Comissão analisa candidatos negros e pardos a 36 cursos da Ufba nessa quarta

Alunos são divididos em grupos e passam por análise do fenótipo

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  • Da Redação

Publicado em 30 de janeiro de 2019 às 12:24

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Para prevenir fraudes ao sistema de cotas e garantir que ninguém ocupe a vaga de quem, de fato, a mereça, uma comissão da Universidade Federal da Bahia (Ufba) já começou a trabalhar, nesta quarta-feira (30), na verificação presencial das autodeclarações de cerca de 1.900 candidatos a vagas por cotas destinadas a negros e pardos. 

Hoje, candidatos a 36 cursos comparecem ao Pavilhão de Aulas da Federação VI, ao lado da Faculdade de Arquitetura, na Rua Caetano Moura, na Federação, em Salvador. Amanhã, serão de 43 cursos, incluindo Medicina, um dos mais concorridos da instituição. O edital, disponível aqui, contém um quadro (anexo I), com o curso, o local, a data e o horário em que o aluno deverá comparecer à verificação.  Fila de candidatos aguardam na manhã desta quarta (30) no PAF VI, na Federação (Foto: Marina Silva/CORREIO) De acordo com a pró-reitora de ações afirmativas e assistência estudantil da Ufba, Cássia Virgínia Maciel, a comissão é de caráter sigiloso até o final de todo o procedimento, quando vai ser definido, de acordo com o fenótipo, se o estudante é mesmo negro. São 30 servidores da Ufba, UFRB e Ifba que integram a comissão.

A medida da verificação de autodeclaração foi tomada pela Ufba e por outras universidades também a partir dos casos de fraude ao sistema de cotas.

Em agosto de 2017, a universidade abriu investigação, após notificação do Ministério Público Federal (MPF), sobre 25 alunos que teriam ingressado irregularmente na universidade por meio das cotas.

Ao CORREIO, o MPF afirmou que a investigação ainda está em curso. Questionada sobre o assunto, a assessoria de comunicação da Ufba se limitou a informar que "a partir de denúncias que chegaram à Ufba a Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil constituiu comissões internas de investigação". A instituição não diz o que ocorreu - ou ocorrerá - aos 25 alunos. 

O trabalho da comissão A comissão analisa o fenótipo do estudante, que vai ser filmado e fotografado, e passará por procedimentos que permitem documentar e servir de instrumentos para recursos.

O procedimento, que antes só era aplicado no concurso para técnico-administrativo, serve para comprovar a veracidade da informação fornecida pelo candidato no momento da inscrição. 

A assessora técnica da Secretaria de Promoção da Igualdade (Sepromi), Gabriele Vieira, destacou que a fiscalização dos candidatos que usam de cotas para ingressar em concursos foi resultado de uma recomendação do Ministério Público e que ela não está restrita apenas à universidades, mas também concursos públicos. O processo é chamado de heteroidentificação.“A autodeclaração é importante, válida, mas não é suficiente para evitar casos de fraudes. Estudos avançados indicam que a comissão deva ter membros da sociedade civil, membros da própria entidade, além de especialistas das relações étnico-raciais para evitar que tenha erros. A comissão de pessoas, por si só, não garante direitos. Deve ser avaliado também fotos e outros elementos”, sustentou Gabriele.A assessora explica que o ideal é uma entrevista presencial dando ao candidato uma oportunidade de falar sobre ele, como ele se enxerga nessas relações étnico-raciais.

“Isso dá uma segurança jurídica maior. Nós não temos segurança de que isso poderia dar em outros problemas, mas acredito que o método seja eficaz para evitar a fraude. Só de saber que passará por essa comissão, muitos candidatos já desistiram de praticar a fraude”, sustentou. Discrepância de informações Além da reserva de vagas para estudantes negros e pardos, a Ufba também tem cotas destinadas a deficientes, quilombolas, estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas, pessoas de baixa renda, indígenas, pessoas trans (transexuais, transgêneros e travestis) e imigrantes ou refugiados em situação de vulnerabilidade.

A pró-reitora de ações afirmativas e assistência estudantil da Ufba, Cássia Maciel, afirmou que, no total, 50% das vagas são destinadas ao público cotista e que não é possível afirmar a porcentagem específica para cada categoria. Ainda segundo ela, a única divisão que não tinha comprovação e verificação mais cuidadosa era a de pessoas que se autodeclaravam negras.“A gente tem como comprovar a declaração dos demais candidatos por meio de documentos. Mas, quanto aos negros, a gente confiava no que eles colocavam no momento do preenchimento da inscrição. Muitas vezes, havia discrepância nas informações e as vagas acabavam indo para que não as merecia”, disse Cássia.O presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal da Bahia (DCE-Ufba), José Neto, afirmou que a comissão de observação fará uma leitura social do indivíduo a partir da identidade racial. “Essa comissão faz um processo de observação sobre o indivíduo que está solicitando entrada, uma leitura social para saber se há a real necessidade de que ele entre a partir das cotas raciais, para fiscalizar aqueles que usam de má-fé”, opinou Neto, destacando que o DCE acompanha e fiscaliza a situação das cotas na universidade.Neto ainda destacou que o processo de construção de cotas raciais existem para realizar uma reparação histórica social do Brasil a partir da opressão da população negra. “É um processo de pensar o acesso de populações que historicamente foram excluídas deste espaço de estudo e de poder, foram criminalizadas por sua raça e etnia. A comissão é formulada através de pesquisadores, professores e intelectuais negros”, disse.

Críticas Os nomes dos integrantes da comissão são mantidos em sigilo até a divulgação dos resultados. “A comissão deveria ser transparente e respeitar o princípio da legalidade, além de ter a participação da comunidade acadêmica na escolha dos membros”, criticou o estudante do 8º semestre de Direito, Alex Vasquez, 30 anos.“A gente deveria saber antes quem faz parte dessa comissão, por que, imagina se algum candidato tem parentesco ou qualquer outra relação com um dos jurados? Isso não pode acontecer. A comunidade acadêmica deveria acompanhar tudo de perto”, disse.O aluno da Ufba também destacou que a adoção da comissão pela universidade é tardia e “retardatária”, atrás de muitas outras instituições de ensino do país, que já verificam a autodeclaração há mais de cinco anos. 

O estudante de Direito afirmou, ainda, que, mesmo após dois anos, a adoção da comissão verificadora na Ufba é uma vitória que pertence à comunidade acadêmica, professores, alunos, funcionários.“A Ufba, uma instituição situada no estado onde vive a maior quantidade de pessoas negras é justamente a que saiu retardatária na implementação da comissão. Porém, essa é uma vitória do movimento estudantil e não da administração da universidade”, disse o aluno. Alex ainda ressaltou que a política de cotas existe desde 2004 na Ufba e essa postura, apesar de tardia, pode dificultar novas fraudes.O CORREIO entrou em contato com a Ufba para repercutir as críticas apresentadas pelos alunos, mas não obteve respostas sobre os questionamentos.  

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier