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Waldeck Ornelas
Publicado em 23 de junho de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
O Brasil tem feito sucessivos programas de estabilidade fiscal, fez outros tantos de estabilidade monetária, todos buscando a estabilidade econômica; agora chegou a hora e a vez do país fazer um amplo Programa de Estabilidade Social! Que seja este o saldo positivo da pandemia do novo coronavírus. Quando ministro da Previdência e Assistência Social cheguei a criar, executado pelo INSS, um programa com esta denominação. Cuidava então de sensibilizar as diversas categorias de autônomos e informais para a necessidade de filiarem-se à Previdência, para assegurarem aposentadoria; objetivava ampliar o número de contribuintes individuais. Era um propósito necessário, mas insuficiente. Mesmo o MEI, criado há mais de dez anos, não foi capaz de incorporá-los.>
A estabilidade social pressupõe renda no trabalho e na inatividade, indispensável para assegurar mínimas condições de vida. Em qualquer hipótese há a necessidade de ações públicas que, de forma complementar, beneficiem a nossa população mais pobre, suprindo-lhe bens e serviços que de outra forma não consegue dispor. >
A ampla base da pirâmide social foi agora plenamente revelada e abrange não apenas os contribuintes individuais do INSS, mas também os MEI – microempreendedores individuais, os beneficiários da bolsa-família, os pobres que estão no CadÚnico mas acima do patamar da bolsa-família e, finalmente, os autônomos “invisíveis”, cerca de vinte milhões de trabalhadores, que foram somente agora identificados, por conta do coronavoucher. Soma-se um universo de mais de 60 milhões de brasileiros! >
Agora que estão todos identificados, o Estado não pode mais perdê-los de vista. Mas não é para tratá-los com uma visão predominantemente fiscal. O CPF, que é o cadastro mais abrangente de que dispomos – ainda agora ampliado para incorporar os “invisíveis” – consolida-se definitivamente como o número de identificação do cidadão brasileiro. Que continue administrado pelo ministério da Economia, mas precisa deixar de ter finalidade apenas fiscal, para passar a ser o instrumento de ação pública de todo o governo federal e de todos os níveis de governo – estados e municípios também.>
Primeiramente será preciso consolidar todas as bases de dados e reunir esse imenso contingente de brasileiros para, em face das suas características, redesenhar toda a política de assistência social do país. É certo que durante esta fase aguda da crise a União tratou de assegurar renda mínima, e o faz de forma geral; as prefeituras municipais prestam assistência social, algum atendimento médico e, eventualmente, até apoio financeiro suplementar; os estados-membros da federação reservaram-se ao atendimento médico-hospitalar.>
No novo desenho, à União caberá, necessariamente, manter um programa de transferência de renda, que deverá resultar da revisão e reestruturação das políticas atualmente existentes, a que só o bolsa-família não corresponde, como ficou agora demonstrado. Há um papel fundamental e estratégico a ser assumido pelos municípios, nível de governo que está em contato direto e convive diariamente com todo esse contingente populacional, mas é preciso reconhecer que lhes faltam meios financeiros, técnicos e gerenciais. Ultrapassada a pandemia, é preciso que os estados-membros assumam importante parcela de responsabilidade na integração socioeconômica dos que compõem a base da pirâmide social. E isto deverá ser feito em apoio aos municípios – principalmente os mais frágeis, que são a maioria – para assegurar uma virada de página nesse terrível cenário social que o nosso país ainda apresenta. >
Dessa nova estratégia precisam emergir novas relações de trabalho, programas de capacitação, apoio à organização dos mercados, políticas de habitação, educação e saúde, apoio integral à família, e outras tantas. Ações federais, estaduais e municipais, articuladas e integradas, haverão de ser capazes de manter à luz do sol todos esses brasileiros.>
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional e ex-secretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia da Bahia.>