'Escolhi ficar com ele': conheça filhos que preferiram ficar com os pais após a separação

Cada vez mais crianças e jovens querem morar com os pais e não com as mães

  • Foto do(a) author(a) Alexandre Lyrio
  • Alexandre Lyrio

Publicado em 11 de agosto de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mateus Pereira / Divulgação

Malu e Mateus: Ela escolheu morar com o pai há quase um ano (Foto: Mateus Pereira / Divulgação) “Tem homem hoje em dia que é mais mãe do que muitas mães”. A frase do juiz de família Alberto Raimundo Gomes dos Santos, 65 anos, parece revelar algo positivo.  Ela indica, porém, que pais dedicados são exceção. Mas, tanto eles existem que, no momento de uma separação, muitas crianças e adolescentes têm optado por morar com o pai e não com a mãe. Você vai conhecer histórias de pais afetuosos e cuidadores natos. Homens que nasceram não para serem mães, mas pais de verdade. 

Há quase um ano, Malu, que na imagem acima escova os dentes com o fotógrafo Mateus Pereira, 40 anos, foi finalmente morar com o pai. O pedido partiu dela própria. Uma ideia que vinha sendo amadurecida. Mateus foi casado por 11 anos. Teve Maria Luíza, a Malu, e a filha mais nova, Duda. Quando a ex-esposa engravidou da caçula, já havia um processo de separação. “Duda nasceu e já estávamos separados”. Malu, aos 9 anos, acompanhou de perto as brigas e conflitos.

Inicialmente, a menina foi morar com a mãe. “Bem difícil esse afastamento. Chegamos a uns acordos de visitas, sempre me esforcei muito para estar presente, mas o fato é que ela ficava mais com a mãe. Noite de Natal mesmo, ela nunca passava comigo”. Na medida em que foi crescendo, Malu percebeu que se identificava mais com o pai. Então, começou a expressar essa vontade. “Não foi da noite para o dia. Foi uma ideia amadurecida que se concretizou no final do ano passado”, conta Mateus.

Até a psicóloga de Malu entrou na história. “Ela me chamou e disse: ‘Malu precisa ir morar com você!’”. A partir daí, Mateus iniciou uma luta de convencimento da ex-mulher. Porque a filha, hoje com 16 anos, já estava convencida do que queria há muito tempo.“Eu me dou melhor com meu pai do que com a minha mãe. Eu fui crescendo e quis me aproximar mais. Aí eu vim morar com ele. Tô muito feliz”, entrega Malu.“A gente é muito brincalhão um com o outro, gostamos de conversar sobre tudo. Até sobre conselhos amorosos. Não tenho essa abertura com minha mãe”, diz ela.

“As mães têm uma necessidade muito grande de estar com os filhos. Não sei se é o instinto materno ou orgulho. Não é só porque ama o filho. Mas envolve uma série de coisas da sociedade. É cultural. Vencer tudo isso foi uma luta”, lembra Mateus. O fotógrafo sabe que é uma exceção. Mas, sabe também que é cada vez menos exceção. E que está inserido em uma geração de pais que se separam muito mais que no passado. “Dos anos 80 pra cá a hipocrisia dos relacionamentos diminuiu. A quantidade de filhos com pais separados aumentou. Quando eu era criança, tinha pouquíssimos colegas de pais separados”.

Malu confirma que a maioria dos amigos tem pais separados, mas, no caso dela, a presença maior do pai nas conversas causa certo estranhamento. “As histórias das minhas amigas envolvem mais as mães. Quando falam de alguma coisa que aconteceu em casa, sempre tem a mãe. Por isso, no início, elas estranhavam porque eu sempre falo do meu pai. Do meu pai e da minha madrasta”. Aí é que está! Curiosamente, Malu repete a história da própria madrasta.

A jornalista Juliana Santana, 34 anos, que se casou com Mateus em 2011, também escolheu viver com o pai. Na verdade, assim como a enteada, morou primeiro com a mãe, com quem tinha uma relação bem complicada.  “Até hoje, na verdade, a relação é muito conflituosa. Eu discordo de 95% das ideias de minha mãe. Meu pai, por outro lado, sempre foi uma pessoa muito afetuosa, carinhosa e atenciosa. Minha relação com meu pai é muito forte”. Juliana e Lázaro: 'Ligação muito forte' (Foto: Acervo Pessoal / Divulgação) No momento da separação, aos seis anos de idade, Juliana já expressou a vontade de ficar com o pai, Lázaro Santana, 63 anos. “Quando ele veio me explicar a separação, eu disse: ‘Tudo bem, pai. Mas, em breve, vou morar com você’. Ele conta isso com lágrimas nos olhos”. Aos 13 anos, Juliana diz que passou a sofrer maus-tratos da mãe e decidiu que iria morar com o pai. “Sempre foi um desejo meu e dele também. Fomos ao juizado. O juiz ouviu minha história e chamou um advogado. No dia seguinte, eu já fui morar com meu pai e minha madrasta. Minha vida mudou!”.

Agora, Juliana virou madrasta de Malu. “Por ter sido uma criança que viveu essa realidade, Juliana se esforça bastante para compreender Malu e se integrar a esse processo de construção. Tudo se encaixou”, comemora Mateus.  

Enquanto isso, a filha mais nova, Duda, de 7 anos, também já manifesta a vontade de ir morar com o pai. “Duda é muito apegada à mãe. Ainda não sinto uma certeza, mas ela já manifestou uma vontade. É algo a amadurecer”. Apesar de tudo, Juliana sabe que os exemplos que tem em casa ainda são raros. "Um filho só escolhe morar com o pai e uma madrasta quando não tem o acolhimento materno”, acredita Juliana.

Incompatibilidades O repórter cinematográfico Benedito Ramos, 48, se separou em meados de 2008. Tinha um casamento feliz até que algumas incompatibilidades fizeram a mulher sair de casa e deixar, inclusive, os filhos para trás. Na noite em que a esposa deixou o lar, Bené foi até ela e, junto com os filhos, perguntou: “É isso mesmo que você quer?”. Diante da confirmação, Bené então perguntou aos meninos com quem eles queriam ficar. “Eu disse: ‘Isabela e João Victor, papai tá indo pra casa. Vocês vão comigo ou ficam com mamãe? Enquanto eu ia na cozinha e bebia uma água, eles já estavam dentro do meu carro, esperando”, conta Bené. Bené, Isabela, João Victor e a cadelinha Cristal: Pai pra toda obra! (Foto: Acervo Pessoal / Divulgação)  Durante um tempo, as crianças perderam o contato com a mãe. Hoje, eles se reaproximaram. Mas, João Victor e Isabela continuam morando com o pai. “Sempre tive mais apego por meu pai e por conta disso eu e meu irmão decidimos morar com ele. Sou muito grata por tê-lo como mãe e pai. Sempre esteve por perto me aconselhando e reclamando. Nossa convivência é entre reclamações e risadas. Nos entendemos muito bem! Um dá sermão no outro”, diz Isabela, hoje com 20 anos.

“Eu nunca vou entender esses caras que, além de não fazer questão de estar com os filhos, ainda ficam sem pagar pensão. Que loucura!”, diz Bené, admitindo ter sido muito difícil cuidar e educar as crianças.“É nessa hora que a gente vê o que as mulheres sofrem. Os caras largam e fica tudo nas costas delas”, observa Bené.Além de João Victor e Isabela, Bené ainda tem como filha Ingrid, que a ex-mulher teve no primeiro casamento. “Ingrid tinha dois anos quando me casei. Ela é minha filha!”, enfatiza Bené.

O cinegrafista quase não posa para a foto. Ele fazia questão de Ingrid estar junto com os outros na imagem. Mas, hoje com 24 anos e casada, Ingrid mora no interior. “Se você perguntar a Ingrid quem é o pai dela, nunca vai dizer que é o biológico. Ela vai dizer que sou eu! Todo dia a gente se fala! É um amor muito grande!”. 

Os casos em que pais são escolhidos após separações parece crescer. Mas, e quando o escolhido é o padrasto? Foi o que aconteceu com a professora de educação física Maiara Nascimento, 33 anos. Ela e a mãe foram morar com o padrasto quando ela tinha cinco anos. Acontece que o casal se separou quando ela tinha 12. Desde então, a menina manifestou a vontade de morar com ele em vez dela. Como ele não era o pai biológico, Maiara teve que morar com a mãe no início.

Para que a filha pudesse visitá-lo, a mãe passou a dar autorizações. Acontece que, em determinado momento, a mãe de Maiara desapareceu por cerca de 45 dias. Foi quando a Justiça determinou que a guarda passasse ao pai biológico, que nunca teve uma convivência próxima da filha. Este, por sua vez, passou a guarda dela para o padrasto, que preferiu não ter o nome divulgado. Atualmente, Maiara ainda mora com o padrasto. “Moramos só eu e ele, temos a mesma profissão e trabalhamos juntos”, conta Maiara.  

Associação Em Salvador, há uma associação de pais separados que atua no apoio emocional de homens (e também mulheres, mas principalmente homens) que lutam pelo convívio com seus filhos e sofrem com alguns problemas como alienação parental. A ABCF Criança Feliz-BA atende, em média, 30 pais por ano e luta pela aplicação da Lei da Guarda Compartilhada. Diretor da associação, Jaime Cordova, 49, sofreu anos com a impossibilidade de conviver com seu filho, Nicholas, que nasceu com Síndrome de Down e hoje tem 9 anos. Jaime e Nicholas: Psicólogos atestaram vontade da criança (Foto: Acervo Pessoal / Divulgação) Como o filho se expressava com dificuldade, nunca pôde dizer com todas as letras a vontade de ficar com o pai. A mãe tinha a guarda e ele chegou a ser privado de visitá-lo. “Tenho vídeo dele agarrado à pilastra do prédio sem querer ir pra casa da mãe. Não que ele não goste da mãe, mas nossa relação é muito mais forte!. Amigos meus que encontravam com ele e a mãe na rua relataram que ele perguntava por mim: ‘Papai, papai’. Levei tudo para o juiz”. 

O processo seguiu, e Jaime ganhou o benefício da guarda compartilhada. Nicholas fica uma semana em cada casa.“O laudo dos psicólogos atestou que ‘não restava dúvidas de que a criança tem que morar com o pai’".Conquistei pelo menos a guarda compartilhada. Mas, toda segunda-feira, meu filho pede pra ficar comigo em vez de ir pra casa da mãe. É horrível pra mim! Eu incentivo ele a ir pra casa da mãe”, afirma Jaime, que é administrador, professor de línguas e dá palestras sobre alienação parental.

A estrutura de sociedade patriarcal, diz Jaime, seria um dos problemas para que muitos pais sejam privados de conviver com os filhos. “A sociedade patriarcal acredita que o pai deve prover e a mãe deve cuidar dos filhos. Mas é preciso entender que isso já mudou muito”, acredita Jaime. O outro fator, aponta, seria o preconceito da Justiça e dos juízes em si. “Fizemos uma pesquisa detalhada nas 14 varas de família. A maioria é comandada por titulares mulheres, separadas e com filhos. Mas, os juízes homens também têm esse preconceito. Estamos em uma cultura patriarcal, mas, quando se trata de filhos, tudo vai para a mãe”.  

Apenas 3% dos processos de família deram guarda para pais em 2018

Segundo dados coletados no Conselho Nacional de Justiça pela ABCF Criança Feliz-BA, o número de processos que tramitaram nas 14 varas de família em Salvador chegou a quase 10 mil em 2018. Desses, apenas 3% deram guarda unilateral para o pai. E 8% terminaram em guardas compartilhadas. “Embora seja uma lei sancionada em 2014, os juízes não estão aplicando a guarda compartilhada”, afirma Jaime Cordova, diretor da associação.

'O homem tem desvantagem nos julgamentos', diz juiz

Com 30 anos de atuação em varas de família na Bahia e atual presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), o juiz Alberto Raimundo Gomes dos Santos observa que tem crescido o número de pedidos de guarda por parte dos pais e a vontade dos filhos de ficar com os genitores e não com as mães.

“Cada vez mais temos visto pais mais amorosos e afetuosos. Isso é em razão da mudança de um paradigma social. Quando o homem passou a assumir tarefas que eram apenas das mulheres, isso fez com que eles ficassem mais ligados aos filhos. E isso se reflete nesse tipo de pedido quando eles se separam”, diz o juiz, pai de três filhos e avô de dois netos.

Alberto Raimundo afirma que, no passado, os homens que solicitavam a guarda visavam apenas o não pagamento de pensão. “Mas hoje a gente vê que eles querem mesmo estar com os filhos, protegê-los e estar perto deles”, acredita. “Tem homem hoje em dia que é mais mãe do que muitas mães”.

O juiz explica também que a vontade da criança deve ser levada em conta, mas nem sempre prevalece. “A regra aqui no Brasil é de que a criança deve ser ouvida a partir dos 12 anos. É uma prática. Não tem nenhuma lei dizendo isso. Depende muito do discernimento dela, do ambiente em que ela foi criada”.  O juiz diz defender, inclusive, uma mudança de comportamento jurídico dos próprios colegas. Ou, no caso, das colegas. “Defendo uma mudança de comportamento nas varas de família. Em razão de ser muitas mulheres atuando nas varas de família, o homem tem desvantagem nos julgamentos. Porque a preferência tem que se dá a mãe. Isso já foi!. É passado!”.

O diretor da ABCF Criança Feliz-BA, associação que apoia pais privados da convivência com os filhos, confirma o que diz o juiz usando um exemplo prático. Jaime Cordova diz que, em uma audiência, no momento da instrução, o réu é o primeiro a sair da sala. E que muitas vezes se dirigiam a ele como réu. “O juiz se dirigiu a mim: ‘Vou instruir. Por favor, pai, pode sair!’. Aí meu advogado explicava: ‘Doutor, ele é o autor do processo. Ele não é réu’. Eles não imaginam que um pai, homem, entre com um processo para conviver com o filho”.