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Divo Araújo
Publicado em 4 de agosto de 2019 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
Com os Poderes Legislativo e Judiciário em recesso (o Supremo retomou os trabalhos só na quinta), o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), pôde exercer o protagonismo político durante toda a semana. Mas optou por preencher esse espaço com declarações polêmicas sobre assuntos até então adormecidos e que não trazem nenhum ganho prático para o governo, muito menos para o país. Declarações que causaram apreensão até nos auxiliares mais próximos. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, chegou a ser escalado para tentar conter as falas do presidente, mas, até onde se viu, com pouco resultado prático.>
Logo no início da semana, ao reclamar da atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na investigação do caso de Adélio Bispo, autor do atentado à faca do qual foi alvo, Bolsonaro disse que poderia explicar ao presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar (1964-1985). “Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele”.>
A fala do presidente provocou reações pelo país afora. O ministro do STF Luís Roberto Barroso deu a ele um prazo de 15 dias para que conte o que sabe sobre o sequestro e o assassinato de Fernando Santa Cruz. O presidente do Conselho Federal da OAB chamou de “deboche”, “crueldade” e “falta de empatia” as declarações.>
Contestado com o fato de haver documentos públicos que mostram que o desaparecimento de Fernando Santa Cruz se deu após prisão pelo Estado, Bolsonaro questionou a Comissão Nacional da Verdade (CNV), grupo criado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2011 que investigou violações aos direitos humanos ocorridos durante o regime. “Você acredita em Comissão da Verdade? Qual foi a composição da Comissão da Verdade? Foram sete pessoas indicadas por quem? Pela Dilma”, afirmou>
A avaliação recorrente, dentro e fora do Planalto, é de que Bolsonaro extrapolou o limite do aceitável com essas declarações, classificadas por ele na sexta-feira, depois de uma semana inteira de condenações, “como nada demais”. “Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco, e veio desaparecer no Rio de Janeiro”.>
Apesar do constrangimento provocado entre os aliados, ao negar a história do país e atacar duramente quem considera adversário, Bolsonaro segue a tática do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de provocar polêmicas para incitar o seu eleitorado mais fiel. Trump, por exemplo, chegou a sugerir pelo Twitter que quatro deputadas de descendência estrangeira muito críticas a ele deveriam “voltar e ajudar a consertar os lugares totalmente quebrados e infestados de crime de onde vieram”. O perfil de Santa Cruz tem sido alvo de dezenas de mensagens com teor de ameaça depois das declarações do presidente.>
FraseO palco é minha tribuna. No palco eu dou a minha opinião, jamais será discursiva, jamais. Sempre irá para um caminho que pode tocar o coração e levar meu pensamento sobre aquele assunto, ou aquela história, com uma canção, com um texto, isso eu faço Maria Bethânia com Pedro Bial (A cantora, de personalidade reservada e com raras aparições na TV, foi a convidada do Conversa Com Bial da sexta-feira, 2/8. Ela cantou, mostrou a força e a potência que lhes são características e esclareceu alguns boatos que surgiram sobre a sua vida)>
Planalto não terá vida fácil no Supremo>
O Congresso só retoma os trabalhos nessa terça-feira, o que de certa forma é um alívio para os integrantes do governo. A avaliação é que o estrago feito pelas declarações do presidente Jair Bolsonaro poderia ser muito maior caso os deputados já estivessem em atividade. A preocupação, de acordo com a análise desses aliados, é que o governo perca, definitivamente, o controle da pauta positiva no parlamento. Eles não esqueceram que a reforma da Previdência só foi aprovada, em primeiro turno, graças à mobilização dos deputados capitaneada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM).>
O retorno do Supremo Tribunal Federal (STF) aos trabalhos já deu uma mostra de que o governo não terá vida fácil neste segundo semestre, principalmente se Bolsonaro seguir concentrando os esforços em temas polêmicos, porém considerados secundários.>
Por unanimidade, o plenário do STF manteve suspensa uma medida provisória (MP 886) do presidente que visava transferir da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Ministério da Agricultura a responsabilidade de demarcar terras indígenas.>
A MP já havia sido suspensa em junho por Luís Roberto Barroso, atendendo a pedido dos partidos Rede Sustentabilidade, PDT e PT. Na quinta, o plenário da corte referendou a decisão liminar de Barroso, por 10 votos a 0. A Constituição impede que o presidente reedite, na mesma legislatura, uma medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha caducado sem ser apreciada a tempo pelo Congresso.>
O voto mais enfático foi o do decano do Supremo, o ministro Celso de Mello, que viu na reedição da MP, a despeito da proibição constitucional, um resquício de autoritarismo. “O comportamento do atual presidente da República, revelado na reedição de medida provisória clara e expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional, traduz uma clara, inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição Federal e representa inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de Poderes”, afirmou.>
No dia seguinte, Bolsonaro admitiu ter cometido um erro ao ter assinado a nova medida provisória. “A gente não poderia no mesmo ano fazer uma medida provisória de um assunto. Houve falha nossa. É falha, é minha, né!? É minha porque eu assinei”, disse.>
Não foi a única derrota do Planalto no Supremo. O ministro Luiz Fux determinou, também na quinta, que seja preservado o material obtido pelos acusados de hackear celulares de autoridades, investigados na operação Spoofing, ao contrário do que sugeria o ministro da Justiça, Sergio Moro. De acordo com a Polícia Federal, mais de mil celulares podem ter sido invadidos.>
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