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Gabriel Galo
Publicado em 10 de junho de 2019 às 05:01
- Atualizado há um ano
Desde 2015, o Vitória enfrenta clima de constante instabilidade política, com uma sucessão de presidentes e diretorias eleitas e depostas e mandatos-tampão. Cada caso com suas particularidades, mas tendo a incompetência na gestão do futebol como ponto comum.
Neste cenário de desordem, o nome de Paulo Carneiro ganhou força. Fazia sentido que, no desespero, virasse alternativa viável. Ou ainda mais, como ele mesmo fez questão de ressaltar: era, pois, única salvação. Afinal, o período mais vencedor do clube tinha sido alcançado sob seu comando. Tinha histórico e memória seletiva para esconder onde o Vitória estava quando foi destituído em 2005.
Há, por outro lado, consequências práticas da sucessão de tempestades internas. Porque questionar e derrubar um presidente eleito é questionar a democracia em si.
Ao reassumir a cadeira que um dia foi sua, PC tratou de amplificar o confronto. Lança mão de argumentos básicos de práticas autoritárias. Extingue a comunicação ampla. Exige fidelidade incondicional, cria inimigos imaginários, abusa da terceirização da culpa e não aborda com clareza as contratações mais que questionáveis já em seu mandato.
O mais grave, no entanto, é a incompreensível chantagem da torcida. Ignoram-se conceitos simplórios de mercado, leis de oferta e demanda, precificação, segmentação de produtos. Importa mais acossar o torcedor, já combalido pelos seguidos anos de sofrimento.
Nada é popular, tanto pelo contrário. Sócio-torcedor vira obrigação. Uniforme, só do mais caro. Festa, para poucos e nobres. Arena vem aí, ingresso é mais caro.
Só que, ao mesmo tempo em que se é exigido que a torcida pague a conta, ela topou o desafio.
O histórico de luta ganhou destaque notório a partir de 2010. O movimento Somos Mais Vitória brigou e conseguiu o que era, então, um dos estatutos mais modernos de clubes de futebol no Brasil. Com o tempo, mais organizações foram ganhando corpo. No pleito recente, a Frente Vitória Popular obteve assentos no Conselho Deliberativo levantando a bandeira da democracia.
A amplificação da voz da torcida, entretanto, bate de frente com os interesses dos cardeais rubro-negros, que intercalam chapas fingindo independência, mas permanecem confabulando a portas fechadas a manutenção do poder.
Hoje, segunda-feira, é um dia-chave para a democracia rubro-negra. Foi, enfim, convocada reunião extraordinária para eleição do conselho de ética e indicação de nome para a comissão de reforma do estatuto. O novo estatuto amplia a democracia, mas ainda tem caráter provisório. Ou seja: pode ser revogado, mesmo que tenha sido regimentado na AGE e previsto para se tornar definitivo em setembro deste ano.
Na esteira da consistência da postura do atual presidente, cresce a percepção de que um descumprimento da decisão da AGE é um caminho aventado, o que seria um baque grave ao projeto democrático. Adicionalmente, uma eventual interferência no curso natural da aceitação acarretaria risco jurídico grave, e há precedente no rival para justificar intervenção.
Na outra ponta, porém, não se deve subestimar a força de quem luta pela modernidade, pela efetivação da voz popular. É batalha de quem não exige contrapartida, que leva no peito e na alma a consciência de que somente a democracia é a salvação do Vitória.
Na escassez de ações efetivas do clube, é a torcida que trabalha para aumentar o moral de uma gente acossada. Ela já asumiu o protagonismo. Está nela, com sua ativa insuspeita de quereres escusos, a fonte para a recuperação da estabilidade do clube.
O melhor do Vitória é sua torcida - e a ela, só cabe a democracia ampliada e irrestrita.
Gabriel Galo é escritor.