Cidade baiana investe em usina de oxigênio e salva vidas

Ribeira do Pombal, no Nordeste do estado, passou a produzir todo gás medicinal consumido no município

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 4 de junho de 2021 às 06:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Leitor CORREIO

Quando a assistente social Arlene Chaves foi internada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Ribeira do Pombal, Nordeste da Bahia, com 50% do pulmão comprometido por causa da Covid-19, o medo era uma constante. “Lá, todo mundo precisava de oxigênio. Mas a enfermeira me tranquilizava, dizia que não ia faltar, pois a UPA tinha essa usina”, lembra. A cidade de 50 mil habitantes é a quinta da Bahia com mais casos ativos de covid e lá só não faltou oxigênio por causa de duas usinas de produção do gás medicinal. Vidas foram salvas.  

“Foi uma sacada muito boa a de instalar os equipamentos. Uma iluminação! Eu insisto que, se Manaus tivesse feito isso, não viveria um caos”, argumenta Danilo Matos, diretor executivo do Consórcio de Saúde Nordeste II (Coisan), que administra o Hospital Geral Santa Teresa, localizado em Ribeira do Pombal. Essa foi a primeira unidade de saúde da região a ter uma usina de oxigênio instalada, ainda no início da pandemia, em 2020. O equipamento tem a capacidade de encher, a cada duas horas, quatro cilindros com 10 metros cúbicos, 

O resultado positivo levou o município, no mesmo ano, a instalar uma usina na UPA, mas não por causa do coronavírus. "Na época, a demanda por oxigênio no tratamento da covid não era uma preocupação real, mas nós já visualizávamos um problema sério que seria a questão do abastecimento. Há um monopólio no setor e alto custo do insumo. Nós não queríamos ficar preso nas mãos desses caras, como muitas cidades estão”, explica Danilo.  

Sorte da dona Arlene, que você conheceu no início da reportagem. No momento que ela teve falta de ar, o cateter nasal de baixo fluxo foi o suficiente para lhe recuperar o vigor. Outros conterrâneos precisaram de mais suporte. “A vizinha do meu leito teve que ser transferida intubada para uma UTI e eu fiquei apavorada. Mas ela estava com o seu suporte de oxigênio. Isso não faltou em nenhum momento”, conta.   Hoje curada, Arlene Chaves comemora a vida (Foto: arquivo pessoal) Atualmente, Ribeira do Pombal enfrenta o seu pior momento na pandemia. São 315 casos ativos, segundo o último boletim municipal. “E é muita gente jovem infectada, pessoas que não tomaram ainda a vacina. Eles aglomeram nas roças, no final de semana, e pegam a doença”, lamenta dona Arlene. Atuando na rede municipal de saúde da cidade desde o início da pandemia, o médico Carlos Domini conhece bem a realidade.  “É uma situação calamitosa. Transferimos oito, 10 pacientes por dia e a UPA toda hora lotando. A sorte é que temos as usinas de oxigênio, se não já teria morrido gente com falta de ar”, disse.     Desde o início do funcionamento da usina, a UPA de Ribeira do Pombal internou, aproximadamente, 300 pessoas. Já o Hospital Santa Teresa tem uma média de 370 pacientes internados por mês e outros 3 mil atendimentos mensais na emergência. Nem todo esse público, no entanto, precisou da oxigenoterapia durante o atendimento. Os que precisaram, segundo Danilo Matos, tiveram todo o suporte necessário graças às usinas.  

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Como funciona o equipamento?  

A produção de oxigênio pela usina funciona através do ar comprimido, que também pode ser armazenado e é usado em unidades de saúde. ”São compressores de ar ligados na energia elétrica. Eles tiram o ar do ambiente, purificam e deixam só o oxigênio com, aproximadamente, 100% de pureza”, explica Danilo Matos.  

Como o equipamento é alugado, se a demanda aumentar ou diminuir, é possível fazer reajustes na produção. Isso está acontecendo na usina da UPA de Ribeira do Pombal. “Como lá vai aumentar a quantidade de respiradores, nós vamos aumentar a capacidade de produção do equipamento. Naturalmente, quanto mais a oxigênio for possível produzir, mais caro fica o aluguel”, aponta Arlindo Nazareth Jr., representante comercial da Dinatec na Bahia. 

Essa é a empresa que fornece as usinas de oxigênio para Ribeira do Pombal. A manutenção também fica a cargo deles. “É como se fosse um carro. Regularmente, nosso técnico precisa ir lá fazer revisão”, diz Nazareth. O equipamento reduziu os custos do hospital com oxigênio em, aproximadamente, 40%.

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“Antes, tínhamos um custo que variava entre R$ 45 e R$ 50 mil por mês. Hoje pagamos mensalmente R$ 28 mil”, diz Matos. Esse valor é destinado justamente à Dinatec. “Na Bahia, temos equipamentos em Ilhéus, Itabuna, Vitória da Conquista, Eunápolis e estamos instalando em Itaberaba para um empresário que vai encher cilindros e vender”, diz Nazareth. 

Segundo o rapaz, a procura pelas usinas cresceu durante a pandemia. “Mas eu ainda vejo resistência, pois as pessoas não confiam tanto na produção independente como deveriam. Fizemos uma proposta para Paulo Afonso, que está gastando um dinheirão com oxigênio e ia economizar 45% com nosso serviço, mas eles não quiseram. A gente tenta mostrar os exemplos, como o de Ribeira do Pombal, para convencer”, diz. 

 

Ribeira do Pombal inspira outras cidades  

Para não correr o risco de ver o oxigênio faltar e salvar mais vidas, Danilo defende para as cidades vizinhas a importância de investirem nas usinas. E o trabalho já tem tido resultados. “A UPA de Caldas do Jorro já tá instalando uma, tive contato com os prefeitos de Olindina e Cipó, que também estão com interesse e há um hospital filantrópico em Antas que está tentando implantar”, lista.  

Mas enquanto elas não viram realidade, são os dois equipamentos de Ribeira do Pombal que têm servido para as cidades vizinhas nos momentos difíceis e salvado a vida de outros baianos. “Recebo ligações do secretário de Ribeira do Amparo, que passa dificuldades com abastecimento atualmente. Cipó já teve problemas e nós ajudamos e enchemos cilindros de Cícero Dantas também”, lembra. Em Ribeira do Amparo, inclusive, o consumo semanal de oxigênio era de três cilindros. Hoje são 20. “Estamos sim com dificuldade. Nessa semana, para não faltar oxigênio aqui, tive que mandar pegar torpedo em Dias Dávila, pois a White Martins, mesmo contratada, disse que não ia conseguir trazer. Em Pombal, com essa usina, várias vezes solicitei e eles nos ajudaram”, afirma João Vieira da Costa, secretário de Saúde.   

Bahia terá usinas de oxigênio em três regiões do estado, anuncia Rui 

Durante inauguração de uma maternidade no Subúrbio Ferroviário de Salvador, na última segunda-feira (31), o governador Rui Costa confirmou que três usinas de oxigênio serão instaladas em três regiões do estado. Porém, não foi divulgado quais serão as cidades que vão receber as estruturas e mais detalhes da iniciativa. Rui disse apenas que as usinas servirão às regiões e não às cidades e que a previsão é que elas sejam móveis para se deslocarem a depender da necessidade de um ou outro local.  "Evidente que as usinas ficarão instaladas fisicamente em um município cada, mas o objetivo é atender a região, podendo ser remanejadas em casos de picos em outra região. Vai servir pra diminuir a distância entre os cilindros e os municípios. Hoje, tá previsto para o oeste, para a região de Irecê e a terceira ainda será discutida", afirmou.  O diretor executivo do Consórcio de Saúde Nordeste II acredita que o exemplo de Ribeira do Pombal é o que está inspirando a ação do Governo do Estado. “Doutor Igor, que é o superintendente de atenção à Saúde do estado, em visita ao nosso hospital, ficou impressionado com a usina e me pediu alguns contatos para fazer o mesmo nos hospitais estaduais. Eu acho que eles estão usando nossa expertise para levar a iniciativa ao restante da Bahia”, argumenta. 

No entanto, o representante comercial da Dinatec na Bahia disse não ter conhecimento de nenhuma negociação do tipo com a empresa. A Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) foi procurada, mas não respondeu até o fechamento do texto.  

Oxigênio é essencial no tratamento da covid-19 

Com aumento na demanda por oxigênio medicinal, vários pacientes começaram a morrer com falta de ar. É que o oxigênio é essencial no tratamento da covid-19. Segundo o médico intensivista Murilo Ramos, professor da Rede UniFTC, o sistema de saúde tem que garantir o fornecimento do insumo.  

“A covid é uma doença que gera baixa oxigenação no sangue. A melhor forma disso ser combatido, a curto prazo, é dar mais oxigênio para o paciente respirar. Se tem baixa oxigenação no sangue, vamos ofertar uma quantidade maior do que existe no ambiente”, explica. No ar atmosférico, a concentração de oxigênio é de apenas 21%.   “Para fornecer oxigênio, a gente usa os mais diversos mecanismos, desde cateter nasal até a intubação. Cada um desses itens tem uma determinada concentração. Quanto mais invasivo o procedimento, maior a quantidade de oxigênio fornecido. O paciente intubado recebe até 100%, ou seja, respira completamente pelo oxigênio medicinal”, relata.    Leia mais: Ministério esperou 'colapso de oxigênio' para transferir pacientes com covid, diz servidora

White Martins diz que a demanda por oxigênio na Bahia aumentou 7% em maio

Principal fornecedora de oxigênio medicinal, a empresa White Martins afirmou, em nota, que a Bahia está tendo aumento médio de 7% no consumo de oxigênio. Segundo a empresa, esse crescimento se deu nas últimas duas semanas de maio em comparação com as duas últimas semanas de abril. Mesmo assim, a empresa alega que o fornecimento de oxigênio está sendo realizado com o objetivo de manter abastecidos todos os seus clientes medicinais da Bahia.    

“A empresa tem mantido constante contato com os seus clientes e autoridades de saúde locais sobre as variações de consumo de oxigênio. Nestas oportunidades, a empresa solicita que sejam comunicadas previamente as necessidades de acréscimo no fornecimento do produto bem como a previsão da demanda. Isso porque compete às instituições de saúde públicas e privadas sinalizar qualquer incremento real ou potencial de volume de gases às empresas fornecedoras”, disse a empresa. 

Ainda segundo a White Martins, são as autoridades de saúde que têm os dados que compõem o panorama epidemiológico da covid-19, como o índice e a velocidade de contágio da doença, o crescimento da taxa de ocupação de leitos, a abertura de novos leitos, a implantação de hospitais de campanha, a quantidade de pacientes atendidos, bem como a classificação dos casos.  

“A White Martins, como qualquer fornecedora deste insumo, não tem condições de fazer qualquer prognóstico acerca da evolução abrupta ou exponencial da demanda”, argumenta. 

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.