ENTREVISTA: 'Não queremos submeter ninguém a riscos'

Mineradoras baianas lidam com a pandemia do coronavírus priorizando o respeito à vida e a produção do mínimo necessário

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 3 de maio de 2020 às 09:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Bater seguidamente os recordes de produção deixou de ser uma prioridade temporariamente na Vanádio de Maracás. A mina da Largo Resources na cidade baiana a 350 quilômetros de Salvador tornou-se uma frente de batalha no enfrentamento ao coronavírus na região Centro-sul da Bahia. Com a ajuda da mineradora, a Cidade das Flores se tornou um oásis para motoristas em estradas sem locais para comer ou se acomodar. É fonte de alimentos para famílias mais carentes e de sustento  e segurança para os seus trabalhadores – mesmo daqueles que fazem parte do grupo de risco e que foram enviados para as suas casas. 

As mudanças na Vanádio de Maracás refletem a postura das mineradoras baianas, garante o CEO da Largo, Paulo Misk, que é também presidente do Sindicato das Empresas de Mineração da Bahia (Sindimiba). Até o momento, oito mineradoras filiadas ao Sindimiba já doaram 12 mil equipamentos de proteção individual (EPI), oito respiradores, 66 mil máscaras, 10 mil unidades de álcool em gel, e de 290 termômetros. Foram doadas ainda 12,5 mil cestas básicas e 13,5 mil testes rápidos, que estão em processos de importação.

Atuação importante No mês passado, a Largo Resources anunciou um novo investimento em Maracás, de vai investir mais de US$ 10 milhões, o equivalente a R$ 50 milhões, na implantação de uma nova unidade para a produção de vanádio a partir do ano que vem. Hoje, pouco mais de 30% das compras feitas pela empresa são realizadas em Maracás. A empresa movimenta uma cadeia de 1,1 mil fornecedores, sendo dois terços deles baianos. Emprega diretamente 800 pessoas, mas tem uma atuação que vai além das porteiras da mina, reconhecida como a melhor produtora de vanádio do planeta. “A mineração fornece produtos para que as pessoas possam ter saúde e é fundamental para a sobrevivência das pessoas, muitas vezes em locais que não tem nenhuma outra alternativa neste sentido”, destaca Misk. 

Quem é Paulo Misk     CEO da Largo Resources, dona da Vanádio de Maracás S.A e presidente do Sindicato das Empresas de Mineração da Bahia (Sindimiba). Formado em Engenharia de Minas na UFMG, Paulo traz 33 anos de experiência na área de mineração, atuando com sucesso na MBR-Minerações Brasileiras Reunidas, CIF (AMG Group), Magnesita e Anglo American. 

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Como está sendo a atuação das empresas de mineração durante essa pandemia?

Eu percebo que as mineradoras conseguem manter as suas unidades de produção com um controle muito grande em relação ao risco de contaminação pelo coronavírus. Por que eu posso assegurar isso? As empresas tem reduzido significativamente o número de seus funcionários em suas unidades de produção. Temos casos de empresas que reduziram 56% o seu quadro. Tem menos gente trabalhando nos sites. Todas as pessoas que se enquadrem em algum grupo de risco – por idade, doença crônica, ou qualquer outro critério – estão sendo afastadas do ambiente de trabalho. Não queremos submeter ninguém a risco.  A gente tem funcionários que dizem se sentir mais seguros na empresa do que em casa. E você sabe que o lar da gente é o lugar mais acolhedor que existe.

De modo geral, a atividade não provoca uma aglomeração de pessoas. Quais seriam os riscos numa mina?

As pessoas não trabalham uma do lado da outra, é cada um em seu posto de trabalho. Então, quando você reduz o número de pessoas na unidade de produção, o risco já diminui bastante. Restam apenas duas situações críticas, o transporte e o momento da alimentação no refeitório. Eu conversei com todas as empresas de mineração que são filiadas ao Sindimiba e elas foram unânimes ao explicar que o transporte e a alimentação são as duas situações críticas. Nestes dois momentos, existe o afastamento de dois metros garantido. Na fila do refeitório, você tem as marcações dos lugares de cada pessoa, com o respeito à distância de dois metros. Foram retiradas metade das cadeiras, para garantir um afastamento. No caso do transporte, reduziu o pessoal e aumentou a quantidade de vagas. A densidade é menor. Além disso tudo, são feitas higienizações a cada viagem e fornecemos máscaras durante os traslados. As janelas tem que ficar abertas. Essas preocupações são muito importantes para reduzir ao máximo os riscos. 

Existe uma defesa do chamado isolamento social. Qual é a posição de vocês?

Nós defendemos a necessidade de garantir a segurança das pessoas em primeiro lugar. Agora, ali não tem ninguém de fora do ambiente de trabalho. Todas as visitas, reuniões, viagens, foram canceladas. Reuniões agora, só por internet, só por telefone. Nós identificamos que o caminhão que traz os insumos poderia ser um fator de risco. Então, criamos ambientes dedicados para os caminhoneiros, onde podem se alimentar, tomar banho e inclusive dormir. Neste alojamento agora só ficam motoristas e muitos vão para lá com suas famílias. Isso não é só uma preocupação com o coronavírus. Os motoristas não tem nenhum contato com nossos funcionários, mas não é só por isso que nós fazemos, para proteger nossa equipe. É uma questão de oferecer um tratamento respeitoso para todas as pessoas. 

O transporte é um serviço essencial.

Muitos estavam relatando que não tem onde comer nas estradas. Eles não trazem só insumos para a Vanádio de Maracás. Eles trazem leite, alimentos, medicamentos e produtos médicos. Então, a gente trata os nossos funcionários de forma respeitosa e sentimos a necessidade de fazer isso com eles também. Outra coisa é que ao oferecermos alimentação e um espaço de conforto para eles, evitamos expor a população de Maracás, porque eles vão deixar de procurar isso na cidade. 

Como é que está a rotina em Maracás?

Maracás não tem nenhum caso, muito menos fatalidade e eu vejo que a coisa está muito concentrada em Salvador. Tem outras cidades com casos, mas se analisar são cidades com grande densidade habitacional. Então, analise, a gente está no interior, adotando as medidas que estamos adotando e fazendo campanhas para as pessoas ficarem em suas casas. Temos trabalhando próximos à prefeitura. Nós defendemos que as pessoas fiquem em casa, que apenas as atividades que sejam essenciais continuem, com todos os cuidados necessários. Agora, pessoas que mexem com saúde, segurança, transportes e suprimentos básicos, como supermercados e postos de gasolina, precisam trabalhar, porque a sociedade precisa desses insumos básicos. Aí você pergunta, e a mineração? Nossa atividade entra como uma atividade necessária para outras atividades essenciais. A agropecuária precisa continuar, precisa ter produção de leite. Se não plantar, não vai ter safra, e aí, como vai se alimentar as pessoas? Alguns setores precisam continuar fazendo o mínimo necessário. É o caso das indústrias e é o caso da mineração. Sem mineração não fertilizantes para a agropecuária, nem insumos para a indústria. Por exemplo, a Bahia produz talco, um mineral usado em plástico, que serve pra embalar produtos, mas também para os respiradores. A mineração está entre as principais fontes de matéria-prima para a indústria. 

O que o setor pensa sobre  relaxar o isolamento?

Nós somos a favor de uma discussão sem ideologia, sem politicagem, não tenho nenhuma inclinação para isso. Só quero lembrar que as pessoas precisam de uma condição adequada de saúde  e de meios para sobreviver. A mineração fornece produtos para que as pessoas podem ter saúde e é fundamental para a sobrevivência das pessoas, muitas vezes em locais que não tem nenhuma outra alternativa neste sentido. Se a gente puder garantir as condições básicas para que as empresas possam alavancar a economia, isso vai garantir que as pessoas tenham emprego e renda. Tem muita gente que não sabe, mas a Vanádio de Maracás é uma empresa de tamanho médio. Ela tem 1,1 mil fornecedores. Destes, 450 estão na Bahia. 

Ou seja, se você para, impacta 1,1 mil outras empresas. 

Imagina a quantidade de pessoas que trabalham nestas empresas. O total de gastos que a gente faz na Bahia representa dois terços do nosso total de gastos. Só em Maracás, é 30%. É muito importante para toda a região. Então, não podemos olhar a mineração individualmente. Além de fornecer matéria-prima, é como se fosse uma locomotiva onde está localizada. É importante deixar muito claro que nossa ideia não é a de operar a qualquer custo. Não abrimos mão de todas as condições de segurança necessárias e produzindo o mínimo necessário. Hoje em Maracás, a comunidade apoia o nosso trabalho. As redes sociais são muito poderosas e a comunidade expressa esse apoio lá. Uma coisa muito importante que a gente fez foi colocar o máximo de pessoas em home office. Nós temos uma preocupação muito grande e vamos iniciar uma campanha de orientação para que as pessoas fiquem em casa. O Brasil está muito bem em relação às medidas de controle e isso pode criar uma falsa impressão de que a situação é menos grave e que não se precisa de tanto rigor. Mas nossa orientação é em relação a manter o foco. O jogo começa agora. Este é o momento de ser rigoroso com o isolamento, uso de máscara e sair só em caso de extrema necessidade. Não dá para afrouxar as medidas preventivas. Estamos vencendo, mas o jogo de verdade começa agora. Como o setor está tratando a comunidade?

Vou te falar da nossa experiência em Maracás, mas lhe garanto que a postura é a mesma em outras cidades com atividade mineral no Brasil. Nós estamos doando EPIs para toda a área de saúde na cidade. Máscaras, botas, luvas e nós temos um macacão do tipo tyvek (que protege todo o corpo) de tactel, que é descartável,  estamos doando para o uso que eles precisarem porque a prioridade é cuidar das pessoas e de quem cuida das pessoas. Nós providenciamos seis respiradores. Isso aumenta a capacidade de Maracás em 150%. O município adaptou uma clínica para instalar e quatro já estão instalados. Compramos seis mil kits de testes. Compramos de uma empresa americana. Doamos para a cidade 4,5 mil cestas básicas em três meses. Com o isolamento, tem muita gente cuja renda vai a zero. São autônomos, são trabalhadores cujas empresas não conseguem bancar o salário. Isolamento para quem tem casa quente e comida no fogão é possível, mas ficar em casa com fome é doloroso. 

 Nós entendemos a dor dessas pessoas. Estamos fazendo campanhas educativas. Todo motorista que chega em Maracás, a gente fornece alimentação. Junto com a prefeitura, montamos três barreiras nos acessos à cidade. Tem uma função educativa. Uma equipe de saúde em cada barreira,  e a gente dá apoio. Temos que estimular a união. Se todos estiverem juntos, fazendo os seus papéis da melhor maneira possível, todo mundo vai sair ganhando e vamos passar por essa crise da melhor maneira.