Eles batem porque a gente deixa, besta

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 17 de julho de 2021 às 11:05

- Atualizado há um ano

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Não vou poder falar da caquinha do presidento entupido (droga!), hoje vai ter que ser beabá

Voltando de mini-folga, tranquila da minha vida (não acompanhar as notícias fez bem) e das primeiras coisas que aparecem na minha frente é um homem feio feito a necessidade (que bicho horroroso, cruzamento de Silvio Santos com Gugu) se sentindo no direito e poder de bater na própria esposa ("se fosse bonito podia?", olhe, não comece não, viu?). E batendo de verdade. Isso, com várias testemunhas inertes, nos vídeos que registraram as agressões. Inclusive a mãe da moça agredida. Aí, a pessoa aqui pensa: não vou poder falar da caquinha do presidento entupido (droga!), hoje vai ter que ser beabá de "não pode deixar homi crescer desse jeito". De volta ao começo, de volta ao começo... larará. Tá bom. Que jeito?

(Quantas idas e vindas a gente precisa fazer no mesmo assunto?)

(Várias.)

Eles batem porque a gente deixa, besta. "Ainn, quem é 'a gente', você está culpabilizando a vítima". Tô não, criatura. Me poupe. A gente é todo mundo (sociedade machista e tal bote aqui todas as porcarias derivadas disso), mas é também a gente mulher que segura touro pelo rabo, cuida de sete crianças ao mesmo tempo, ganha o dinheiro do sustento, dá entrevista, faz live, cozinha o almoço e lava os pratos, mas não consegue pegar uma poha de uma cadeira e rumar no lombo de uma desgraça daquela assim que ele vacilar. Mainha quase morre de raiva quando reparou isso na mãe da moça que apanhava. Ela não fez nada. Nenhuma das duas fez. Ambas paralisadas, olhando pra baixo, enquanto ele batia na arquiteta, sem qualquer resistência. Mas que diabo é isso, pelo amor de deus?

Subserviência. Medo. Respeitar macho ruim. Coisa que tentaram me ensinar, porém não aprendi, inclusive se algum, um dia, resolver levantar a mão pra mim, é bom nunca mais cochilar do meu lado que tem uma técnica ancestral aqui no Recôncavo que eu nem lhe digo nada. Aliás, já levantaram mãozinha e tiveram que baixar, com "xutos & pontapés" igual ao nome daquela banda portuguesa de rock dos anos 70. Com testemunhas porque se quebrasse o pescoço na escada e morresse eu teria que provar legítima defesa, já que naquele tempo não tinha câmera de segurança nem celular que gravasse. Hoje tá bem mais fácil, inclusive. Nas câmeras, ficam registradas causas e consequências, nem precisa explicar nada na delegacia que tá tudo lá.

Sim, eu sei de toda a problemática. Não preciso de aula sobre as questões psicológicas, econômicas e sociais envolvidas. Eu sei mesmo, pode acreditar. Se não acreditar, pode ler uns artigos anteriores e você vai ver que tenho total noção de que boa parte dessas mulheres apanha porque nós (coletivo) construímos becos sem saída, armadilhas e tal. Sim. Mas, muitas delas, um dia, reagem. Tipo a ex-mulher do filhote de crendeuspai acima citado. Se podem reagir na centésima vez, precisamos, todas, aprender a reagir na primeira que o "custo" será o mesmo, mais sairemos sempre menos prejudicadas. Antes, antes, tem que ser antes.

É ZERO GRITO, é NENHUM empurrão, é quebrar um total de ZERO móveis ou maquiagens. Esse é o certo. As "pequenas" violências permitidas vão fazendo com que ele cresça, ganhe espaço, se ache. Dificilmente, a grande agressão é a primeira. Começa devagar "eu tava nervoso", "desculpe, meu amor" e a abestalhada dizendo que "tudo bem". Eles testam, observam se vai rolar. Porque são agressores, em si, independente do que façamos, mas boi sabe onde arromba cerca e, dificilmente, um deles vai bater em mulher "maluca". É esse o adjetivo a buscar. Que a "maluca" que eles falam é o que somos quando saudáveis. Da "maluca" eles têm medo. Então, é mostrar logo a "maluquice" toda, na primeira oportunidade.

Gritou? Gri-ta de vol-ta. Em público. Na janela. Dizendo o nome do desinfeliz. Empurrou? É polícia. Violência patrimonial? Documentar e processo. Preguiça de processar? Então, publicação em tudo que for rede social, pedindo pra ele pagar o prejuízo. Tudo isso, seguido de sumiço, claro. Que nenhuma de nós precisa de homem. Pode querer e gostar, mas não precisa. Se precisar, é sintoma a ser cuidado - emocional ou social - assim como aquele sintoma de se perceber frágil sendo quem carrega a família nas costas, de forma metafórica e literal.

Mulheres apanham e são mortas em casa. Essa é (quase) uma regra da violência doméstica. Muitas vezes, nas casas sustentadas, lavadas, varridas e abastecidas pela mulher da casa. Uma situação que nos limita, sobrecarrega e diminui, mas também tem suas vantagens. Pense aqui comigo: se é mantida e cuidada por você, sua casa é abrigo e território conquistado. Assim deve ser. Espaço sagrado onde nenhum deles devia, como se diz, "se ousar". Até porque, quem aguenta fazer faxina, consegue meter a vassoura na cabeça de um com vontade. Pra quebrar. A cabeça, claro. Quem cozinha todo dia, sabe onde está a faça mais amolada. Quem faz o café , sabe ferver uma água pra jogar em cima de treinee de assassino. Se a estrutura é machista e a violência é doméstica, a defesa (legítima) também está lá. Falta é crescer, se apropriar, confiar na cabeça e no corpo. Que sabe parir, inclusive. Que dirá... bom, você entendeu, deixa pra lá. ("Ainnnn, tá estimulando a violência?")

(Não, só tô cansada de ver mulher se lenhar na mão qualquer babaca.)

(Um salve às "malucas".)

("Insuportáveis", mal faladas, mas em paz.)

(Eles têm que parar de agredir, mas, enquanto isso, a gente precisa começar a revidar.)

(Nenhum homem pode bater em uma mulher, deitar ao lado dela e dormir em paz.)