Diário da Série B: De onde menos se espera…

Leia o sexto capítulo da saga do Vitória no Brasileirão

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  • Gabriel Galo

Publicado em 2 de junho de 2019 às 09:09

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tiago Caldas/ EC Vitória

Pior do que a derrota é a postura em campo. O que já estava ruim, parece ter ainda muito a piorar. Vitória 0x2 Bragantino.

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Salvador, 31 de maio de 2018

(Rodada 6 de 38)

Emulando 2015

O tortuoso 2019 para o Vitória parece ser um amontoado de absurdos. Eliminado na primeira fase do Campeonato Baiano, nas quartas de final da Copa do Nordeste com uma goleada humilhante em Fortaleza, na primeira fase da Copa do Brasil para o mais que modesto Moto Club, que labuta na Série D.

A cabeça do ser humano, porém, é essencialmente otimista.

Assim, a massa rubro-negra se apressa a criar similaridades entre 2015 e 2019.

Há quatro anos, o Vitória também falhou no Baiano, na Copa do Brasil, no Nordeste. O time foi refeito para a Série B, que disputaria após ter sido rebaixado no ano anterior. O clima interno era de instabilidade política, resultando na renúncia de Carlos Falcão.

Olha-se para lá, pesa-se a desesperança de então, volta-se pra cá e vê como é parecido. No embalo das similaridades muitas, saca-se do coldre a frase obâmica da salvação. “Yes, we can”. 2015? 2019? Pegamos o elevador de volta para a primeira divisão sem pagar pedágio, mas cheio de promessas a serem cumpridas, lastros das preces de “volta logo, disgrassa” (sic).

Na fé cega, cria-se qualquer arremedo de proximidade entre antanho e contemporâneo.

Pois, pois.

Novo manto

Com grande pompa e circunstância, como exige a situação, o clube programou o lançamento das novas camisas para 2019. E a barra vai ficando cada vez mais encurvada, de tão forçada.

Mudaram-se as listras horizontais para a vertical, modelo usado no começo dos anos 2000 e em… 2015!

É inegável a beleza do novo manto rubro-negro. O padrão distribuído pela recém-chegada Kappa impressionou. Comparando-se aos padrões verticais já vistos recentemente, vê-se um pouco dos dois. A largura das listras se aproxima à versão de 2003. Já a posição do escudo e do fabricante, segue o padrão normal, visto em 2015. 2019 Minha malfadada e maltratada conta corrente já se prepara pro investimento.

A sexta à noite

2015 parece não estar disposto a desfungar do cangote do ano que corre.

Procurando absurdas referências que liguem os pontos, saíram alguns levantando bandeira. Lá, como cá, o Bragantino, adversário da vez, tinha visitado o Barradão numa sexta de maio e sofrido uma impiedosa goleada por 4 a 1.

Tudo pra ser igual, certo?

Absolutamente errado.

Porque mandinga como essa não funciona diante da incompetência.

A começar que, em 2015, um certo camisa 9 fora dispensado depois de desempenho sofrível. Amealhou 5 tentos em 17 contendas. Hoje, 4 anos mais tarde e muitos quilos mais forte, perambula com um gol solitário em 14 jogos.

Segundo que o Bragantino vem muito mais forte neste ano.

De olho no Bragantino

No começo do ano, uma fusão rara, mas não inédita, foi anunciada. O RB Brasil, time de Campinas financiado pela gigante de bebidas energéticas, efetivamente comprou o Bragantino, agremiação de Bragança Paulista e com vaga na Série B do Brasileiro. Com destaque na virada dos anos 80 para os anos 90, quando foi campeão paulista e vice brasileiro, os dias de glória há muito eram passado.

A fusão, no entanto, prometia mudar tudo.

Este sentimento de mudança veio corroborado pelo excelente campeonato paulista do RB Brasil. Dono da melhor campanha, foi eliminado nas quartas pelo Santos.

Assim, houve tempo para que os melhores de cada elenco fossem integrados e formassem o melhor time possível. Prevaleceu, claro, o RB sobre o time de Bragança, quase rebaixado.

Não à toa, a equipe paulista briga para subir.

Já o Vitória, apesar da esperança vã, briga para não cair.

Não há possibilidade de narrar igualdades entre 2015 e 2019. Principalmente porque, infelizmente, estamos em 2019.

Avenida Dudu Vieira

A escalação veio com algumas alterações providenciais. Ramon e Neto Baiano, muito mal, estavam fora. Seria a estreia com a 9 de Anselmo Ramon, recém-chegado sem dele nada muito se esperar. Três volantes, Ruan Levine voltando, Nickson com a 10 e Dudu Vieira improvisado na direita.

E como diz o ditado às avessas: de onde menos se espera é que não sai nada mesmo.

Osmar Loss, em sua segunda peleja frente ao grupo, tratou, na largada, de assinar seu emblema.

Voltemos no tempo.

Quando assumiu o Corinthians, Osmar Loss recebeu de Carille – que se picava pras Arábias a garantir a independência financeira – aquele que era considerado o melhor sistema defensivo do Brasil. Rapidamente, tudo degringolou. A melhor defesa virou uma peneira. E foi demitido. Em outros projetos, o mesmo se deu.

O pensamento no Vitória, talvez, fosse aquele do Tiririca, de que pior do que está não fica. Pois como o deputado federal provou, podia piorar. E a piora teve nome e sobrenome: Dudu Vieira.

Improvisado de jogador de futebol do lado direito da defesa, deixou espaços convidando o Bragantino ao prazer. Convite imediatamente aceito por Antonio Carlos Zago, o técnico paulista.

Na primeira chegada, Ronaldo segurou.

Na segunda, Ronaldo pegou de novo.

Na terceira, Dudu Vieira, como barata tonta, como cachorro em dia de mudança, como cego em tiroteio, girou, procurou, hein?, cuma?, estava no lugar errado, na hora errada e Edimar, lateral esquerdo, balançou as redes de Ronaldo, que nada pôde fazer.

Vitória 0x1 Bragantino.

Esperança, no entanto, era impossível de espremer diante de tão apertadas mentes. Além do mais, o encanto da virada de todo jogo tinha sido quebrado no jogo passado.

E o que era pior, poderia piorar. Todo castigo pra torcedor do Vitória é pouco.

Não demorou e o segundo gol deu números que seriam finais. Thiago Ribeiro, aquele mesmo, pegou belo arremate de fora da área, para vencer Ronaldo. Tiago Ribeiro comemora o seu gol no Barradão (Bragantino/ Divulgação) Vitória 0x2 Bragantino.

Nem bem se passava dos 20 minutos da primeira etapa, vaias ecoavam no Barradão.

Corre, cambada!

Ciente da gravidade das capacidades táticas, técnicas e físicas, clama-se a única coisa que independe destas: raça.

Só que o Vitória é grupo despedaçado psicologicamente. De jogadores que se entregam, mas não no bom sentido da palavra. Entregam-se no sentido de rendição. E param esperando o jogo acabar, torcendo pro adversário não impor vexame maior.

Não é a torcida que jogou a toalha. Os jogadores já jogaram. A arquibancada é reflexo do que se vê em campo.

Perder bola no ataque e voltar lerdo para recompor. “Pra quê, mesmo? Talvez amanhã nem esteja mais aqui.”

Até que um lance emblemático ocorreu e o desdobramento tornou-se digno da mediocridade e do desespero que virou o Vitória.

O Vitória resolveu marcar pressão a saída de bola do Bragantino. Goleiro com ela nos pés. Entra Anselmo Ramon.

O novo 9, recebido com desconfiança justificável no Barradão, foi pra cima. Mas desistiu no meio do caminho. Hesitou. Correu. Parou. Fez que ia, mas não foi. E a torcida se irritou. “Vai, Anselmo!” (o palavrão, eu deixo de fora do texto).

O primeiro tempo se encerrou sem o Vitória dar um chute a gol sequer. O ápice do sistema inofensivo.

O segundo tempo começou e a gota d’água transbordou o copo para o recém-contratado, bode expiatório de uma noite esquecível. Em contra-ataque, errou passe de meio metro para Marciel, matando a jogada.

Mas quando desbaratino é demasiado, noção pula pela janela. Das arquibancadas, o “Vai, Anselmo” foi traduzido a “vai (preencha aqui do jeito que mais lhe apetece xingar alguém). E o inexplicável veio no pedido por Neto Baiano. Neto Baiano (Tiago Caldas/ EC Vitória) Ah, o desespero e suas decisões…

A que ponto chegamos?

O Vitória 0x2 Bragantino permaneceu confirmando a máxima que atesta que de onde menos se espera é que não sai nada mesmo.

Tristeza total e futuro sombrio

A tristeza que se espalha em tudo o que envolve o Vitória atingiu nível que não foi visto mesmo em 2005, com rebaixamento à Série C. Naquela época, havia esperança de renovação. Batalhou-se pela queda do mesmo mandatário que, pelos seus desmandos e arrogância, guia o clube de volta ao mesmo abismo. Pior do que está pode ficar.

Sua reascensão à presidência se deu justamente porque ele se posicionou como líder da retomada. Suas medidas e declarações, no entanto, criam perspectiva de um futuro sombrio.

A tristeza é compartilhada por torcida, jogadores, funcionários, dirigentes.

A reversão parece longe, senão impossível.

Resta ajustar as expectativas ao mínimo possível. Décimo sexto já se torna sucesso, especialmente para quem se desonra no 19° lugar no calabouço da Série B. Ou então, que reduzamos ainda mais, esperando que pelo menos todo dia não seja dia de vexame.

Gabriel Galo é baiano, torcedor do Vitória, administrador e escritor, cronologicamente falando. É autor de “Futebol é uma matrioska de surpresas: Contos e crônicas da Copa 2018”, disponível na Amazon.

O Diário da Série B é uma série de 38 capítulos, escritos após cada jogo do rubro-negro. Texto originalmente publicado no site Papo de Galo.