Duda Mendonça: o publicitário que fez até Maria Bethânia gravar jingle

Um dos mais criativos da publicidade no país, morreu na segunda (16), aos 77 anos

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 17 de agosto de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo/Arquivo

Imagine ser genial a ponto de fazer a cantora Maria Bethânia querer gravar o jingle de uma campanha publicitária que você criou para um motel e, mais à frente, essa mesma canção virar trilha sonora do romance entre as personagens de Fernanda Lima e Marcos Pasquim em uma ‘novela das sete’ (19h) da Rede Globo. Pois essa ideia foi do publicitário baiano Duda Mendonça, que morreu nesta segunda-feira (16), aos 77 anos, em São Paulo, após dois meses internado no Hospital Sírio-Libanês para tratar um câncer no cérebro. 

A canção Cheiro de Amor (“De repente fico rindo à toa sem saber por que...”) é uma das obras que deixou como legado para a história da MPB e da publicidade com sabor de Bahia que, graças a ele, conquistou o Brasil e até Cannes, na França.

Além de lutar contra o câncer, Duda Mendonça foi diagnosticado, em junho, com a infecção covid-19. Ele teve o quadro de saúde agravado e precisou ser intubado. A notícia da morte do publicitário baiano foi dada pela manhã pelo colunista de O Globo, Lauro Jardim, gerando comoção entre artistas, publicitários e políticos, pois ele era também considerado um dos grandes nomes do marketing político e das campanhas eleitorais no país.

Trajetória

O filho caçula de Manuel Ignácio de Mendonça Filho, pintor e fundador da Escola de Belas Artes de Salvador, e Regina Cavalcanti de Mendonça, dona de casa, foi o criador do slogan "Lulinha, Paz e Amor" e da campanha das eleições presidenciais de 2002 que deu a vitória a Luís Inácio Lula da Silva. Mendonça também trabalhou com políticos como Mário Kértesz, Paulo Maluf, Miguel Arraes, Ciro Gomes e Paulo Skaf.

Mas a carreira começou muito antes de se aventurar na área política. Com a sua agência DM9, ele venceu vários prêmios nacionais e internacionais, como o Leão de Ouro, no Festival de Cannes, prêmio máximo da publicidade mundial, conquistado com um filme para as Óticas Ernesto. 

O curioso é que Duda Mendonça, apontado por seus pares como um profissional cheio de criatividade, inovador e empolgado pelo que fazia, começou a carreira como corretor de imóveis.

Ouça 'Cheiro de Amor'

Referência

Também publicitário, Joca Guanaes recorda que Duda Mendonça nasceu em 10 de agosto: a mesma data que um outro baiano responsável por levar o nome do estado natal para o Brasil e mundo, Jorge Amado. Duda era de 1944, Jorge de 1912. 

“Essa coincidência fala muito, não acho que seja à toa. Duda fez com que a publicidade nacional voltasse os olhos para a Bahia, trouxe grandes nomes para cá e nos fez referência porque seu trabalho mexia com algo muito nosso, que é a emoção. Não existia propaganda de Duda sem emoção, sem história, sem sensibilidade”, enumera Joca.

Outro publicitário, Nizan Guanaes, irmão de Joca, começou a carreira como estagiário de Duda Mendonça antes de se tornar sócio do mentor e, posteriormente, se afirmar como um dos gigantes da comunicação e da publicidade no país. "Ele me ensinou a falar com o povão, o que sabia fazer como ninguém. Cunhou frases que fazem parte da cultura do Brasil e que viraram expressão popular, como: 'Não basta ser pai, tem que participar'”, escreveu Nizan em seu Instagram.

Olhar sensível

Sensibilidade, diálogo e interpretação davam o tom do trabalho de Duda Mendonça desde a época em que era publicitário comercial, com as célebres campanhas para as Óticas Ernesto e, mais ainda, para a marca Gelol, onde cunhou a famosa frase lembrada por Nizan Guanaes. E essa sensibilidade continuou quando enveredou pelos trabalhos como marqueteiro político.

Estreou no ramo em 1985, na campanha de Mário Kértesz para prefeito de Salvador. A campanha venceu nas urnas e também no ramo, premiada como 'Melhor Campanha Política' do país. O mote do pmdbista era o coração: “Boa sorte, coração”, “Hoje tem festa no coração da cidade” e “Dispara, coração” eram frases que apareciam no material de campanha e que foram utilizadas anos mais tarde, em 1992, na também vitoriosa campanha de Paulo Maluf para a prefeitura de São Paulo.

Chief marketing officer (CMO) global da JBS, o publicitário baiano Sérgio Valente afirma que Duda Mendonça é para a publicidade tudo que a Tropicália representou para a música.

“A importância de Duda na publicidade, na minha cabeça, é paralela à importância da Tropicália para a música brasileira. Caetano, Gil, os caras que vieram com a tropicália inseriram a música baiana no cenário nacional, assim como Duda inseriu a publicidade baiana no cenário nacional, mas com uma única diferença: ele continuou morando na Bahia. Isso permitiu que surgissem outras várias gerações de publicitários e publicitárias baianas inseridos numa publicidade nacional", afirmou Valente.

Família

Duda Mendonça era marido de Aline Mendonça, pai de Alexandre, Eduarda, Léo, Lucas e Rafael Mendonça, além de padrasto de André Cabral. O filho Lucas se posicionou nas redes sociais. Em sua conta do Instagram, ele contou sobre a conexão, carinho e admiração que tinha pelo pai.

"Me sinto num palco sem plateia. Difícil ser o filho mais próximo. Ainda mais quando você se vai e essa proximidade significa que, em cada canto que eu olhe ou que eu vá, só me vem você à cabeça. Meus hobbies são os seus, meu trabalho é o que você me ensinou, minha filha tem seu nome, minha forma de pensar é baseada no que você pensaria, minhas comidas prediletas e meus lugares favoritos são os mesmos seus", escreveu.

O corpo de Duda Mendonça será sepultado no cemitério Jardim da Saudade, em Salvador, às 7h30 de quarta-feira (18).Mentor abriu caminho para novas gerações

Não é exagero dizer que Duda Mendonça foi o pai da publicidade moderna no Brasil. Se hoje as pessoas veem campanhas que usam da emoção e sensibilidade para emocionar ou levar alguma mensagem, o toque criativo - e o cérebro - de Duda estão presentes. Por gostar de gente, de rua, de movimento, o publicitário tinha uma capacidade de leitura popular aguçadíssima. E, por saber se comunicar tão bem, era um dos melhores no que fazia. É o que garante o publicitário Sérgio Valente, CMO global da JBS.

Duda repetia à exaustão que a vida foi muito generosa com ele, ao mesmo tempo em que defendia a tese de que "tudo na vida tem seu lado bom e seu lado ruim. O sucesso não é uma exceção”. 

Dono da Propeg, uma das concorrentes da DM9, Fernando Barros afirma que Duda dominava com facilidade a linguagem popular urbana e "isso passou a fazer uma diferença enorme nas campanhas porque, em todas as feitas por ele, trazia essa produção da rua para dentro das telas, sempre inventivo sem ser complicado. As campanhas dele nunca foram muito complicadas, não precisava pensar muito, não. Você olhava e se enxergava nela".

Pessoalmente, ele era uma pessoa bastante entusiasmada e dedicada aos amigos. Apaixonado por Taipu de Fora, na Península de Maraú, gostava de fazer festa, jogar baralho e pescar. "Ele sempre se aproximou e permitiu aproximação".

A empresária Lícia Fábio, que trabalhou com ele na DM9, lembra também que era um apaixonado pelo Bahia e gostava muito de futebol. Por sua vez, Joca Guanaes afirma que Duda também era um educador: "Ele ensinava e gostava de ensinar".

Uma unanimidade quando se fala em Duda Mendonça é que ele foi protagonista de um movimento que tirou a Bahia da periferia e colocou no centro. Seu trabalho trouxe profissionais gabaritados do eixo Rio-São Paulo e fez com que toda uma geração de publicitários crescesse em ambientes cheios de referências e qualificação. 

E isso fortaleceu, também, a concorrência, criando um ambiente competitivo saudável, de altíssimo nível na publicidade praticada na Bahia.

Cinco trabalhos marcantes de Duda Mendonça

1. Eleição de Lula – O publicitário assinou a campanha do ex-presidente Lula, quando ele se elegeu, em 2002 e criou o slogan que impulsionou a candidatura: "Lulinha, Paz e Amor";

2. Óticas Ernesto - O filme de pouco mais de 3 minutos, em que dois jovens flertam, ambos usando óculos, ganhou o Leão de Ouro no Festival de Cannes;

3. Gelol - O filme para a pomada Gelol conta a história de um pai que acorda cedo para levar o filho pequeno para jogar futebol e termina com outro slogan criado por Duda que entrou para a história e o vocabulário do brasileiro: "Não basta ser pai, tem que participar";

4. Corações - Duas campanhas políticas mostram como Duda gostava de sensibilizar as pessoas. A campanha de Mário Kértesz para a prefeitura de Salvador, em 1985, passava a ideia de que votar no candidato era dar uma chance ao coração. Fez tanto sucesso que, em 1992, a campanha de Paulo Maluf para a prefeitura de São Paulo também seguiu essa linha;

5. O Motel e Bethânia - Duda era compositor. Escreveu um jingle para o Motel Le Royale no final dos anos 1970 que chamou a atenção de Maria Bethânia. A cantora ficou encantada com a música, entrou em contato com Duda e pediu para gravá-la. Ele liberou e Bethânia encomendou mais alguns versos para os compositores Jota Moraes e Paulo Sérgio Valle. Cheiro de Amor foi lançada no álbum Mel, um dos mais sensuais da carreira da artista.

POLÍTICOS, ARTISTAS E PUBLICITÁRIOS LAMENTAM PERDA:"A Bahia e o Brasil perdem um ícone da publicidade. Duda Mendonça revolucionou a comunicação no país  com muita criatividade e inovação. Que Deus possa confortar a todos os seus familiares e amigos neste momento de profunda tristeza, ACM NetoPresidente do DEM e ex-prefeito de Salvador"Eu comecei a minha carreira como estagiário do Duda Mendonça. E ele me ensinou a falar com o povão, o que sabia fazer como ninguém. Cunhou frases que fazem parte da cultura do Brasil e que viraram expressão popular, como: 'não basta ser pai, tem que participar'. RIP, seu Duda, Nizan GuanaesPublicitário baiano"Duda, Mendonça ou 'Sansão' para os mais intimos, deixa-nos com lembranças muito intensas, como foi sua vida. Foi um brilhante publicitário com indiscutível talento, especialmente para o marketing politico. De todos nós era o que melhor traduzia para suas campanhas a linguagem de rua, o chamado popular urbano. Ele vivia ali, junto e misturado com o povo e seus hábitos. Tinha amigos em todas as classes, os quais acolhia generoso em sua casa de coração grande. Em todas as campanhas que fez incluía os traços e trejeitos da gente brasileira. Fez escola, rompeu padrões, todos aprendemos com ele. Sinto sua partida, Fernando BarrosPublicitário e fundador da Propeg"Triste dia, mas não falarei de tristeza porque não combina com a gente. (...) Sempre me lembrarei com muito carinho, respeito e admiração de todos os momentos, de todas as palavras e dicas que você me deu nessa vida. Como amigo, escrevemos a mão músicas, desenhos e rabiscos. Artes que levarei comigo por toda a vida, Durval LélisMúsico, vocalista da banda Asa de Águia“Lamento a morte do baiano Duda Mendonça. Publicitário que teve o seu talento reconhecido no Brasil e no mundo. Meus sentimentos para familiares e amigos, Rui CostaGovernador da Bahia"A gente fica muito triste. É normal. Mas ultimamente tenho pensado de outra forma. Que é pensar e celebrar a vida que ele teve. E ter o privilégio de quem conviveu com ele. Aprendi muito com Duda Mendonça e me orgulho disso", Mário KérteszEx-prefeito de Salvador e radialista"Duda tinha uma mente brilhante e levou a publicidade baiana para um outro patamar, quebrando barreiras com sua competência, criatividade e sensibilidade. Fará muita falta, Joca GuanaesPublicitário"Duda Mendonça foi um gênio da comunicação política. O seu trabalho na campanha de 2002 já está na história como uma das campanhas mais bonitas e sensíveis da nossa história. Em um momento em que o Brasil sofria com uma crise aguda, racionamento de energia e miséria, Duda Mendonça produziu filmes e mensagens de muita sensibilidade, de que a esperança venceria o medo. Aos seus familiares e amigos, meus sentimentos, Luís Inácio Lula da SilvaEx-presidente "É uma perda irreparável. Duda foi um divisor de águas no marketing político brasileiro. Para nossa área, teve o mesmo significado de Boni para a TV brasileira: criador de estilo e renovador de linguagens. Todos nós devemos muito a ele", João SantanaPublicitário"Este é um dia muito triste para todos nós. Duda marcou a vida de muitos com seus trabalhos, a publicidade perde um grande nome. Neste momento lembramos do legado que ele deixou, da importância que teve em nossa área e sempre lembraremos dessa forma: com respeito e alegria por suas conquistas. Descanse em paz, Duda, Américo NetoPresidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade)"Infelizmente temos a triste notícia do falecimento dele nesta manhã. Aos 77 anos, Duda estava internado no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, há dois meses. Ele deixa um legado para o marketing político nacional e do mundo", João LeãoVice-governador da Bahia“Duda era um apaixonado pela família, pela Bahia, sua gente e belezas naturais. Comunicava com essa mesma paixão, trabalhando de forma leve e riso solto, buscando emoção e empatia nas estratégias de comunicação que planejava de forma sempre intensa e cuidadosa. Ele, certamente, de forma pioneira nos seus projetos e campanhas, projetou nosso mercado para além do país. Cada prêmio que ele ganhou na vida foi um prêmio também para o mercado publicitário baiano. Lamentamos profundamente sua partida, e seguiremos gratos por suas vitórias, honrando seu legado. Carreira brilhante, Ana CoelhoPresidente da ABMP (Associação Baiana do Mercado Publicitário)"Era um apaixonado pela Bahia, falava daquela coisa bonita que era a luz do fim da tarde baiano, um azul indescritível. Um amigo, parceiro, bom pai, bom companheiro. A Bahia perde muito por conta de toda essa sensibilidade, essa beleza que a publicidade e as campanhas dele traziam. Ele dava uma pegada humana e familiar em suas propagandas. Ele não era um publicitário, era um artista da palavra, da imagem, do som, Licia FabioEmpresária do setor de entretenimento"Com pesar, Fátima e eu recebemos a notícia da morte do publicitário baiano Duda Mendonça. Um profissional que deixa como marca o brilhantismo nos trabalhos que realizou ao longo de sua trajetória. Nossa solidariedade aos seus familiares e amigos, Jaques WagnerSenador e ex-governador da Bahia"Ele abriu a publicidade para baianos, acreditou que era possível numa época em que isso era impossível. O primeiro e único brasileiro a ganhar o Leão de Ouro em Cannes como criador e diretor. Pouquíssimos no mundo fizeram isso. Duda, pra mim, era uma pessoa muito generosa em ensinar, educar e abrir portas. E tinha uma sensibilidade absurda para entender nuances, necessidades, carências do povo. Ele era calejado em entender o Brasil e como expressar o que as pessoas queriam, Sergio GordilhoCEO da Agência África"Expresso meus sentimentos a esposa, filhos, família e amigos de Duda Mendonça, a quem devemos sempre agradecer pela contribuição ao longo de toda história do Partido dos Trabalhadores, em quase todas campanhas eleitorais importantes para o partido até 2004. Agradecemos muito a sua criatividade e disposição de ajudar os nossos objetivos maiores, como eleger Lula pela primeira vez em 2002, Eduardo SuplicyVereador de São Paulo"Duda é um dos maiores criativos baianos de todo os tempos, foi precursor da alta qualidade criativa da publicidade baiana e brasileira. Campanhas memoráveis para Óticas Ernesto, Gelol, campanhas políticas vencedoras e, a mais visível delas, a de Lula em 2002. Compôs músicas e uma delas gravada por Maria Bethânia. Um grande perda para nossa publicidade baiana e brasileira, era amigo de meu pai, Fernando Carvalho, falecido em 2016, Claudio CarvalhoPresidente da Morya"A importância de Duda na publicidade, na minha cabeça, é paralela à importância da Tropicália para a música brasileira. Caetano, Gil, os caras que vieram com a tropicália inseriram a música baiana no cenário nacional, assim como Duda inseriu a publicidade baiana no cenário nacional, mas com uma única diferença: ele continuou morando na Bahia. Isso permitiu que surgissem outras várias gerações de publicitários e publicitárias baianas inseridos numa publicidade nacional, Sérgio ValenteChief marketing officer (CMO) global da JBS"Ele conquistou feitos que eram impossíveis para a Bahia, com menos recurso e muito mais criatividade. Duda tinha uma criatividade nata. Era um visionário, dono de uma capacidade extraordinária de contar histórias, de vender o produto sempre procurando abordar a emoção. Ele sabia que a emoção vendia bem. Histórias com emoção é a marca registrada de Duda Mendonça, que deixa um legado eterno. Não era a hora dele partir, sua morte traz uma tristeza que não sei descrever. Duda é o pai da propaganda moderna aqui na Bahia, Vera RochaPresidente da Sinapro e CEO da Rocha Comunicação"Duda Mendonça deixa um legado que jamais será esquecido. Um criativo notável  que mudou a publicidade baiana e brasileira. Respeitado por todos nós que hoje prestamos nosso respeito pelo seu falecimento. Duda foi um especial ser humano. Dia muito triste para todos que o conheceram e conviveram com ele. Dia de reflexão para todos nós neste difícil momento que vivemos no Brasil. O talento de Duda está escrito na história da publicidade brasileira, Sergio AmadoPresidente Abap Brasil