eles conseguem acertar os rivais com um balaço – sendo dois em campo durante a partida –, faz com que o jogador desmonte da sua 'vassoura' e volte à posição inicial, perto dos aros. Quadribolistas trouxas sofrem do mesmo problema da bruxa de Pica-Pau: uma vassoura que não voa (Foto: Reprodução) Outra mudança é em relação aos apanhadores, posição em que o próprio Harry se destacou, sendo o mais jovem do século a atuar na função.

O cobiçado pomo de ouro é uma bola de tênis que fica dentro de uma meia amarrada na cintura de uma pessoa que entra em campo aos 17 minutos de jogo. Para apanhá-lo e garantir 40 pontos para sua equipe, os dois apanhadores de ambos os lados promovem, literalmente, um arranca-rabo.

Mas engana-se quem acha que é fácil obter a pontuação máxima. Para conseguir a façanha de pegar o pomo de ouro tem que ser maroto. Ficar aluado na hora de capturar o rabicho pode resultar numa queda sem almofadinhas para amortecer e com risco de haver pontas da vassoura para te furar.

Isso porque o portador da bola mais desejada do jogo pode derrubar os apanhadores, além de remover o cabo que os atletas portam entre as pernas.

Já os artilheiros e goleiros têm a mesma função em ambos os mundos. O primeiro está incubido de colocar a bola dentro de um dos três arcos. Já os “guarda-aros” têm a missão de agarrar a goles e também podem ajudar o time no ataque, fazendo bico de artilheiro.

Além das bolas e posições iguais, outra exigência importantíssima para se jogar quadribol é ter uma vassoura, cabo ou cano entre as pernas – lá ele!

Já a ferocidade também é análoga. Se nos livros e filmes há relatos de atletas que sumiram por semanas após algum embate quadribolístico – porém com nenhuma morte registrada há séculos –, por aqui os choques entre os atletas não raramente acabam em quedas, que vez ou outra resultam em vassouras e ossos quebrados.

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Foi esse o caso da artilheira Milena Stabile, 21, que teve uma luxação durante um jogo. Esperta, a estudante de Arquitetura fugiu do “Braquium Remedo” do Gilderoy Lockhart e se dirigiu à versão trouxa da Madame Pomfrey, o médico. A parte complicada acabou sendo ter que explicar ao “não-maj”, outro termo para denominar quem não é bruxo, o que tinha acontecido.

“Ele me perguntou se eu estava jogando futebol. Então perguntei se ele conhecia quadribol e o médico ficou todo desentendido. Tive que explicar que era de Harry Potter e ele começou a rir e perguntou se a gente voava. E eu disse ‘então, doutor, acabei voando sem querer e caí no chão, por isso estou aqui com o pé quebrado’”, brinca a atleta, que agora tem “acidente jogando quadribol” escrito em seu histórico médico. Atletas vivem um eterno relacionamento sério com o chão (Foto: Juliana Moreira/Divulgação) Piertotum Locomotor Uma das cenas mais marcantes da “Batalha de Hogwarts” foi quando a professora de transfiguração Minerva McGonagall realizou seu sonho de usar o feitiço “Piertotum Locomotor”, que deu vida às estátuas do castelo para defender a escola de magia e bruxaria. Antes dos Mestiços, a maioria dos que hoje são atletas também estavam iguais às esculturas: imóveis, sem praticar exercícios físicos. 

O amor pela saga Harry Potter acabou sendo o Piertotum Locomotor que fez os quadribolistas acabarem com o sedentarismo. “Essa é uma das partes mais legais do time. Todos aqui estão praticando algo saudável, uma atividade física. Além disso, todos nós nos divertimos bastante, mas quando é para ser sério, nós somos e damos nosso melhor, pois queremos ser o número um do Brasil”, conta o estudante de Educação Física e artilheiro Thiers Ferreira Santos, 23.

Família Os sete livros da saga Harry Potter têm uma história que gira em torno da amizade entre os três protagonistas – o próprio Harry, Rony e Hermione – e com os Mestiços acontece a mesma coisa. Mais do que vencer ou praticar algum esporte, o foco acaba sendo a amizade e os vínculos que os jogadores criaram entre eles.“Nós formamos uma família. Podemos brigar ou discutir durante o jogo, o que é normal, mas no fim acabamos rindo, saindo juntos e nos divertimos. Aqui todo mundo é muito unido”, comemora Yan Couto.Quadribol através dos séculos Se comparado à tradição secular de sua versão bruxa, o quadribol de trouxas não passa de uma criança. Apesar da juventude, a prática já começa a dissipar magia ao redor do mundo e conta com uma federação internacional, fundada em 2010, e até uma Copa do Mundo da categoria – já disputada quatro vezes, com os Estados Unidos levantando três canecos e a Austrália papando a outra taça.

Até o próprio Brasil já levou a sua seleção em duas oportunidades (2016 e 2018) para a disputa do certame, tendo participação apenas regular em ambas.

Já em território nacional, o Campeonato Brasileiro terá sua segunda edição em 2019. Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, por sua vez, possuem competições regionais da modalidade.

*Com orientação do editor Wladmir Pinheiro.