Drive-ins ressurgem com alternativa para o entretenimento

Sucesso nas décadas de 60 a 80, cinema dentro do carro é opção em dias de pandemia

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  • Ronaldo Jacobina

Publicado em 24 de maio de 2020 às 08:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

No filme Grease – Nos Tempos da Brilhantina (1978), os personagens Sandy (Olívia Newton-John) e Danny (John Travolta) têm um encontro amoroso desastroso. Na cena, o casal assiste, de dentro do carro, a um filme projetado num telão. A temperatura sobe e o rapaz tenta avançar o sinal, mas a mocinha recua bravamente. Corta a cena.

O cenário, assim como a história, que se passa lá no século 20, independente de qual fosse o enredo no interior do veículo, era comum entre os anos 1950 e 1970, quando os cines drive-in viviam lotados de carros e, as pessoas, especialmente os casais, disputavam uma vaga para assistir, ou não, a uma produção cinematográfica.

Com o passar dos anos, a prática, assim como estes espaços, caíram em desuso, e os empreendimentos foram dando lugar a prédios, estacionamentos etc. Quase meio século depois, estes equipamentos começam a voltar à cena como alternativa de entretenimento em tempos de isolamento social forçado pela pandemia do novo coronavírus.

O movimento de retorno, iniciado na Europa, no mês passado, volta agora como possibilidade – única, pelo menos até então – de promover a arte, a cultura e o entretenimento, uma das muitas áreas cruelmente atingidas pela força brutal do vírus.

Enquanto no Velho Mundo, os drive-in já se impõem (em cidades e países que ensaiam uma volta sutil ao que vem sendo chamado de novo normal) como plataforma para múltiplas linguagens, como cinema, shows, espetáculos de teatro e até festas embaladas por DJs, pelas bandas de cá, o modelo começa a despontar, timidamente, como alternativa de entretenimento.

Embora em alguns estados brasileiros, como São Paulo, Rio, Paraná e Goiás, já tenham entrado na onda, na Bahia, a primeira iniciativa partiu do padre Luís Simões, da Paróquia da Vitória. Ele conta que, embora reze missa diariamente com transmissão pelo Instagram, alguns fiéis não conseguem ficar distantes da igreja.“Tem deles que vêm de carro, param aqui e pedem que eu dê a comunhão. Então, me cerco de cuidados e faço. Aí, pensei: por que não fazer uma missa em que as pessoas assistam do carro? Vi uma sendo feita na Alemanha e, com ajuda dos paroquianos que estão sempre comigo, pedimos as autorizações e fizemos”.A primeira celebração, segundo o pároco, reuniu cerca de 80 pessoas, no estacionamento onde realiza anualmente a Feira da Fraternidade, na Graça. No domingo seguinte, o público caiu um pouco, segundo ele, porque choveu muito. “Como a gente viu que é possível e que deixou as pessoas felizes, queremos fazer toda semana”, anima-se o padre.

Cultura Perto dali, outra iniciativa no mesmo formato está sendo planejada pelo Instituto Cultural Brasil Alemanha (Icba), que funciona no Corredor da Vitória. A ideia é usar o estacionamento da instituição, que tem entrada pelo Vale do Canela, para promover atividades artísticas, incluindo o audiovisual. O projeto deve ser submetido à aprovação da Prefeitura de Salvador, além dos demais órgãos de fiscalização sanitária e de saúde, mas se depender do entusiasmo do alemão Manfred Stoffi, diretor executivo da instituição, o projeto será iniciado ainda este mês.“A ideia é usar o espaço que, adaptado para atender aos protocolos de saúde, deve render cerca de 20 vagas para veículos, com duas pessoas cada”, explica Stoffl.A proposta da instituição, segundo ele, é começar com a exibição de filmes de autores e, na sequência, abrir espaço para outras manifestações e linguagens artísticas que serão realizadas numa passarela elevada que ele pretende montar no local.

O modelo tem despertado o interesse de gestores de espaços culturais, empresários e produtores. A Fundação Gregório de Mattos pensa ocupar a área externa do Espaço Cultural da Barroquinha para exibição de filmes no formato drive-in. O projeto, segundo o presidente da FGM, Fernando Guerreiro, ainda está no plano de estudo, mas acredita ser viável.  “É muito embrionário ainda pensarmos em fazer coisas que exponham as pessoas a riscos, até porque tudo vai depender do quadro que se desenhar nos próximos dias e, claro, quando tivermos certeza absoluta, de que não terá riscos”, explica.

Guerreiro afirma que a ação não terá custo para o erário municipal visto que a FGM possui os equipamentos de exibição já utilizados pelo projeto Cinema na Praça. “Acho que vamos voltar aos anos 1950, com atividades ao ar livre, como os cines drive-in, por exemplo, já que teremos que respeitar a distância social necessária para evitar o contágio”, aposta.

Com toda a área de entretenimento parada há mais de dois meses, produtores, artistas e empresários têm batido a cabeça na busca de alternativas para a sobrevivência de milhares de pessoas que dependem exclusivamente do negócio. Nas rodas de conversas virtuais que costumam manter diariamente, o modelo drive-in está sempre rondando.

“Temos estudado, pesquisado e debatido bastante, mas estamos conscientes de que seja lá o que for que viermos a fazer, teremos que ser responsáveis, cuidadosos, respeitando os protocolos, pensando na logística para assegurar a segurança do público”, explica Gegê Magalhães, diretor executivo da Salvador Eventos, e um dos articuladores do segmento durante esta crise. Drive-in da Blue Starlite, uma das empresas mais conhecidas dos EUA neste serviço (foto: Divulgação) Magalhães vê no modelo drive-in uma alternativa interessante para determinados formatos de eventos. O empresário, que tem no seu portfólio o cantor de pagode Leo Santana, defende que estes shows mais contagiantes, demorarão para acontecer, visto que estes não se encaixariam no formato de drive-in. “Temos pensado em shows acústicos, onde as pessoas assistem do carro, sintonizados pelo auto-rádio”.

A empresa de Magalhães cogitou inaugurar o formato no próximo dia 12 de junho, com um evento para o Dia dos Namorados, mas resolveu voltar atrás, em função do crescente número de mortes pela covid-19. “Estamos convencidos de que não é o momento, precisamos manter a cautela porque a prioridade agora é a saúde. A curto prazo, não vejo a possibilidade de realizar nada, nem mesmo no formato de drive-in”, diz.

Embora a questão do entretenimento esteja no rol de preocupações da Empresa de Turismo de Salvador (Saltur), o seu presidente Isaac Edington diz que o poder público está concentrando esforços para combater a pandemia. “Estamos trabalhando internamente na construção de protocolos, ouvindo os diversos atores e, claro, que o entretenimento, a economia criativa, estão incluídos. Mas é preciso aguardar o momento adequado”, afirma.

Dream Park Mesmo com o cenário de incertezas, a maior aposta do setor tem sido mesmo o resgate do velho e bom drive-in. A Dream Factory, empresa carioca especializada em entretenimento e live marketing que integra o Grupo Artplan, que tem entre seus produtos o Rock in Rio, aposta no formato como alternativa para o futuro próximo. De acordo com o presidente da empresa, Duda Magalhães, “o drive-in vai ser igual a farmácia, vai ser um em cada esquina”, brinca.

Enquanto o saturamento não chega, a Dream Factory aposta num megaprojeto que contempla oito capitais brasileiras. Salvador está na rota. “Estamos em negociação”, diz o executivo. Batizado de Dream Park, o projeto está ancorado em seis eixos temáticos: cinema, música, esporte, palestra, infantil e comunidade (grupos por afinidade).

O lançamento estava previsto para este mês, no Rio, mas em função do avanço da pandemia no estado, a empresa recuou e aguarda o momento certo para dar o start.“Nossa expectativa é que até julho possamos fazer, mas isso vai depender de tudo correr bem e as autoridades entenderem que é o momento de flexibilizar. Até lá o que temos que estimular é que as pessoas fiquem em casa”, afirma.Em tempos de pandemia, oferecer serviços a clientes encapsulados em seus veículos virou uma alternativa também para o comércio. O serviço de drive-thru, antes restrito as redes de fast food, virou um aliado para os lojistas de shopping, que encontraram nesta prática uma forma de aliviar o estoque. Desde que a prefeitura liberou o serviço, a maioria dos shoppings aderiu ao serviço.

O Shopping Barra inaugurou o serviço num dos seus estacionamentos de olho na clientela do Dia das Mães e, segundo a gerente de marketing, Karina Brito, foi um sucesso. Ela explica que a operação consiste na compra por meio virtual e a entrega do produto é feita num dos boxes montados na área externa onde o cliente para o carro e recebe o produto – com todos os cuidados de higienização – sem sair do carro. “Começamos com poucos boxes e estamos expandindo para outros segmentos como acessórios, moda masculina e feminina, serviços, óticas, alimentos etc”, explica.

Enquanto esses novos velhos tempos não chegam, o remédio é ficar em casa. Sem brilhantina, mas com muito álcool em gel.História dos drive-insNa Bahia, pelo menos dois espaços de cinema ao ar livre funcionaram na cidade: um na Rótula do Aeroporto e outro nas imediações da Boca do Rio, ambos extintos. Agora, os drive-in prometem ressurgir repaginados e adaptados aos novos tempos. No Brasil, o Cine Drive-In de Brasília resistiu ao tempo e às mudanças na indústria cinematográfica e, depois de um período de decadência, foi tombado pelo Patrimônio Cultural do Distrito Federal. Recentemente a história de resistência do espaço foi contada pelos atores baianos Othon Bastos e Rita Assemany, no filme O Último Cine Drive-in, dirigido por Cao Hamburger. O primeiro drive-in foi criado  em 1933, em Nova Jersey, Nos Estados Unidos, pelo magnata Richard Hollingshead, que o montou na garagem de casa para sua mãe que não se sentia confortável nos cinemas comuns. O auge do negócio só aconteceu entre os anos 1960 e 1970, período em que se registro 4 mil cinemas do tipo no mundo.