Dia da Consciência Negra: marchas e atos marcam a data de luta contra o racismo

De grande tradição, a Marcha da Consciência Negra Zumbi - Dandara dos Palmares e a Lavagem da estátua de Zumbi dos Palmares ocorreram no centro de Salvador

Publicado em 20 de novembro de 2019 às 21:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor/CORREIO
. por Fotos de Mauro Akin Nassor/CORREIO

Há 40 anos, a Marcha da Consciência Negra Zumbi - Dandara dos Palmares saía pela primeira vez do Largo do Campo Grande em direção à Praça Castro Alves. Nesta quarta-feira (20), mais uma vez, a caminhada ocorreu para ressaltar a força da luta do movimento negro contra o racismo.

Apesar do evento ser realizado no dia da Consciência Negra, o coordenador da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), Gilberto Leal, apontou que as ações de combate ao racismo devem ser tomadas diariamente. Para ele, a data é um importante momento de reflexão.

O 20 de Novembro é um dia de homenagem aos heróis da causa negra como Zumbi dos Palmares. No entanto, a data não é marcada somente pela celebração. A importância da luta contra o racismo no Brasil e no mundo foi o destaque da marcha. De acordo com o membro do movimento negro, Antônio Santana, a data é uma simbologia para atentar a população para o preconceito racial. “Amanhã a gente não vai estar mais de forma ativa nas ruas, mas que as pessoas reflitam e não aceitem o retrocesso e o racismo em nenhuma área da sociedade”, afirmou.Nesta edição do evento, os manifestantes também pediram pela liberdade de Mumia Abu-Jamal, ex-militante do Partido Panteras Negras preso há 38 anos nos Estados Unidos sob acusação de matar um policial branco.

Organizadora da marcha, a Conen estima que mais de 6 mil pessoas tenham participado do movimento. A caminhada se iniciou por volta das 16h, com concentração no Campo Grande e seguiu até a Praça Castro Alves.   (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Homenagem a Zumbi dos Palmares Nesta quarta, também, a tradicional Lavagem da estátua de Zumbi dos Palmares percorreu as ruas do Pelourinho até a Praça da Sé, onde está localizado o monumento. 

Em sua 11ª edição, e com o tema "Em defesa da vida da população negra: Contra a política de morte do governo Bolsonaro", o ato começou na sede da União de Negras e Negros Pela Igualdade (Unegro), também no Pelourinho, com a reunião de integrantes de movimentos negros e sociais.

De acordo com Ângela Guimarães, presidente da Unegro, a lavagem da estátua começou por volta das 9h. O ato ainda teve a participação de baianas, grupos de capoeira, grupos culturais, escolas públicas do estado e terreiros de candomblé.

Para Guimarães, o evento foi bastante plural e representou o resgate da luta dos negros com a figura do herói Zumbi dos Palmares, para ressignificar as buscas do movimento com a realidade política e social do Brasil atual.

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Depois da lavagem, grupos de tambores de búzios, a Banda Didá e o ABC do Samba tocaram para quem esteve presente no ato. O secretário nacional de comunicação da Unegro, Alexandro Reis, destacou que o evento ainda contou com um momento de debate sobre a situação da população negra da Bahia.

Segundo Reis, foram discutidos temas como o desemprego da população negra, a violência contra a juventude negra e a falta de participação dos negros nas esferas de poder.

Até o início da tarde de ontem, o evento tinha reunido entre 800 e mil pessoas na Praça da Sé, afirmou a presidente da Unegro. 

O mais belo dos belos A Ladeira do Curuzu também recebeu, nesta quarta-feira, a Caminhada da Liberdade que reuniu autoridades, representantes do movimento negro, soteropolitanos e turistas. Esta foi a 18ª edição do ato.

Os participantes seguiram o trajeto em direção ao Pelourinho embalados pela batucada do ‘mais belo dos belos’, o Ilê Aiyê, e de outras entidades como o Muzenza e o Malê de Balê. Neste ano, o tema da caminhada foi “220 anos do enforcamento dos mártires da Revolta dos Búzios”.

No mesmo dia, seis mestres de capoeira da velha guarda receberam o título Guardião dos Saberes e Memórias da Cultura Africana e Afro-Brasileira no Estado da Bahia. O evento aconteceu por volta das 19h, no auditório do Centro Universitário Dom Pedro II, no Comércio.

Esta foi a segunda edição da premiação que é realizada pelo Centro Universitário Dom Pedro II e a Frente Parlamentar em Defesa da Capoeira da Câmara Municipal de Salvador. A iniciativa também conta com o apoio da Federação de Capoeira da Bahia (Fecaba).

Foram homenageados: Mestre Brandão; Mestre Bola Sete, discípulo do Mestre Pastinha; Mestre Xaréu, discípulo do Mestre Bimba; Mestre Saci; Mestre Piloto; e Mestre Itapoan, da turma do Mestre Bimba.

Luta do Movimento Negro Instituído oficialmente em 2011, pela lei nº 12.519 de 10 de novembro daquele ano, o Dia da Consciência Negra faz referência morte de Zumbi dos Palmares. Mesmo com a definição de uma data de reflexão sobre o racismo, a luta dos negros ainda é foco de resistência dos opressores.

Neste contexto, o coordenador da Conen, Gilberto Leal, ressaltou que o Brasil é um país racista, por vezes, com um disfarce de igualdade. Para ele, a luta do povo negro contra o sistema que impõe um preconceito racial é constante e acontece desde que os negros foram trazidos à força para o território brasileiro para serem escravizados. “A luta vem sendo mantida até hoje. Ao longo do processo, tivemos algumas vitórias e algumas derrotas, mais derrotas que vitórias. Mas isso não nos fez desistir de continuar tentando mudar a realidade desse país”, afirmou, relembrando que nem mesmo as repressões da ditadura militar impediram o acontecimento da marcha.Dentre as principais lutas do movimento, a coordenadora do Conen, Jussara Santana, ressaltou a busca por políticas públicas voltadas para a população negra. “O povo preto pede poder para o povo preto”, pontuou.

Questões como o genocídio dos negros, em especial dos jovens, a liberdade de expressão e a igualdade também foram apontadas como parte da luta da população negra em um país onde o racismo ainda mata.

A matança dos negros e a truculência policial com estas pessoas é ainda mais agravante dentre os mais jovens. Para o cantor, compositor e estudante, Makonnen Tafari, 21, a juventude do movimento deve saber se comunicar para compartilhar as referências de luta entre os seus. Uma das formas para difundir as ideias do movimento é a música como faz o rapaz, que se apresentou na marcha.“Pode haver uma certa dificuldade para interessar o jovem. Eles têm distrações, mas temos o meio da música a nosso favor. Podemos conseguir entreter o jovem e ao mesmo tempo estar passando conhecimento através do hip hop e do reggae”, disse.A falta de representantes negros é uma das causas da invisibilidade da população negra perante os governos, apontou o secretário nacional de comunicação da Unegro, Alexandro Reis.

“O fim das barreiras impostas aos negros exige educação de qualidade e formação das pessoas. Isso é um trabalho de longo prazo e exige a nossa participação, não só como receptores de políticas públicas, mas elaboradores de decisões de políticas públicas. Isso envolve a nossa presença no executivo”, afirmou.

Denúncias Segundo o último relatório do Mapa do Racismo, publicado em 14 de novembro de 2019, foram feitas 181 denúncias do crime na Bahia no aplicativo do Ministério Público do Estado da Bahia, neste ano. Destas, foram distribuídas para os promotores de justiça 128 ocorrências denunciadas. Por ser contabilizado a partir dos casos denunciados, o número não reflete, necessariamente, a quantidade real de ocorrências de racismo na Bahia.

A denúncia é um exemplo de ação que toda a comunidade deve fazer para atuar contra o racismo no dia a dia, afirmou Antônio Santana. “Denunciar é essencial. Não se pode aceitar, quando você rejeita um ato de racismo, quando você denuncia algo que presenciou está contribuindo muito pela causa”, pontuou o ativista da causa negra.  

*Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier.