Ciente que é imortal há décadas, Gilberto Gil já encarou até bandidos armados

Com armas na cabeça, artista deu resposta atravessada após ladrão perguntar por cofre de casa: 'Vai procurar. Você não é o assaltante? Então, esse trabalho é seu'

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  • Da Redação

Publicado em 17 de abril de 2022 às 06:00

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Foto: Reprodução/Livro 'Gilberto Bem Perto' Gilberto Gil é o maior brasileiro vivo. Ocupa este cargo há quase 80 anos, e continuará guardando esse caixão eternamente, mesmo que a paz não invada o coração da Rússia e ela acabe com tudo. Num eventual apocalipse nuclear só vai sobrar Gil, o imortal, e as baratas, barato total.

No papel de fã nº 1 e jornalista que adora fazer o ‘número 2’ nesta coluna, trago uma denúncia sobre o status do highlander nagô: quatro décadas antes dele receber o título de Imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), obviedade só oficializada semana passada, Gil já sabia que não tinha prazo de validade.

A prova disso está no livro ‘Gilberto Bem Perto’ (Nova Fronteira, 2013), assinado pelo próprio artista e pela jornalista e escritora Regina Zappa. Veja bem: este texto tem como base um outro texto (do livro, no caso) aprovado-barra-(69)-assinado por Gil! Então, depois não venham dizer que eu inventei nada, tá ok ok ok? 

Bom, consta lá pelas tantas que em 1982 (portanto, há 40 aninhos, eu nem era nascido), o cantor, que estava recém-amasiado com Flora Gil, tinha ido morar com ela num sítio em Jacarepaguá, no Rio. 

Certa noite, Flora, uma amiga dela e o próprio Gil se emperequetavam para ir a um show de Ney Matogrosso, quando quatro assaltantes invadiram a residência. As moças se assustaram, mas o cantor e compositor permaneceu tranquilo. “Gil teve a mais inusitada reação”, antecipa o texto, para o qual abro agora longa aspa na parte da descrição do incidente:

“A televisão estava ligada e Flora estava no banho quando a casa foi invadida por quatro assaltantes, que apontaram uma arma para a cabeça de Gil e colocaram uma faca em seu pescoço. ‘Sai, sai, sai’, gritou um deles para Flora que estava debaixo do chuveiro. ‘Quero joia, relógio, dinheiro, senão vou matar vocês.’ Apavorada, Flora se sentou no sofá, ao lado de Gil e da amiga, e o homem berrou: ‘Cadê o cofre?’ Gil, do alto da sua tranquilidade, virou-se para ele e falou: ‘Vai procurar. Você não é o assaltante, não entrou na minha casa? Então, esse trabalho é seu’. Flora, em pânico, retrucou: ‘Não é isso, não, moço, ele está nervoso’”.

O desespero de Flora, ao tentar justificar a afrontosidade do boy – com arma na cuca e faca na nuca – é comovente, mas algo ignorante, afinal, ela não sabia da tal imortalidade do x-men do Tororó-barra-Ituaçu. Para se ter uma ideia, o livro destaca que havia realmente um cofre lá, mas estava quase vazio.“Tinha umas pulseiras, uns anéis, ele [ladrão] cismou que eram de ouro e eu confirmei. ‘Leva tudo’, disse. Nesse tempo a gente era duro. Fiquei traumatizada, maluca, vomitando tudo”, recorda Flora Gil, no trecho de ‘Gilberto Bem Perto’.Outras palavras Os ladrões, ao perceberem Gil impávido que nem Muhammad Ali (alô, Caê!), disseram um para o outro “vamos fugir, desse lugar, vamos fugir”, e vazaram.  Na capa do seu segundo disco, lançado em 1968 (há 54 anos), Gil já envergava o fardão da ABL. Só não vê quem não quer... (Foto: Reprodução)  E já que citei o mano (de Gil) Caetano, lembro de outra história envolvendo bandido invadindo residência, agora tendo o cantor e compositor de Santo Amaro como alvo. 

O caso foi desenterrado dia desses por meu amigo James Martins (também ele amigo de Caetano), e o cenário agora é a antiga residência do autor de ‘Leãozinho’, na Ondina.

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Em 26 de janeiro de 1990, um bandido munido de revólver e bomba adentrou a mansão (na atual Avenida Milton Santos), quando Caetano estava, e chegou a dar um tiro numa das portas. James lembra que, 15 dias antes do atentado, Caetano tinha feito críticas públicas ao então prefeito, o ex-radialista Fernando José.

“Na época o caso provocou rebuliço e ganhou os noticiários, é óbvio. Mas, hoje quase ninguém se lembra de que a casa onde Caetano Veloso morava com Paula Lavigne, ainda em Ondina, sofreu um atentado por coquetel molotov e tiros de revólver”, cita o poeta, e hoje também radialista na Metrópole. 

“Caetano, evidentemente, ficou assustado com o atentado. Ele disse à imprensa: ‘Se alguém queria me intimidar, conseguiu. Estou com muito medo, mas não deixarei de fazer as críticas que acho necessárias’”, menciona James. 

E mais do que certo estava Caetano, afinal, o tempo tempo tempo dele, infelizmente, um dia acaba; diferente de quem tem um tempo rei na barriga, escreve música chamada ‘Não tenho medo da morte’ (assim é fácil, né, tio), e que não se ilude, pois sabe que “tudo permanecerá do jeito que tem sido, transcorrendo, transformando, tempo e espaço navegando todos os sentidos”. Viva Gil!