'De repente, vazio': trabalhadores contam sobre as mudanças no aeroporto  

Quarentena no país afugentou o público e derrubou o número de voos

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  • Gil Santos

Publicado em 15 de abril de 2020 às 05:20

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/ CORREIO

Toda semana a baiana de acarajé Ivone Gomes, 46 anos, prepara 30 quilos de massa e deixa à mão para atender os clientes que passam pelo aeroporto de Salvador. Nesta terça-feira (14), ela deu um suspiro antes de colar a etiqueta e guardar o produto. No papel estava escrito à caneta vermelha: 3 kg. É que desde que a pandemia começou, há um mês, o movimento caiu 90% e já não há clientes para tantos bolinhos. Lojas fechadas na área de desembarque (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Ivone contou que a queda foi abrupta. De repente, o dia 9 de março amanheceu com redução no número de voos e à medida que as aeronaves foram se tornando cada vez mais raras no céu de Salvador, a clientela de Ivone também foi diminuindo. O quiosque dela fica em frente ao terminal de desembarque e costuma ser um point procurando durante o dia, mas nesta terça estava sem nenhum freguês.“O negócio é de família. São seis pessoas trabalhando aqui, mas tivemos que dispensar quatro porque o movimento caiu muito e também por uma questão de saúde, uma das pessoas tem asma e outra tem diabetes. Comecei com seis anos, acompanhando minha mãe que também era baiana de acarajé. Em 40 anos nunca vi nada parecido”, afirmou.Ela estava se referido à queda no movimento de pessoas no aeroporto, o que já pode ser percebido logo depois de cruzar o bambuzal. O movimento de ônibus do lado direito da pista desapareceu e deu lugar a um canteiro vazio. Do lado esquerdo, trabalhadores aproveitaram a ausências das aeronaves para aparar a grama e fazer reparos. Estacionamento tinha apenas dois táxis (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Passageiros sumiram Próximo da área de embarque, o estacionamento dos taxistas tinha apenas dois veículos parados na manhã desta terça, onde há mais de 20 vagas. José Ailton França, 55, contou que a última corrida que ele fez foi na madrugada de domingo para segunda-feira (13/4). Ele tem 38 anos de praça, os últimos 22 deles trabalhando no aeroporto, e está preocupado.

“Um passageiro desembarcou e seguiu para Ipirá, no interior. Depois disso, não tive mais nenhuma corrida. Cheguei ao aeroporto às 16h30 de ontem (segunda-feira) e até agora (11h de terça) não peguei uma corrida. As companhias áreas reduziram os voos, são apenas três por dia, então, está cada vez mais difícil. Saí de casa apenas para aventurar, vê se consigo alguma corrida, mas está complicado”, afirmou. José está levando 36h para fazer uma corrida (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) José Ailton lembrou que em dias normais costuma fazer três ou quatro corridas, mas que isso não está acontecendo há um mês. “É daqui que tiro o dinheiro para pagar o Fies da minha filha. A cobrança, inclusive, já chegou. Já pensei em ir para outro ponto, mas para onde? Rodoviária, shoppings, praias, restaurante, está tudo fechado”, disse.

Atrás dele, a pista de desembarque que antes dava trabalho de atravessar devido à quantidade de táxis e carros por aplicativo que chegavam e partiam a todo instante, agora, é possível jogar uma partida de futebol sem ser incomodado. O ronco dos motores das aeronaves foi substituído pela voz de um cantor sertanejo que esbravejava em uma caixa de som ali por perto. Do lado de dentro do aeroporto, o cenário não é menos desolador.

Embarque e desembarque sem carros nem tumulto (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Do lado de dentro Desde o dia 1º de abril o embarque passou a funcionar no andar térreo, onde antes acontecia apenas o desembarque. Os restaurantes foram fechados por conta do decreto municipal que proíbe aglomerações nesses espaços, e as empresas de turismo e serviços que funcionam no prédio também baixaram as portas. O local parece a casa de alguém que está de mudança. Apenas a lotérica provocava movimento, uma fila que começava dentro do terminal, atravessava a porta e seguia mais uns 50 metros pela calçada. Painel marca três partidas e quatro chegadas para todo o dia (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) O painel anunciava a partida de três voos nesta terça, todos para São Paulo, sendo dois para Guarulhos e um para Campinas. Outras três aeronaves estavam para chegar. As duas primeiras vinham de Guarulhos, às 13h45, o voo da Gol, e às 14h25, o da Latam.  Já às 16h45 chegariam os passageiros vindos de Campinas, e às 19h40, os de Recife (PE). Esses dois últimos da Azul Linhas Aéreas.

Segundo a Vinci Airports, concessionária que administra o aeroporto, em 2019 cerca de 7,8 milhões de pessoas passaram pelo terminal. A média de abril é de 520 mil passageiros, mas é difícil de acreditar que esse ano ela seja atingida. Às 10h30, os bancos instalados no andar térreo do prédio, colocados para atender aos passageiros, tinham apenas 12 pessoas, enquanto outras seis esperavam na fila dos guichês. Dois passageiros aguardam atendimento enquanto lotérica provoca fila ao fundo (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) A professora Rafaela Lima, 36, contou que teve dificuldades para embarcar e que estava hospedada na casa de familiares, em Salvador. “Eu iria para São Paulo em março, mas foi justamente naquele momento em que muitos voos foram cancelados e os aeroportos estavam um caos. O meu voo foi um dos cancelados e tivemos que remarcar. Depois de outra tentativa sem sucesso, pedi para a companhia remarcar para abril. Acredito que agora vamos conseguir viajar”, contou.

Funcionários disseram que as aeronaves estão chegando e partindo cada vez mais vazias. No portão de desembarque não havia ninguém. Nada de familiares ansiosos, agentes de turismo, ou pessoas com plaquinhas. Do lado de fora, o único som era o do cantor sertanejo e da brisa que balançava a copa das árvores e derrubava algumas folhas. Um silêncio ensurdecedor para quem está acostumado com o vai e vem frenético de um aeroporto. Movimento do lado de fora do aeroporto (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Companhias O CORREIO procurou as companhias aéreas para saber quais mudanças foram adotadas por conta da crise provocada pela Covid-19, quantos voos foram cancelados e quais foram os critérios usados para fazer esses cortes. Confira as respostas:

A Gol Linhas Aéreas disse que no dia 28 de março iniciou a adequação da malha aérea e que as mudanças seguem até 3 de maio. Estão sendo oferecidos apenas voos essenciais para as capitais do País. A redução foi de 92% nos mercados domésticos e 100% nos internacionais. Na Bahia, há um voo diário saindo do Aeroporto de Salvador com destino a Guarulhos (SP), às 11h20. E outro de Guarulhos para Salvador, às 14h25.

Já a Azul Linhas Aéreas Brasileiras informou que desde 25 de março e até dia 30 de abril reduziu a capacidade em 90%. A companhia está operando cerca de 70 voos diários para 27 cidades. A malha essencial é coordenada com os órgãos reguladores e demais companhias. Os voos estão variando, mas estão mantendo operações diárias para Campinas a partir de Salvador.

O Grupo LATAM Airlines contou que reduziu 95% de todas as operações programadas para abril de 2020, com suspensão de todos os voos internacionais entre 13 e 30 de abril. A companhia mantém operações domésticas somente no Brasil e no Chile, tendo suspendido temporariamente todos os seus voos domésticos no Peru, Argentina, Colômbia e Equador. Em Salvador, a empresa matem voos para São Paulo e Brasília