Das urnas pro WhatsApp: discussões políticas provocam 'rachas' familiares

Eleições polarizadas dividem até os mais próximos; app virou palco dos embates

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 6 de outubro de 2018 às 04:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Saíram as imagens de “bom dia” com fotos de flores e crianças. Entraram textos engajados e cards sobre candidatos políticos. Nas últimas semanas, o grupo da família no WhatsApp ficou caótico. Se o Brasil está polarizado com a proximidade das eleições, a realidade das famílias baianas não ia ser diferente.

Foi assim na casa dos irmãos Rafaela e Rodrigo; aconteceu parecido com os primos Ana Paula e Ricardo; foi tão intenso na de André que ele criou até uma ‘lei do silêncio’ própria e decidiu que não vai mais falar nada até o fim das eleições.

O problema da polarização, para cientista políticos, é quando um grupo consegue impor a um amplo raio de pessoas a sensação de que são os donos da verdade. Com o uso das redes sociais, a chance de que isso influencie o resultado das eleições é alto.

Essa semana, no  ‘Fronteiras do Pensamento’, em São Paulo, o historiador escocês Niall Ferguson foi além: para ele, as redes polarizam tanto o debate que levam a sociedade a um estado de ‘incivilidade’.

“As redes estão polarizando a sociedade, produzindo visões extremistas e ‘fake news’. Essa empresas não estão nem aí com a saúde da sociedade civil. O efeito disso tudo é muito mais tóxico do que percebemos”, criticou.

Efeito Um dos efeitos da polarização  no grupo da família da estudante de Biologia Rafaela Oliveira, 23 anos, foi o silêncio. Ele veio depois de muita discussão. De repente, um assunto que não era tão frequente se tornou o principal. Rafaela e o irmão, o vendedor e instalador de som automotivo Rodrigo Oliveira, 25, se tornaram alguns dos expoentes da divisão.

Ela, de um lado, se posiciona contra o candidato dele, Jair Bolsonaro (PSL). Ele, contrário ao Partido dos Trabalhadores (PT), cujo candidato à Presidência é Fernando Haddad, faz de tudo para convencer mais pessoas a votar no presidenciável que apoia. De cada lado, alguns representantes da família. No centro, os indecisos.

Rafaela acredita que sua visão é influenciada pelas experiências que teve – e vice-versa. Ela saiu de Senhor do Bonfim, no Centro-Norte da Bahia, e foi morar em Petrolina (PE) para estudar na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).“Meu irmão e meu pai são de cidade pequena, família tradicional, têm uma cabeça mais fechada. Eu tenho a cabeça mais aberta e, na faculdade, tem todo tipo de conversa sobre diversidade”, explica Rafaela.Rodrigo, por outro lado, conta que passou a enxergar a política pela própria experiência local. Como aluga os chamados ‘paredões de som’, é comum que políticos locais procurem seus serviços – e a maioria é de direita.“Descobri o candidato em 2016, pela televisão, mas decidi votar esse ano. Falam que ele é contra gay. Ele não é contra gay, mas ninguém é obrigado. Eu não sou obrigado a gostar de gay, sou obrigado a respeitar”, pontua Rodrigo.De uns 20 dias para cá, porém, Rafaela diz que as coisas ficaram ‘insuportáveis’. “Quando começam a falar muita mentira, invenção, eu me sinto na obrigação de provar que não está acontecendo aquilo. É muita fake news de todos os lados”, diz. Ricardo e Ana Paula: embate por conta de política nas redes já fez primo sair do grupo da família no WhatApp (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Encontro Desde a última discussão, essa semana, em que ‘todo mundo brigou’, o grupo está calado. Ninguém fala mais nada – nem bom dia. “Pode ser que a relação fique um pouco mais distante. Estou estressada, mas ainda vou tentar convencer mais alguma pessoa. Mesmo que a pessoa não deixe de votar, quero que pelo menos tente entender o que eu estou dizendo”, afirma Rafaela.Já o irmão diz estar mais tranquilo. Ele afirma que o clima está normal e que, pessoalmente, não deve ter problemas. “A gente fica pirraçando, mandando uns memes, mas acho que ninguém nunca se chateou. Cada um tem sua opinião, mas ninguém briga”, diz Rodrigo.

Em entrevista ao G1, o psicanalista e mestre em Filosofia pela USP Pedro de Santi ajuda a lidar com a situação: entre as dicas está insistir na tolerância, sair antes de partir para a agressão e pensar no dia seguinte.

Não adiantou proibir A empresária Ana Paula Cabral, 41 anos, e o também empresário Ricardo Bittencourt, 42, concordam que é no Whatsapp que as discussões costumam acontecer. Para os dois primos, é como se o app levasse as coisas a outra dimensão.

Foi justamente a escolha do candidato de Ricardo, que vai votar na direita, que causou indignação em Ana Paula e em outro primo. Defensora do movimento feminista e pelos direitos das minorias, ela acredita que a escolha é contrária às suas lutas. Decidida por Ciro Gomes (PDT), ela conta que cresceu indo a manifestações dos Caras-Pintadas.

Desde o começo da Operação Lava-Jato até a prisão do ex-presidente Lula (PT), em abril, porém, as discussões de política chegaram à família. Quando perceberam que as posições eram diferentes, a política foi limada das conversas e proibidas no grupo. Vez ou outra, alguém soltava uma piada, mas ela e o outro primo, que mora em Maceió (AL), ficavam calados.“Até que um dia, começou uma enxurrada de vídeos, mensagens, fake news. Na terça-feira, o primo de Maceió saiu do grupo e eu fiquei sozinha nas discussões”, conta Ana Paula.‘Saí do grupo’ E olha que o primo de Maceió não foi o único. Nos últimos quatro dias, pelo menos 360 postagens foram feitas no Twitter com a seguinte frase: ‘Saí do grupo da família’. E os motivos são os mesmos: divergências políticas. Só entre o início da manhã e a noite desta sexta-feira (5) foram 120.

Segundo Ricardo, foi o próprio primo de Maceió que fez as críticas mais duras.“Ele disse que a gente ia lembrar dele caso tivesse tortura e eu não consigo ler isso e ficar para mim. Mas é uma democracia, pô. Você pensa de um jeito, outra pessoa pensa diferente”, lembra Ricardo.Para Ana Paula, o futuro das reuniões de família é uma incógnita. Não dá para saber se, quando estiverem todos juntos, o clima vai ficar tenso. Já Ricardo tem certeza de que não vai criar inimizade. 

Para evitar aborrecimentos, o geólogo André Lyrio, 31, decidiu não se manifestar mais no grupo da própria família. “Me desgasta, sabe? Pensei em sair, mas resolvi ficar silencioso, porque acho que vou ganhar mais do que ficar enxugando gelo”. Nenhum dos familiares de André que tem posicionamento diferente do dele quis falar com o CORREIO.