É proibido acertar: a pandemia e a falta de bom senso no futebol brasileiro

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  • Gabriel Galo

Publicado em 22 de junho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Está escrito na pedra, à tinta de caneta piloto: quaisquer sugestões que apelem ao bom senso no mundo do futebol estão proibidas. É como se todos os envolvidos nas decisões que afetam o esporte tivessem tomado uma pílula que dá acesso a um mundo inverso e perverso, onde frases de efeito são soltas na base do grito histérico descontrolado, sem contato com a realidade.

E olhe que eu entendo o aspecto de crença que envolve o mundo do futebol. Torcer é, sobretudo, uma profissão de fé. Mas a superstição, em níveis saudáveis, se restringe àquilo que se percebe dentro de campo. Já há um tempo se havia inaugurado a torcida de dirigente. Mas agora se chega a novos patamares, inaugurando torcida pelo impossível.

Crer na boa capacidade de gestão de alguns políticos é inconcebível. No Rio de Janeiro, por exemplo, o descalabro é levado às últimas consequências. Mas sempre há um pouquinho onde se avançar.

Aos que se vestem de noções básicas de bom senso e que sabem as quatro operações aritméticas com alguma desenvoltura, como Botafogo e Fluminense, opta-se pelo castigo birrento. E ninguém se entende. Vai jogar, não vai mais. Marca a data... É mentira! (Viva São João!) Tudo isso mesmo enquanto a pandemia mantém seu despudor mortal. Chamem o João Kleber para prefeito do Rio de Janeiro, o Ivo Holanda para vice, o Sérgio Mallandro para a secretaria de Saúde.

Mais ao norte, em outra província lambuzada de escárnio, resolveu-se que não há problema que não se resolva com um bom grito destemperado. O novo coronavírus avança? Liga na casa do vírus e fala umas boas verdades no pé do ouvido do sacrista. E se ele continuar? Claramente um vírus comunista cheio de intenções políticas. O balanço do clube não fecha? Não seja por isso. Liga o microfone e se esgoela até a planilha tremer diante do balido que tudo pode. E se tudo der errado, desliga tudo e ataca quem se dispuser a ajudar. Na meritocracia do berro, a garganta mais poderosa tem vantagem.

No mundo invertido a matemática é simples: é só multiplicar o que vier por -1 e tudo vira do avesso. Pra qua complicar a vida quando se tem a via da negação?

Quando a premissa do processo decisório é a de que se é proibido acertar, a batalha para reinstauração do bom senso não se dá no octógono, único local onde os truculentos conseguem operar. É necessário restabelecer os tribunais adequados, com regras civilizatórias estruturadas e que não aceitam o rompimento dos modos justos de convivência.

Nesse ínterim, talvez o espetáculo patético e frio do Maracanã nesta semana, a se repetir em breve, sirva para que se evidencie a impossibilidade do retorno. Que se restabeleça a verdade do que é mais importante no momento e na irresponsabilidade representada pelo discurso de ataques e achincalhe da ciência. Mas nesse caso, talvez eu seja aquele que esteja torcendo pelo impossível.

Gabriel Galo é escritor