Chuva da madrugada causa tensão no sul da Bahia

Moradores têm medo que tragédias de dezembro se repitam

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  • Da Redação

Publicado em 4 de março de 2022 às 06:20

- Atualizado há um ano

. Crédito: Jaque Cerqueira

O mês começou há poucos dias, mas as águas de março já trazem tensão aos moradores de cidades atingidas pelos temporais de dezembro passado. Alertas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) assustam e não à toa: chuvas intensas com potencial de perigo estão previstas para o sul, centro sul, centro norte e nordeste da Bahia. A previsão é que o risco continue até domingo (6).  

Vanessa Cardoso tem apenas 21 anos, mas já viveu momentos de tensão para uma vida toda. A jovem mora em Ilhéus com duas filhas pequenas, uma de 8 anos e outra de três meses, com as chuvas do final do ano passado, o nível do córrego que passa na frente da sua casa subiu, alagou sua casa e chegou a atingir um metro de altura. Com a moradia interditada pela Defesa Civil, passou dias em um abrigo montado em uma escola pública da cidade.  

Ela chegou a fazer algumas reformas para poder retornar para casa, mas as chuvas que afetaram o município desde a madrugada de quinta-feira (3), trazem a preocupação de volta. “Eu sinto muito medo que alague tudo de novo. É um desespero toda vez que chove”, desabafa. Vanessa conta que não recebeu nenhuma ajuda da prefeitura e nem do governo do estado. Novos móveis, roupas, medicamentos e alimentos vieram de doações da comunidade.   A casa de Vanessa, no bairro Alto do Basílio, sofre risco de alagamentos e deslizamento com as chuvas (Foto: Jaque Cerqueira) Jurema Cintra é advogada e diretora do Grupo Amigos da Praia (GAP), organização não governamental que prestou socorro aos atingidos pela chuva em Ilhéus. Muito marcada pelos acontecimentos de dois meses atrás, ela tem medo que a situação se repita e que moradores sejam afetados novamente. O grupo foi responsável por arrecadar mantimentos, fazer mutirões de saúde, limpeza de ruas e reparo de casas.“Chove forte em Ilhéus hoje. Já imaginamos o que pode acontecer, a métrica parece um prenúncio...Cada vez que chove forte sinto gatilhos emocionais, foi muito duro o que vivemos aqui”, diz Jurema.  O coordenador da Defesa Civil de Ilhéus, Joandre Neres, afirma que 66 milímetros de chuva foram registrados na cidade desde a madrugada até às 10 horas de quinta-feira (3). “Pedimos para que os que já foram afetados antes fiquem na casa de parentes. Muitas pessoas acabam retornando, mesmo com a casa em risco. A gente pede que os moradores mantenham atenção redobrada e, qualquer coisa, entrem em contato com a Defesa Civil”, diz. Até às 11 horas da manhã, já haviam sido feitas 11 ocorrências de desmoronamentos e alagamentos.  

No final de janeiro, o governo  do estado autorizou obras de requalificação em 37 cidades afetadas pelas chuvas, com um investimento de R$57 milhões. Também foi anunciado o programa Bahia Minha Casa, que deverá construir moradias em municípios, inclusive em Ilhéus. 

“É difícil até de falar, estamos assustados, muita agonia de novo. Além do medo de cair barro”, conta Patrícia Souza, de 28 anos. A casa onde ela mora com pais foi atingida pelo desabamento de um barranco na Avenida Palmares, em Ilhéus.  

Durante a chuva no final de dezembro, sua mãe de 50 anos, estava fazendo uma valeta para que água pudesse escoar e acabou sendo soterrada quando o barranco desabou. A mulher sofreu vários ferimentos e precisou ser hospitalizada. Mesmo com medo de novas tragédias, a família diz que não tem para onde ir e permanece no local, com risco de novos deslizamentos acontecerem.  Genilton Inácio, pai de Patrícia. O barro invadiu a cozinha, banheiro e um quarto da casa em dezembro (Foto: Jaque Cerqueira) Cidades diferentes enfrentam o mesmo medo 

Na cidade de Itabuna, a enchente causada pelo aumento do nível do Rio Cachoeira no ano passado, também deixou marcas nos moradores da cidade. Ana Dantas passou uma madrugada de aflição, enquanto ouvia o temporal do lado de fora da casa. Ao acordar de manhã, publicou um depoimento em uma rede social: “Só quem passou pela enchente vai entender o desespero de ver a chuva chegar”.  

Ela, que teve a casa invadida pela enxurrada e perdeu grande parte dos seus pertences, não tinha planos de sair de casa e enfrentar a chuva. Mas teve que levar a avó para ser internada em hospital da cidade, após a mesma passar mal. “Eu perdi tudo em dezembro, quando vem a chuva é um medo que paralisa”, desabafa a jornalista.  

Outro morador da cidade, Jean Paulo, que salvou cerca de 80 famílias ilhadas no ano passado, conta que chuva não deu trégua durante a madrugada e nem pela manhã na cidade: “É muita chuva e bem forte”.  

Em Ubaitaba, a moradora Danielle Ferreira conta que desde às 3 horas da madrugada até o horário do almoço choveu sem parar no município. A casa de uma amiga, no bairro Maria Olímpia, começou a alagar ainda cedo. “Existem pessoas que estão bem apreensivas, outras confiantes”, diz. O receio é quase unânime: que novas tragédias como a de dezembro ocorram novamente. Assim como Itabuna, a cidade está sob alerta de chuvas fortes, segundo o Inmet. 

Já em Ubaíra, no Vale do Jiquiriçá, uma criança de 9 anos ficou ferida após parte de uma casa desabar durante a madrugada. A menina dormia em um dos cômodos quando o fato ocorreu. Logo após o incidente, uma equipe da defesa civil foi ao local e isolou a área, com apoio de bombeiros militares.  

Especialista explica o que está causando a chuva 

A condição climática que afeta quatro regiões do estado, além de Salvador e Região Metropolitana, devem permanecer até o final de semana. O que ocorre é uma é uma zona de baixa pressão no oceano, associada a um sistema chamado vórtice ciclônico de altos níveis, conhecido como VACN. 

Itajacy Diniz, geógrafo especialista em identidade geográfica e mudanças climáticas, explica que no VACN os ventos dos níveis mais altos da atmosfera giram no sentindo horário com alta velocidade, concentrando nuvens carregadas. Durante o verão, o vórtice se move do oceano Atlântico em direção ao continente, o que causa chuvas no nordeste brasileiro. Já no inverno, ele permanece no oceano e não causa tanta interferência na costa. 

“O VACN faz com que o ar seco dos níveis mais altos da atmosfera desça para a superfície, por isso as chuvas se intensificaram no litoral da Bahia. O oceano manda ventos para atmosfera e o giro rápido faz concentrar chuvas carregadas”, afirma Itajacy Diniz. Imagem de satélite mostra a chuva no litoral da Bahia (Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos/Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) *Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.