Direitos e deveres sobre a água

Leia o editorial

  • D
  • Da Redação

Publicado em 18 de maio de 2019 às 03:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Moradores de 78 localidades da capital e de mais oito municípios da Região Metropolitana de Salvador (RMS) foram surpreendidos no último fim de semana quando entraram em contato com o que saía das torneiras, chuveiros e tanques de suas casas. Quase todos os relatos apontaram para coceiras no corpor e ardência nos olhos provocadas quando entraram em contato com a água fornecida pela Embasa. A estatal, que cuida do abastecimento na RMS, atribuiu o caso às fortes chuvas registradas recentemente nos mananciais do sistema hídrico. As justificativas, no entanto, não excluem a gravidade do problema e nem a responsabilidade da empresa em garantir a qualidade do que entrega à população.

Desde 28 de julho de 2010, a Assembleia Geral da ONU reconhece o acesso à água potável como direito humano fundamental, assim como são os cuidados básicos de saúde, já que que a poluição da água é causa de mortalidade e doenças das mais variadas cepas em locais com alta concentração de pobreza. Portanto, zelar para que os cidadãos sejam abastecidos com o que há de melhor em matéria de recursos hídricos é dever de quem tem a prerrogativa pública de cuidar das redes de abastecimento. 

Não se trata apenas da qualidade da água recentemente fornecida com alterações não muito bem explicadas ainda, embora as suspeitas recaiam para concentrações de cloro acima do normal durante o fim de semana passado. É importante também assegurar o quanto antes a regularidade do fornecimento, sobretudo em bairros mais carentes da RMS, justamente os que foram afetados e que, pelos próximos dias, enfrentarão racionamento até que a Embasa corrija definitivamente a falha.

Independente do que causou tais modificações na água, a Embasa não agiu corretamente ao manter o problema longe do radar das autoridades em Vigilância Ambiental. Ao receber as queixas ou notar as alterações, a empresa deveria tê-las informado de imediato. Só o fez quando a imprensa lançou luz sobre o caso. Por sorte, nenhum incidente grave foi registrado até o momento.

O mesmo não se pode garantir sobre o futuro dos habitantes das 271 cidades baianas onde a água chega às torneiras misturada a um coquetel com até 27 agrotóxicos de grande perigo para a saúde humana. Desse total,  a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) classifica 16 como  extremamente ou altamente tóxicos e outros 11 estão associados ao surgimento de doenças crônicas de maior ou menor letalidade. Entre os quais, câncer, além de malformação fetal, disfunções hormonais e reprodutivas.

A lista de cidades do estado que consomem água com concentração de pesticidas além do aceitável inclui Salvador, municípios de grande ou médio porte, como Feira de Santana, Vitória da Conquista, Camaçari, Itabuna e Barreiras, além de pequenas localidades, a exemplo de Mucugê, São Félix do Coribe, Lençóis e Livramento de Nossa Senhora. É o que apontou pesquisa realizada pelo Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) do Ministério da Saúde, cujos dados foram divulgados após investigação conjunta da ONG Repórter Brasil, da Agência Pública e da organização suíça Public Eye.

Grande parte das cidades onde a água apresentou algum nível de toxidade não está sob responsabilidade da Embasa, mas dos próprios municípios, seja através de empresas públicas ou das autarquias que integram o chamado Serviço Autônomo de Água e Esgoto. Independente da esfera responsável, é obrigação de todas elas entregar recursos hídricos de qualidade aos seus moradores. Afinal, a conta chega todo mês para eles, quase sempre, alta demais.