Cresce uso de transporte por aplicativo na periferia de Salvador, diz pesquisa

Estudo registra ainda a queda no uso do recurso por quem aderiu ao home office

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 19 de agosto de 2020 às 05:44

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/Arquivo CORREIO

A trabalhadora doméstica Zenildes Lima, 50, aboliu o uso do transporte público durante a pandemia. Ela não precisa mais ir para a casa dos patrões e, quando tem que sair de casa, no Doron, opta pelo transporte por aplicativo. “No mínimo, estou gastando mais do que R$ 50 nesse serviço, por mês. Antes usava muito menos os aplicativos do que agora”, conta.   

Zenildes não está sozinha: 60% dos usuários de transporte por aplicativo que vivem na periferia de Salvador usam o serviço com mais frequência durante a pandemia. A constatação é da pesquisa ‘Como as Periferias se Reconectam com a Cidade’, realizada no final de julho, pela 99, empresa de tecnologia ligada à mobilidade urbana.  

O estudo investigou o assunto durante a crise de saúde pública nos bairros periféricos de seis capitais brasileiras e identificou mudanças de comportamento entre os passageiros. Em Salvador, foram entrevistados usuários de aplicativos em Cajazeiras, Liberdade e São Caetano.  

Para a diretora de comunicação da 99, Pâmela Vaiano, o resultado é um reflexo de que os passageiros veem segurança no transporte por aplicativo. “De forma geral, no início da pandemia, em meados de março, vimos a demanda pelo nosso serviço diminuir, mas em algumas áreas específicas, ela se manteve, principalmente nas áreas periféricas. Em Salvador, as pessoas têm buscado um transporte individual mais seguro para fugir das aglomerações”, diz. 

Já o presidente do sindicato dos motoristas de aplicativo, Átila Santana, argumenta que, nas áreas mais periféricas, as pessoas não cumpriram tanto o isolamento social e saíram mais de casa do que nos outros locais. “As regras de distanciamento social são menos respeitadas. Também há menos fiscalização por parte do poder público. Tem mais bares abertos, por exemplo. Essas pessoas têm usado o aplicativo para fazer viagens curtas, entre o próprio bairro ou região”.  

 ‘Buzu cheio’

Essa realidade é vivida por Bárbara Trindade, 46 anos, líder comunitária no bairro de Cajazeiras, um dos locais onde a pesquisa passou. “No meu condomínio, a maioria vai de app. Percebo que são pessoas que circulam dentro da própria Cajazeiras. Os ‘buzus’ estão muito cheios. É muita gente na rua sem máscara e no ônibus também. Motorista e cobrador ficam acuados, eles não têm força para intervir. No aplicativo, há esse controle”, disse.  

Procurada, a Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob) informou que não possui dados sobre aumento ou redução de transporte por aplicativos na cidade. Sobre a situação dos ônibus, a pasta disse, em nota, que "desde que o Decreto Municipal determinou o acesso ao transporte público, somente com a utilização de máscaras, a Semob, imediatamente orientou as empresas para que os passageiros só tivessem acesso aos ônibus, mediante uso de máscara".

A Semob também ressaltou que são realizadas blitzes em diversos pontos da cidade e também nas estações para coibir o acesso no transporte sem a utilização do EPI. "Campanhas foram veiculadas em diversos meios de comunicação alertando a população que faz uso do transporte sobre o uso da máscara, e, também, vale destacar, que mais 70 mil máscaras foram distribuídas para usuários de transporte", completa a nota.

Outro lado   

Ao mesmo tempo que o consumo de transportes por aplicativo aumentou na pandemia, houve redução entre a parcela mais rica da cidade. Entre fevereiro e agosto de 2020, as corridas feitas pela parcela mais rica caiu em 44%, o que pode ser explicado, para a 99, pela possibilidade das pessoas com maior poder aquisitivo poderem aderir ao home office.  

O técnico em logística Paulo Franco, 34 anos, é um exemplo disso. Ele está economizando R$ 200 por não usar o serviço. “Essa economia não é só pela questão do trabalho, mas também pelo que fazia no final de semana. Antes da pandemia, eu tinha compromissos que precisava ir de transporte por aplicativo. Agora, ficando mais em casa, não há mais esse gasto”, disse o rapaz, que mora no Cabula VI.  

A operadora de caixa e estudante de psicologia Franciele Luz, 21 anos, está economizando mais ainda do que Paulo. No total, são R$ 350 poupados pela jovem. “Antes, eu pegava Uber todos os dias de manhã, para ir da minha casa, na Vila Laura, até a faculdade e de noite, para voltar do trabalho, no Velho Espanha, até minha casa. Agora, como as aulas estão sendo online e como teve a reabertura dos bares, eu só pego uma vez por dia. Ainda assim, é uma economia muito boa”, disse.  

Mesmo diante do aumento da utilização dos apps no dia a dia, os deslocamentos para o trabalho na capital baiana ainda são realizados majoritariamente por meio de transporte público, ônibus (42%) e de trem/metrô (15%). Os carros por app respondem por 33% do uso, segundo o estudo da 99.  

Novos produtos

Para estimular o uso e fidelizar os clientes conquistados nesse período, a empresa, que já tem um perfil de clientes que vivem na periferia, criou novas categorias. Entre elas, o 99Poupa é a opção para viagens com preços até 30% mais baratas para os passageiros nos horários de menor demanda. “O Poupa, a gente lançou especificamente por causa da pandemia e pretendemos continuá-lo. O nosso desafio é tornar o serviço o mais acessível possível para essa população”, afirmou Pâmela Vaiano.  

A também empregada doméstica Lindinalva Luz, 39 anos, é usuária de 99 e tem consumido mais o serviço nesse período. “Não é para ir para a casa dos meus patrões, pois eu faço o percurso andando. Mas, quando preciso ir pra casa dos filhos, eu uso o 99. Peguei várias vezes para ir ao hospital visitar minha filha, que estava internada. Só teve uma vez que o dinheiro acabou e tive que ir de ônibus”, lembrou Luz, que afirma gastar mais do que R$ 100 por mês com o serviço na pandemia.  

A secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia (Sindoméstico), Milca Martins, afirmou que embora haja casos de patrões pagarem o transporte por aplicativo das empregadas ou irem buscar e levar em casa, de carro, a maioria tem tido que usar o transporte público. “E se não forem trabalhar é capaz de perder o emprego, principalmente as diaristas. As mensalistas que têm mais esse benefício”, afirmou.  

Outros números 

A pesquisa Como as Periferias se Reconectam com a Cidade identificou também outros dados. No total, o aumento das viagens realizadas pelo quartil mais pobre da cidade de Salvador foi de 9%. Dos entrevistados, 57% disseram usar os carros para fazer compras essenciais, como mercado e farmácia. Os aplicativos também são uma das opções mais usadas por aqueles que precisam realizar consultas e atendimentos em hospitais e em dentistas (63%). 

Somado a isso, 83% dos respondentes das periferias de Salvador sofreram impactos econômicos significativos em suas finanças e afirmam que passaram a viver mais o próprio bairro, comprando e realizando serviços perto de casa, durante a pandemia. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em maio, a Bahia foi o estado que registrou a maior taxa de desocupação do País no primeiro trimestre deste ano (18,7%). 

Para garantir a segurança dos motoristas e passageiros, a diretora de comunicação da 99 destacou algumas ações: “Logo em março, quando as coisas se agravaram, trabalhamos com muita urgência para distribuir 550 mil máscaras e álcool em gel. Só que estudamos outras alternativas além dos equipamentos de proteção. Criamos os postos de limpeza e sanitização dos carros e uma campanha de educação para motoristas e passageiros saberem como atuar”, afirmou Pâmela. 

Em Salvador, o posto de sanitização fica no Shopping Paralela. Ainda segundo Pâmela, a 99 fechou uma parceria com o Hospital Sírio Libanês “para entender o que mais pode ser feito. Já criamos um fundo de R$ 20 milhões para dar apoio aos motoristas que precisassem ficar de quarentena ou que for diagnosticado com a covid-19, por exemplo”, disse.   

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*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro