Com aumento de fiéis após canonização, aumentam também os assaltos no Largo de Roma

Em todos os dez casos levantados, os criminosos estavam armados com faca

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  • Bruno Wendel

Publicado em 26 de novembro de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

Visitar o Santuário de Irmã Dulce nos finais de semana exige mais coragem do que fé. Em outubro, foram 22.040 visitantes - um movimento 50% maior do que o mês anterior e quatro vezes maior do que setembro de 2018. Isso trouxe um efeito indesejado: bandidos sequer respeitam a santa e vêm assaltando os romeiros que chegam de vários cantos do país, principalmente do interior do estado. Somente no feriadão da Proclamação da República, casos envolvendo dez vítimas foram relatados ao CORREIO – entre furtos e assalto a mão armada.

A reportagem ouviu o depoimento de funcionários das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), moradores e ambulantes. Todos relataram que os casos vêm acontecendo nos finais de semana e feriados, nas imediações do Largo de Roma, por dois motivos. O primeiro se dá pelo fato de a região estar deserta, pois não há funcionamento do comércio no entorno das Osid.

O segundo motivo é o fluxo maior de turistas. Desde a canonização, ônibus repletos de fiéis, a maioria idosos, passaram a chegar com mais frequência. Nos finais de semana e feriados, chegam a 50 ônibus, enquanto de segunda a sexta-feira a média é de dez ônibus. A suspeita é que os criminosos sejam usuários de crack que aproveitam a falta de segurança na região.

Em todos os casos, os bandidos atacaram armados com faca, em dupla ou em trio, quando as vítimas retornavam aos ônibus estacionados no Largo de Roma, a cerca de 100 metros do santuário. Fiéis no Santuário dedicado à Santa Dulce dos Pobres (Foto: Marina Silva) Um funcionário das Osid disse que quatro turistas de Aracaju foram vítimas de três rapazes. Eles estavam num grupo de 30 pessoas que visitaram o santuário no dia 15 de novembro, feriado da Proclamação da República. “Quando iam subir no ônibus para irem embora, foram surpreendidos por dois homens que estavam com facas e levaram os celulares”, contou ele.

Ainda segundo o funcionário, a maioria dos romeiros é daqui da Bahia, e os episódios mancham o trabalham da instituição e é um desrespeito à Santa Dulce dos Pobres, como agora é chamada Irmã Dulce. “As pessoas vêm para cá para saber mais da história da única santa brasileira e acabam sendo atacadas desta forma. Isso é uma falta de respeito aos fiéis que vêm de muito longe e à memória de Irmã Dulce. Isso nos preocupa muito. A chegada em massa dos cruzeiros em Salvador, por causa do verão, vai aumentar o número de turistas”, lembra ele.

O funcionário socorreu três pessoas que foram assaltadas por dois homens também no dia 15. No trajeto de retorno ao ônibus, as vítimas pararam para tirar foto da escultura de Irmã Dulce, erguida no Largo de Roma. “Assim que começaram a tirar as fotos, foram surpreendidos pelos ladrões”, contou.

Após o assalto, os criminosos correram para a praia, atrás do Hospital da Mulher. Um deles foi pego pela população. “Ele tomou muita porrada. Era muita gente em volta dele. Não sei qual fim deram, mas foram muitos socos e chutes”, detalhou.

No sábado (16), uma mulher teve o celular furtado quando tinha acabado de assistir a uma missa no santuário. “Um rapaz se ‘esbarrou’ nela. Somente quando entrou no ônibus, percebeu que o tombo na verdade foi a tática usada pelo rapaz para puxar o aparelho”, relatou outro funcionário das Osid.

Ainda de acordo com ele, no mesmo dia, uma mulher estava parada na entrada do ônibus ao mesmo tempo em que falava ao celular – ocasião em que o ladrão apareceu e tentou tomar o aparelho. “Ela não deu. Reagiu puxando o aparelho. Foi quando as pessoas viram e gritaram: ‘pega ladrão!’. Diante da situação, o rapaz fugiu sem levar nada. A polícia apareceu uma hora depois. É sempre assim”, relatou.

Missa antecipada Moradora do bairro de Roma, uma idosa de 79 anos disse que outros dois romeiros foram atacados pelos bandidos no sábado. “Eles tiveram os celulares levados quando deixavam a missa das 16h, a última do dia. E olha que, antes, a missa era às 17h. Isso há três anos. Mas, por conta dos assaltos, foi antecipada para as 16h e parece que não adiantou. Apesar do aumento do fluxo de pessoas por conta da canonização, a impressão que se tem é que o policiamento continua o mesmo de antes. Ou seja, já era precário e agora está pior”, declarou. Moradora do bairro de Roma diz que fica 'com pena' das pessoas atacadas (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Segundo ela, os assaltos são cometidos por usuários de drogas. “E não são poucos. De segunda a sexta-feira, eles não perturbam tanto assim. Mas é chegar o final de semana ou feriado que eles fazem a festa. Como não tem movimentação de lojas e outros estabelecimentos comerciais, somente o santuário funciona, para eles é um prato cheio. Chega a dar pena das pessoas atacadas. Vêm aqui em busca de fortalecimento da fé e saem pior do que chegaram”, disse a idosa.

“As pessoas que praticaram o roubo são as mesmas que, logo depois, estão consumindo droga nas praças, em frente aos estabelecimentos fechados, na praia. É um horror!”, completou a moradora.

Ambulantes da região chegam a orientar os romeiros e turistas quanto à insegurança no entorno do santuário. “Final de semana e feriado é ‘barril’. Eu mesmo digo aos meus clientes para não darem mole por aí, pra esconderem o celular, correntes, tudo que for de valor”, disse Antônio Jorge dos Santos, 58 anos, que vende correntes, pulseiras e fitas do Senhor do Bonfim no estacionamento do santuário.

Já Pedro Alan, 26, que vende camisas da santa, disse que muitos romeiros fazem sozinhos o percurso do estacionamento até o santuário. “Acabam se tornando alvos fáceis. O ladrão se faz também da oportunidade”, comentou.

O diretor presidente da Salvador Destination, Roberto Duran, se surpreendeu com a notícia dos assaltos. “Insegurança é ruim em qualquer circunstância. Mas não é essa a informação que temos. O que ouvimos é o contrário, que a região da península de Itapagipe, onde está o caminho da fé, está bem tranquila”, opina, “É preciso não só a segurança, mas também dar a sensação de segurança”, afirma.

Polícia orienta registrar os casos

Em nota, a Polícia Militar informou “por meio da 17ª CIPM [Companhia Independente], unidade responsável pelo policiamento da região, que não há denúncias e ocorrências de assaltos nessa localidade após a canonização da Santa Dulce dos Pobres, inclusive, a PM tem contato permanente com a vigilância do santuário”. 

A assessoria de comunicação da Polícia Civil informou que não tem registrado aumento no índice de assaltos na região e orienta que as vítimas compareçam à delegacia da área – a 3ª Delegacia (Bonfim) –, para registrar a ocorrência, pois a polícia depende desses dados para traçar a mancha criminal.A assessoria das Organizações Sociais Irmã Dulce (Osid) informou que não iria comentar porque se trata de uma questão de segurança no entorno.

* Colaborou Gabriel Amorim, com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier