Em louvor ao craque Guiguio

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  • Paulo Leandro

Publicado em 10 de março de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Nestes tempos de mesquinhez, banalizada nos risos de crueldade de um chefe de Estado, ao sapatear sobre 265 mil corpos, rumo a 2 mil por dia, pela covid, a finitude de um ex-jogador pode soar comum, sem nenhum sentimento ou nesga de humanidade.

Felizmente, a frieza não alcançou a todos, mas alguns, daí esta coluna ter sido escrita em luto, ao tomar conhecimento, pelo confrade Antônio Matos, do óbito de Agnaldo, conhecido por Guiguio, quando a boleiragem podia renomear-se por “apelides criatives”.

Sejamos honestos: muito antes de o risonho Coringa controlar a porteira deste vasto curral, já podia-se perceber o quanto os obituários perderam a relevância, enquanto última notícia de louvor, aquele conforto a toda a comunidade pela dor coletiva.

É possível supor termos esfriado o coração, muito antes de a pandemia tê-lo congelado, a ponto de não reagirmos contra médicos irresponsáveis a receitar vermífugos e apoiar tratamento precoce, em meio a gracejos de quem é inimputável, pela insanidade.

Vamos, hoje, recuperar o antigo hábito de lembrar de quem parte, com o devido carinho, sabendo-se a vida extinguir-se ao final de uma epopeia iniciada com a infelicidade do nascimento.

Vamos dedicar o próximo Ba-Vi de sábado à memória de Agnaldo Ferreira de Souza, jogador estudado na disciplina História do Futilbol Baiano II, no nosso imaginário semestre letivo informal da Unibola.

Afirma minha fonte ter Guiguio defendido Vitória e Bahia, pela ordem, no final dos 1950 e início dos 1960, após começar carreira no brioso Guarany de Brotas, homenagem à chacinada nação indígena, o incrível campeão de 1946.

Foi Guiguio um dos heróis rubro-negros campeões de 1957, despontando no time de aspirantes, de vez em quando ganhando oportunidade no principal pois conquistara confiança do treinador Pedrinho Rodrigues.

O Vitória não tinha uma defesa, mas um quartel ou fortaleza medieval, daquelas de ponte elevadiça, com Albertino, Valvir e Eloy; Pinguela, Nelinho e Boquinha. Na posição de médio ou na zaga, Guiguio era o reserva sempre pronto a colaborar.

Já no Bahia, Guiguio excursionou à Europa, na segunda viagem ao mundo dos colonizadores, quando a Boa Terra parou ao receber de volta a delegação a honrar as cores do Estado, em 1960, ano de estrela da I Taça Brasil.

Guiguio, informa-nos Mattos, foi jogador estilo clássico, destes sem chance no jogo de combate da atualidade (símil a um UFC com bola), um craque disciplinado, incapaz de lesionar o companheiro de ofício.

Irmão de Louro, do São Cristóvão, e Dermeval, do Guarany, numa era na qual todo time, mesmo o considerado pequeno, tinha orgulho de formar quadro admirável, de onde os clubes maiores recrutavam talentos, pirâmide hoje inexistente.

Embora tenha servido com denodo ao Bahia, Guiguio era torcedor declarado do Vitória, tendo atuado ainda pelo Galícia e Ypiranga, referência também como craque ético, pelo seu caráter irreprochável, uma das razões pelas quais tornou-se treinador.

O cadáver é concreto, material, irrefutável, mas a morte reina na abstração, uma vez nunca a encontrarmos, pois enquanto nós existimos, ela não está; quando a finitude chega, não a testemunhamos (Epicuro, confirmem). A Guiguio, nossa homenagem.

Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade