Entenda o que é a Dark Web e como ela virou esconderijo para o crime

Especialista fala sobre a necessidade de proteger crianças e jovens das ameaças digitais

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  • Laura Fernades

Publicado em 19 de março de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ilustração: Morgana Miranda

Ainda não sabe o que é a Dark Web? Faça um exercício: imagine uma rua perigosa que deve ser evitada. Escondida no centro de um bairro formado por avenidas seguras, a tal rua é o cantinho favorito dos bandidos. A Dark Web funciona da mesma forma: por conta do difícil acesso, esconde todo tipo de criminoso. Por causa disso, chegou a ser apontada, junto com os jogos violentos, como uma das responsáveis pelo massacre de Suzano.

Os assassinos, um de 17 anos e outro de 25, conheciam a fundo a Dark Web e eram fãs de jogos de tiro. Mas será que a tecnologia é mesmo a vilã? Antes de dar mais detalhes sobre como funcionam as profundezas da internet, vale destacar que o atentado que matou cinco adolescentes e três adultos na cidade paulista traz importantes reflexões. Entre elas: quais são os reais perigos da tecnologia e como lidar com eles? Como proteger crianças e jovens das ameaças digitais?

O primeiro passo é entender que existe uma diferença entre Dark Web, Deep Web e Surface Web. A última é como a ponta visível do iceberg, ou seja, a navegação tradicional da internet como se conhece no dia a dia. A Deep Web é todo o restante do gelo que fica escondido no mar e serve para o tráfego legal de informações sigilosas. A Dark Web, por sua vez, é a parte da Deep Web onde são cometidos crimes como a comercialização de drogas e a circulação de pornografia infantil.

Portanto, nem tudo da Deep Web é ilegal e criminoso, apenas o que faz parte da Dark Web. Esse universo profundo foi criado, na verdade, por órgãos militares dos Estados Unidos para proteger a identidade de agentes em missões ou até de informantes infiltrados. Não à toa, o acesso à Deep Web e sua rede criptografada é mais difícil e envolve a instalação de um navegador e um programa específicos. “A gente tem o cuidado de dizer que o que se chama de Dark Web e Deep Web não é o problema. Não é essa tecnologia, que permite o uso um pouco mais anônimo, que é o problema. Ali tem muita coisa boa e é possível usar a Deep Web sem nenhuma prática criminosa”, destaca o psicólogo Rodrigo Nejm, diretor de educação da SaferNet Brasil, ONG soteropolitana que atua no combate aos crimes cibernéticos no Brasil e coopera com instituições como o Ministério Público Federal.

“É como se fosse um lugar perigoso da cidade”, compara Nejm, que é pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba). O problema, defende, não é a rua e, sim, as pessoas que transitam por ela.“Toda cidade tem bairros perigosos que devem ser evitados, e na internet também. A Dark Web é um lugar para as autoridades atuarem e combaterem o crime”, completa.Impunidade? Por conta do aparente anonimato do usuário, a Dark Web se tornou o ambiente favorito dos criminosos. Reunidos em fóruns, eles não só disseminam conteúdos ilegais, como discursos de ódio que alimentam atentados como o de Suzano. Investigações da Polícia Federal apontam que os assassinos do massacre frequentavam o fórum criado por Marcelo Valle Silveira Mello, condenado por associação criminosa, racismo, coação, divulgação de pedofilia, incitação ao crime e terrorismo cometidos na internet.

Existe uma ilusão de impunidade, por conta das inúmeras camadas de codificação que protegem a identidade do usuário, mas a Polícia Federal desenvolveu uma metodologia de investigação que permite a identificação de quem usa a Dark Web.“É um lugar com conteúdos de extrema violência, mas é um lugar onde a polícia atua”, reforça Nejm. Além disso, o diretor de educação da SaferNet ressalta que existem riscos para quem acessa o ambiente, mesmo que por curiosidade.Responder criminalmente está entre as consequências não só para os adultos, mas também para os jovens. “Quando acessa a Dark Web sem domínio técnico, o próprio jovem está em risco, o computador dele pode ser atacado, podem roubar os dados dele e de toda a família que compartilha a Wi-Fi. E mais: os celulares e computadores podem ser usados para cometer crimes contra outras pessoas. Até provar que não foi ele quem fez, já deu um trabalho enorme para a família e para o próprio adolescente que pode responder no Juizado da Infância e da Juventude”, alerta Nejm. Monitoramento Como, então, proteger crianças e jovens das ameaças digitais? Existem estratégias para preservar esse tipo de público que geralmente está mais vulnerável ao mau uso da tecnologia. Entre elas, está o perfil “kids”, ou controle parental que ativa modos restritos de navegação, bloqueando sites perigosos e a instalação de programas. Outra estratégia é restringir o acesso da criança a conteúdos que não estejam de acordo com a classificação indicativa.

Já com os jovens, a conversa precisa ser um pouco mais franca, assim como é feito com temas como drogas e sexo. “Para o adolescente, que geralmente domina alguns aspectos técnicos mais do que os pais, ou busca na própria internet como fazer para desbloquear, esses filtros são menos eficientes do que o filtro da consciência e da responsabilidade que eles já têm que começar a ter”, destaca Nejm. Vigiar o jovem o tempo inteiro, ressalta, está longe de ser a solução.

“Um adolescente, a depender da idade, já vai a pé para a escola, já pode ir sozinho para uma festa, praia ou shopping. Você não tem como controlar todos os comportamentos do seu filho e ele poderia desviar o caminho. Mas aí é a mesma relação para a internet: não adianta botar um vigia 24 horas perseguindo seu filho se você não consegue criar com ele um acordo para que tenha, sim, liberdade, mas que assuma responsabilidades e tenha noção do perigo”, explica. Papel ativo O mesmo vale para o acesso às redes sociais e aos jogos de videogame que têm bate-papo em tempo real. Explicar que não se deve falar com estranhos faz parte do processo de educação dos pais e isso não é diferente do mundo virtual, defende o psicólogo. Dessa forma, o papel mais ativo dos pais é uma das principais formas de combater os efeitos nocivos das tecnologias.

“Precisamos aproveitar esses momentos, essas questões dos crimes de ódio, e falar de alternativas saudáveis para lidar com a diversidade, alternativas pedagógicas para falar sobre conflito, mas sem que a gente alimente o ódio”, pondera Nejm. “Esse tipo de cuidado com a liberdade e o uso da internet é um novo tópico da educação contemporânea, não tem como os pais escaparem disso. A internet reflete os perigos do mundo”, finaliza.

Dicas de segurança

Fonte: SaferNet

Dar limite No acesso de crianças a conteúdos digitais é importante regular as horas de uso na internet. O ideal é que não passem mais de duas horas por dia. É bom diversificar as atividades de lazer com outras que não envolvam tecnologia. Já com os adolescentes é importante equilibrar com os estudos e regular o uso nas madrugadas

Usar o perfil “Kids” Usar o perfil “kids” ou controle parental no videogame, no computador e no tablet. Essa ferramenta ativa modos restritos dos buscadores e bloqueia o acesso a sites perigosos, assim como a instalação de programas indevidos.

Conversar É necessário manter os acordos da infância e conversar abertamente com os jovens sobre os perigos, as regras e as responsabilidades na internet. Ao acessar a Dark Web, o jovem fica vulnerável e seu computador pode ser usado para cometer ataques, podendo responder criminalmente por isso no Juizado da Infância e da Juventude.

Acolher Ensinar às crianças e aos jovens que se encontrarem conteúdo violento, ou sofrerem algum tipo de ameaça, podem e devem procurar os pais para lidar com essa situação. Importante não julgar ao ser solicitado.

Mudar a narrativa Importante criar contranarrativas ao discurso de ódio. O convite é pegar esses conteúdos e criar outras histórias. Em vez de espalhar o racismo, a violência contra nordestinos, a violência contra as mulheres e a homofobia, por exemplo, dar audiência para conteúdos de respeito e  estimular as pessoas a terem mais empatia nas trocas que fazem na internet.

Denunciar Estimule as pessoas a denunciarem crimes como pornografia infantil, racismo, homofobia, apologia aos crimes contra a vida, xenofobia, neo nazismo, maus tratos contra animais, tráfico de pessoas e violência contra as mulheres. A SaferNet tem um canal em seu site, o denuncie.org.br, e o Ministério Público Federal (MPF) também.