'É uma dor imensurável', diz pai que acusa PMs por morte de filho

Estudante Bruno Damasceno Brito, 17 anos, tinha ido pescar com amigos na Lagoa do Abaeté

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  • Bruno Wendel

Publicado em 15 de julho de 2019 às 18:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

O estudante Bruno Damasceno Brito, 17 anos, era portador de epilepsia e sempre andava acompanhado do pai. “Por conta do problema de saúde, ele sempre saía comigo. Não desgrudava de mim. Trazia comigo para onde fosse”, lamentou Antônio José Silva Brito, 42. Hoje, infelizmente, Antônio carrega Bruno apenas no coração. Na última quinta-feira (11), o filho resolveu pescar com três rapazes, entre eles o irmão, na Lagoa do Abaeté. em Itapuã. Só que Bruno não voltou para os braços do pai. O corpo estava no Hospital Menandro de Faria, em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador (RMS), com uma marca de tiro na cabeça. 

“Meu filho tinha crises constantes, fazia uso de remédios controlados, tinha acompanhamento médico no [Hospital Geral] Roberto Santos. Ele era um menino direito. Estudava e trabalhava também. E se ele tivesse feito algo de errado, teria que levá-lo à delegacia e não o que fizeram com ele. Isso foi um extermínio”, desabafou ao CORREIO Antônio, armador de ferragens em construção civil, na manhã desta segunda-feira (15). Ele atribui a morte do filho à uma execução promovida pela Polícia Militar. “Quero justiça. Isso não pode ficar assim. Não foi uma troca de tiros. Mataram o meu menino”, complementou.Ele exibe um relatório médico do Hospital Geral Roberto Santos, emitido no dia 04 de novembro de 2014, atestando que Bruno era paciente da unidade num tratamento “neurológico por quadro de epilepsia de difícil controle e déficit cognitivo com comprometimento do comportamento”, afirmou.

Bruno cursava 1º ano do ensino médio do Colégio Estadual Mestre Paulo dos Anjos, no Bairro da Paz. Alunos, professores, amigos e parentes de Bruno farão um protesto às 11h desta terça-feira no bairro. Antônio, pai de Bruno, conta que o filho sempre saía com ele (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Tiros O CORREIO conversou com o irmão de Bruno, um dos três jovens que saíram para pescar na tarde da última quinta-feira (11) na Lagoa do Abaeté. O rapaz, por uma questão de segurança, não terá o nome revelado. Ele disse que chegaram ao local por volta das 13h.

“Nesse dia, meu irmão sozinho pescou quatro peixes. Ele estava feliz porque tinha ganhado a aposta com um amigo que estava com a gente. Por volta das 17h, já estava escurecendo e resolvemos ir embora. Já perto da saída da lagoa, Bruno voltou para buscar a sandália. Um amigo nosso foi com ele”, contou. 

O irmão de Bruno disse que, dois minutos depois, ele e o outro que ficou escutaram uma rajada de tiros e em seguido o amigo que tinha voltado com Bruno correndo na areia gritando “É um assalto, é um assalto”.“Então, fui atrás do meu irmão, porque sabia que ele estaria com medo, estava sozinho e já foi assalto uma vez quando veio pescar com o meu pai. Mas, apareceram dois policiais militares, um segurando uma carabina e o outro com uma pistola”, disse o irmão de Bruno. Ele disse que explicou aos policiais que estavam ali por que tinham acabado de pescar, que procuram o irmão dele que tinha epilepsia e que correram após ouvir as rajadas. “Nesse momento, um dos policiais entrou na mata e o outro ficou com a gente. Mandou que ficássemos de joelho e de costas para ele e começou a fazer um monte de perguntas e revistando a nossa mochila, onde encontrou somente material de pesca, como isca e anzol, e os peixes. Ficamos sendo interrogado por quase uma hora até ouvirmos o primeiro tiro. Cinco minutos depois, escutamos o segundo tiro vindo da mata”, relatou o rapaz. 

O irmão de Bruno disse que, após os dois tiros, o policial que estava com ele e os outros dois amigos mandou todos levantaram e olharem para ele. “Foi quando o policial começou a tirar fotos de nossos rostos e das tatuagens, quem tinha”, contou. Dez minutos depois o segundo policial saiu da mata e o irmão de Bruno perguntou ao PM sobre o paradeiro dele.

“Nervoso, o PM disse: ‘Ele está sendo atendido’, dando a entender que o meu irmão era socorrido para algum lugar. Então, o mesmo o policial obrigou a todos nós a entrar na lagoa e parar quando a água chegasse ao pescoço. Meu amigo chorava e perguntava pelo meu irmão, eram muito amigos, o policial gritava apontado a arma para a agente: ‘Cala a boca, desgraça! Faça logo o que estou mandando’. Eles saíram e ficamos lá, por quase duas horas, quando decidimos sair por conta própria”, relatou a testemunha. 

Procurada pela reportagem, a Polícia Militar voltou a afirmar que o crime será investigado por meio do Inquérito Policial Militar (IPM), já instaurado pela corporação. O CORREIO também procurou a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA), que, por meio da assessoria, se limitou a reforçar que a apuração do crime está atribuída à PM. Irmão de Bruno, que não terá o nome revelado, estava pescando com ele quando os policiais chegaram (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Hospital No caminho de casa, o irmão de Bruno encontrou com a mãe no KM-17, uma comunidade vizinha ao Bairro da Paz. “Ela chora muito por que Bruno nunca era de passar do horário. 17h ele já estava em casa. Ela estava preocupada, mas parecia estar adivinhando”, disse o irmão. Então, a família iniciou uma busca pelo rapaz. O irmão, o pai e alguns moradores do Bairro da Paz voltaram à Lagoa do Abaeté, mas nada. “Falamos com algumas pessoas que circularam por perto e sem respostas”, disse o irmão. 

Foram para à Unidade de Pronto Atendimento de Urgência (UPA) de Itapuã e também nada de notícias de Bruno. Decidiram ir à 12ª Delegacia (Itapuã), mas Bruno não estava lá. Foi quando o irmão decidiu ir sozinho ao Hospital Menandro de Faria, em Lauro de Freitas.

Quando estava no Serviço Social, ele cruzou com um funcionário da unidade médica: “Ele segurava um papel e, quando passou muito perto de mim, disse para uma pessoa: ‘tem o caso do Abaeté que chegou às 19h30’. Algo me disse que ele falava do meu irmão. Fui até ao funcionário, contei toda a situação e disse que só poderia ser Bruno a pessoa de quem ele falava. Foi quando ele me levou para a pedra e vi o corpo do meu irmão”, contou o rapaz.

Dor Bruno era o filho caçula de Antônio. “Era muito grudado comigo. Depois que ele teve duas sérias convulsões, uma aqui no bairro, ele só saia sozinho. A maioria das veze comigo. Já cheguei a levá-lo ao meu trabalho, por muitas vezes trabalhou comigo no Carnaval no isopor, era um menino de dar orgulho”, lamentou o pai, enquanto olhava fixamente uma pulseira no pulso esquerdo. “Foi ele quem fez. Ele fazia várias e vendia na escola aos colegas por R$ 2. Certa vez, não tinha dinheiro para pagar a passagem do ônibus, e ele me deu do trabalho artesanal dele”, lembrou.