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Paulo Leandro
Publicado em 29 de julho de 2020 às 12:24
- Atualizado há um ano
Há coisa de cinco séculos, mais ou menos, um limpador de lentes, morador de Amsterdam, mas de origem judia portuguesa, definia a alegria como aumento na potência de ser, enquanto a tristeza, ao contrário, nos aproximava da morte, reduzindo nossa sensação de força.
É fácil de verificar no fútil-ball quando nosso time não mais consegue vencer e somos tomados pela tristeza só de lembrar de seus gestores ou jogadores incapazes. Já os momentos de alegria ocorrem com inegável intensidade quando vencemos os coirmãos ou ganhamos títulos.
A alegria ocorre também em presentes inesperados da vida, como ocorre no encontro com um ídolo. Como diria o companheiro, “graças ao coronavírus”, tive uma destas imensas alegrias, possibilitadas pelo isolamento da pandemia, pois o distanciamento nos leva a usar mais a net.
A história é a seguinte: quando fazia a antiga sétima série do primeiro grau no Liceu Salesiano do Salvador, nos idos de 1977, minha inclinação para a liderança moveu a alegria de reunir os colegas para formarmos um time no campeonato do colégio, ao qual demos o nome de América.
Era uma cópia fiel do América do Rio, no qual despontava o zagueiro Alex, tomado como referência pelo capitão e jogador camisa número 3 daquele time vermelho, vice-campeão salesiano, comigo junto a Roque José Fráguas de Souza, Paulo César Dórea Barbosa, Manoel, Jairo Mariotti, Marco Antônio, Alexandre César Freire Lima e tantos outros cuja relação foi-se numa folha de papel, acrescentado ao lixo, em um acidente recente, ao limpar a casa, fóbico de coronavírus, armado de frascos de q-boa.
Pois post vai, post vem, no Facebook, e eis o encontro mágico da criança Alex de 1977 (eu) com o Alex mesmo, o original, meu novo amigo: Alexandre Kamianecky, de quem ganhei o livro sobre sua vida, com dedicatória e tudo.
Naqueles difíceis anos 1970, o menino P.L. (o Alex criança) enfrentava graves adversidades para impor-se como pequeno torcedor rubro-negro baiano, daí tomar de empréstimo ao futebol do Rio, o Clube de Regatas do Flamengo, também vermelho e preto.
Por algum motivo, no entanto, aquele América também o encantava, e formando na zaga americana, o número 3, porque jogava sempre na bola, organizava a defesa e, como capitão, passava firmeza para todo o timaço de Orlando, Badeco, Edu, Bráulio, Luizinho e tantos e tantos outros.
O América não era muito de ganhar títulos – como o nosso Vitória daquele tempo -, no entanto, o enigma colocava-se justamente nesta condição, pois mesmo sem levantar taças, tinha um monte de craques jogando juntos, onde a bola corria ou parava, tinha a presença de um artista.
Alex jamais foi expulso. E era zagueiro. Difícil escrever mais alguma coisa. Ganhou o Prêmio Belfort Duarte, concedido ao jogador cuja disciplina o mantinha por dez anos protegido de levar cartão vermelho.
Hoje, ao ler Alex Coração Americano – o campeão do jogo limpo, escrito por Silvio Köhler, verifiquei mais uma vez, agora como educador, a evidência de como é importante utilizar a escola do futebol para transmitir valores morais no Brasil.
A importância de Alex, na formação de milhares de pessoas, ele nem imagina, pois assim como aquele franzino menino do Salesiano, camisa número 3 do América, muitos e muitos devem fazer até hoje suas escolhas na vida com base na virtude do respeito ao outro, na coragem, como meio-termo entre a covardia e a valentia; no conhecimento; na justiça; e principalmente, na moderação, a irmã-gêmea da prudência, duas filhas do equilíbrio.
Alex não foi só um zagueiro tricampeão do mundo – chamado por Zagallo na lista dos 40 convocados ao México em 1970. É também um grande professor, um phD em convívio, na disputa saudável pelo espaço no campo da vida.
A pandemia tem destas coisas, e “graças ao coronavírus”, pude ter a alegria de tornar-me amigo, 43 anos depois, do zagueiro para quem Alex é referência até o final desta aventura terrestre, por sua capacidade de jogar tão bem, e sempre na bola, sem deslealdade, ao lado de tantos craques do querido América Futebol Clube.
Ah, e para lembrarmos a origem da amizade, muito antes do Facebook, deixo aqui o link para quem quiser ler o texto de Cícero, no século 1 d.C., fundador deste elo capaz de produzir a união entre as pessoas, mesmo separadas por 3 mil quilômetros, distância aproximada da Salvador onde moro para a Canoas (Rio Grande do Sul), endereço do grande craque do jogo limpo:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000021.pdf
Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade.