Depois daquela viagem

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  • Kátia Borges

Publicado em 7 de agosto de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Dentro do peito é que se arma a viagem. Seus primeiros movimentos nascem de uma imobilidade sem retoques. Medo só do voo sobre o Atlântico. A madrugada lá fora roçando o oceano. Pensei num amigo de adolescência que morreu aos 19 anos. De quando me contou sobre os mistérios da imensidão azul.

Cavernas com oxigênio no fundo do mar, nas quais criaturas submarinas com antenas habitam, respirando como nós. Pulmões em lugar de guelras, garras em lugar de barbatanas, universos em guerra com o real. Estávamos em minha casa de adolescente, numa noite baiana de inverno sem internet ou celular.

Conversávamos quase todos os dias, até que minha mãe o expulsasse delicadamente, apagando as luzes dos cômodos. E guardo comigo ainda essa história, espécie de amuleto selvagem. O horror era mesmo muito tímido, escondia-se de nós, permitia que seguíssemos sob o sol como se fôssemos inatacáveis e divinos.

Nas páginas das revistas. Ah, amigos, o mergulho na escuridão em Kona. Minúsculos e inexplicáveis peixes luminosos. O cemitério de tartarugas na Ilha de Sipadan. O Sac Actun, na península de Yucatán. Sabiam que a primeira expedição aos poços abissais, conhecidos como cenotes, foi antecedido pela benção de um xamã?

Restos de uma Supernova que explodiu ainda resistiam no fundo do Oceano Pacífico, sedimentados fósseis de um cardume estelar. E como era solar ler e falar sobre essas coisas, acompanhando o espanto que crescia nos olhos dos ouvintes. Seria mesmo possível seguir acreditando que estamos sozinhos?

Assisti quatro filmes insossos enquanto todos dormiam na aeronave, a cabeça distraída das dores do mundo entre curtos solavancos. Do ensaio para o voo, revi aviões e músicas. Pensei que se há mesmo ouro no Universo, forjado pela colisão de supernovas, isso talvez justifique a corrida espacial dos milionários.

Ah, essa gente obsessivamente empreendedora. Felizes e sãos, monstros se escondem nas profundezas do azul, brincam de pique-esconde nas esquinas expandidas do Universo. Sem curiosidade alguma sobre nós, “os sonsos essenciais”, que não seja pelo desequilíbrio que podemos causar aos seus destinos.

De quando em quando, emergem os subterrâneos e os mundos se tocam. Ruídos de respiração em cavernas com oxigênio nas profundezas dos oceanos. Poços abissais, sagrados abismos. E espécies estranhas, monstros marinhos muito tímidos. Feito essa canção antiga que, volta e meia, visita a superfície.