Cordeiros de Deus: Imagem do Senhor do Bonfim foi levada por bloco de guardiões

O grupo chamado de Guardiões da Imagem contou com força e fé para chegar até o fim do percurso

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 16 de janeiro de 2020 às 22:52

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Os trios elétricos podem até ter sido proibidos no cortejo da Lavagem do Bonfim, mas a inovação estética deste ano soou como Carnaval. O transporte da imagem do Senhor do Bonfim incorporou dois elementos da folia: o carro alegórico e a corda. 

Para celebrar os 275 anos da chegada da imagem a Salvador, ao invés de ir nos ombros dos fiéis, o andor com o Senhor do Bonfim foi conduzido sobre quatro rodas. Responsáveis por proteger a imagem durante o percurso, 50 integrantes do grupo Guardiões da Imagem assumiram o papel de cordeiros.

Para a aposentada Ana Lúcia Rebouças, 68 anos, que ‘colou na corda’ do Bonfim, o carro alegórico foi uma novidade interessante no evento. Mas, ela esperava que a imagem ficasse mais alta, para dar mais visibilidade durante o cortejo.“É emoção pura!”, riu ela, enquanto tentava enlarguecer o envoltório ao redor do veículo, encurralado por fiéis.Nesta edição, a imagem peregrina ficou no interior de uma alegoria de caravela, criada pelo artista Zaca Oliveira para relembrar o modo como a imagem chegou à capital baiana, em 1745, trazida pelo militar português Theodósio Rodrigues, que queria agradecer por ter sobrevivido a uma tempestade no oceano. Ana Lúcia foi devoção dobrada: Senhor do Bonfim e Santa Dulce (Foto: Marina Silva/CORREIO) A intervenção divina também é motivo de gratidão para a aposentada Rosenilda Ramos dos Santos, 67, que foi livrada de complicações num acidente que poderia ter sido grave. “Eu fui lançada contra um ônibus e não tive nada, sabe o que é nada? Os médicos fizeram exames para ver se eu tive algum trauma e zero, não quebrei nenhum osso. Tem coisas que só Jesus pode ser a explicação”, afirma. 

Para pagar por essa graça do Senhor, Rosenilda se voluntariou para levar o andor nos ombros na festa passada e assegura que, para quem tem pelo que agradecer, não é difícil levar a estrutura, que dirá uma corda.“Minha filha, os homens que costumam levar o andor no cortejo dizem que mulher não tem força para ir até o fim. Pois eu fui, tô aqui de novo e, se precisar, com a minha fé. eu seguro até um leão”, disse a destemida.No centro do 'bloco' guiado pelos Guardiões, só entrava quem tinha o abadá, digo, a camisa personalizada do grupo. Mas, quem sorrisse bem e tivesse uma amizadezinha lá dentro, conseguia entrar, bater sua fotinho ao lado do santo e sair em seguida. No percurso, parte dos protetores da imagem tinha um papel chave: em cada lateral do carro, havia uma equipe que ficava com tecidos de cor azul simbolizando as ondas do mar levando a caravela. Voluntária nesse papel, Regina Martins, 61, resume o prazer de estar ali. “É uma honra poder levar o guardião dos guardiões”, disse.

O condutor Agora imagine a honra máxima. Era essa a sensação de Luiz Araújo dos Santos, 55, eleito para ser o motorista do carro alegórico do Bonfim. Há mais de dez anos, ele dirige na festa, mas nunca nesse posto. Nos anos anteriores, Luiz conduzia um carro de som que, aliás, é o mesmo usado nesta edição, só que agora decorado e transformado em andor. O veículo pertence ao patrão, membro da Devoção ao Senhor do Bonfim.  (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Trabalhar nessa festa é um convite que eu fico esperando todo o ano, mas ser escolhido para isso foi uma surpresa”, conta ele, que diz ter amor à profissão, iniciada há 23 anos. Só que entre levar o som e o santo, há uma grande diferença técnica. Para o motorista, o assédio à imagem dificulta mais o trabalho porque precisa de mais cuidado no 'freia-para-segue', para não machucar ninguém.

Com sensação térmica de 38ºC, o clima era intenso por volta das 11h, quando a pequena Maria Luiza, 9, pediu carona a Luiz. Sentada ao lado dele na caminhonete, Malu fez cara de patroa e jogou beijo para a madrinha.Do alto de sua cabine, Malu disse ao CORREIO: “Já vim duas vezes, mas essa está sendo mais legal porque estou passeando”. A madrinha dela, Carla Marcela da Guia, 36, diz que a garota é estudante de colégio católico e já está na catequese. “Graças a Deus, estou ajudando ela a trilhar o caminho do Senhor do Bonfim da melhor maneira possível”. Deu para ver, né? Olha a pose! (Foto: Hilza Cordeiro/CORREIO) Camarote No trajeto, uma família chamou a atenção da reportagem por ter 'camarotizado' o desnível da avenida. Uma das espectadoras do clã, Jodália Souza, 67, conta que todos os anos, a turma sai de casa com cadeiras nas costas e chega ao local por volta das 3h para garantir o lugar. A largada da festa, em geral, é às 7h. “Antigamente, eu ia no meio do povão, mas não via tudo e já não aguento tanto. Hoje, a gente traz cadeira, comida, água, menino”, brinca. 

De lá, a galera dela garante que consegue ver tudo: os corredores, as baianas, os políticos e, por último, os bêbados. Jodália pede para nem dizer em que ponto fica o camarote, para não gerar concorrência. Da direita para a esquerda, Jodália, sentada, de branco, assistindo a tudo (Foto: Marina Silva/CORREIO) Nessa história, a corda do bloquinho já tinha partido bem umas seis vezes por força do povo, que acompanhava na pipoca a passagem do andor. Na inexperiência de guiar um cortejo com corda, os guardiões se esforçavam de frente a fundo para fazer com que a imagem chegasse cedo à Basílica do Bonfim. 

No meio da muvuca que se forma no final do percurso, o carro alegórico tentava subir com a imagem santa. Mas, o pessoal não dava passagem e a embreagem do veículo já fedia. Era preciso fazer chegar o Senhor do Bonfim para iniciar a tradicional lavagem das escadarias. “Esse ano, por ser jubilar, nós procuramos fazer uma caminhada mais espiritual e tivemos a ideia de colocar a imagem no meio do povo. A imagem do Senhor tranquiliza, transmite paz, afinal é a imagem de Jesus Cristo, que atraiu fiéis no passado e continua atraindo até hoje”, explicou o padre Edson Menezes, responsável pela Basílica.