Enquanto a cidade dorme

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  • Kátia Borges

Publicado em 9 de agosto de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Imaginar se é cedo, sentir que é muito tarde. Toda insônia oscila entre conferir ou não as horas. Até os ponteiros desistem e desertam de seus postos. Em fuga dos relógios, podem ser vistos livres, bebendo, comendo a pizza do sábado, cortando baralho cigano, contrabandeando cigarros, trapaceando no jogo.

Como se rissem, embaralham dezenas de páginas e sugerem a missão da noite: é mister organizá-las. É simples e fácil, dizem, basta evocar a octogenária de Borja e começar pelo restauro dos sonhos todos da infância aos moldes do Ecce Homo. É simples e fácil, dizem, como perscrutar o silêncio, compassos e passos, a música.

Quem será que anda agora por essas ruas desertas? A feia cidadela, a bela falha da encosta, o rosto vivo da escarpa que se desenha no mapa trazido de Portugal. “Algum dia, irás gostar dela”, vaticinou um amigo, há tempos agora idos. Toma cuidado com as rimas quando escreveres a prosa. Era linda a festa, pá, apenas porque era a nossa.

Nem só de sono se vive, nem só de sonho se vive. De olhos abertos, em declives, histórias vão revolvendo paixões que erram, devires. Mas, para onde os amores vão, quando já não há alegria? Um barulho começa ao longe, vem se aproximando aos poucos, como se os ouvidos controlassem, da noite, qualquer ruído.

E chegam assim, em capítulos, como se a mente rabiscasse um romance que não se completa. Todos os papéis numerados, espalhados pelo assoalho, seguem em busca de um sentido (ainda que seja falso). Escreve! Um zunido forte e, de repente, silêncio. Nas infovias desertas, lanço o nome de minha avó.

Há milhares, milhões de Alices. E nenhuma se ergue árvore. Há milhares, milhões de Anas. E nenhuma se iguala aos mares dos olhos de minha avó. Toda insônia oscila entre desistir ou não, essa ação tão subestimada. Escreve! Escreve! Desiste! Escrevo pelo meu pai, que hoje se distancia. É tudo, isso me guia. É tudo isso e é só.

Para entender Salvador, e o povo que nela vive, é preciso resgatar o nó do seu sítio irregular, desfeito ao transformar todo defeito em defesa. Assim se guarda a costeira e tudo que é beira-mar e, mais, o que faz fronteira. Toma cuidado com as rimas internas quando escreveres a prosa. Era linda a festa, pá, apenas porque era a nossa.