Esgotados com a pandemia: profissionais da saúde desenvolvem Síndrome de Burnout

Distúrbio psíquico é causado quando um indivíduo é levado ao limite da exaustão

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  • Marcela Vilar

Publicado em 23 de fevereiro de 2021 às 08:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO

O efeito colateral do aumento da carga horária tem levado muitos trabalhadores da saúde ao esgotamento extremo. Muitos chegaram até a desenvolver a “síndrome do burnout”, um distúrbio psíquico causado quando um indivíduo é levado ao limite da exaustão, normalmente relacionada ao trabalho. A médica Luana Bordoni, 31 anos, passou por isso em agosto do ano passado, quando chegou a ficar um mês sem ver o filho, por ela estar na linha de frente do combate à pandemia.  

“Tive uma sonolência excessiva, dor no corpo inteiro, palpitação e aquela sensação de sufocamento, de angústia e desespero. Eu não conseguia raciocinar, fazer as atividades diárias. Era como se tivesse acabado a bateria de meu corpo, dizendo para eu desligar o interruptor e tentar descansar, ou não ia dar mais”, narra a médica. Após uma semana afastada e com medicação psiquiátrica aumentada, Luana retomou à rotina. Porém, nos últimos 15 dias, ela conta que o aumento da demanda foi absurdo.  

“O fluxo de ocorrências aumentou absurdamente nos últimos 15 a 20 dias. O número de ocorrências chega a beirar a exaustão, o plantão de 24 horas está quase impossível e, quando tem suspeita de covid, tem que ir com a paramentação, com máscara, e é bem desconfortável, porque a gente sua muito. Tem sido também muito difícil regular pacientes e conseguir leitos”, afirma.  

O efeito déjavu e o medo do caos da primeira onda se repetir aflige não só a médica, mas os colegas. “É um sentimento de medo muito grande e desespero de que demore mais tempo para que essa luz no fim do túnel chegue logo, porque não sei até quando a gente vai aguentar. A gente achou que iria voltar ao normal e, de repente, voltamos à estaca zero. Mas tenho muita esperança e tento me manter otimista, porque senão, a gente vai sucumbir mesmo”, desabafa Bordoni.  

Com Jean Rios, 33 anos, o burnout já apareceu com outros sintomas – picos de ansiedade e amnésia - mas ele não chegou a procurar um médico para tratamento, por conta da puxada carga horária de trabalho. O médico se divide em 120 horas por semana entre SAMU, Hospital Municipal de Salvador e UPA de Itinga, em Lauro de Freitas. Sobram, então 48 horas para dormir, lazer e estudar. Há um ano, ele só vê a família por videochamada pelo telefone. 

Onde trabalha, ele tem notado um crescimento das síndromes gripais. “A gente vem observando que, nas últimas semanas, fugiu a ordem do normal. A UPA virou quase um covidário e o atendimento por síndrome gripais foi de quase 70% dos pacientes. No SAMU, aumentou muito a demanda, está mais alta do que a gente consegue dar respostas. Pelo que a gente tá vendo, a gravidade está bem maior que a primeira onda, com pacientes mais jovens e um acometimento mais severo da doença”, expõe o médico.  

Mesmo quase sem descanso e longe da família - a mãe e a irmã são do grupo de risco – Jean não pensa duas vezes em parar de trabalhar. “A gente acaba tirando esforço de onde não tem. A gente tem um compromisso com a causa e, se não for a gente, vai ser quem? É um momento de situação calamitosa que exige esforços e força de vontade, superando o cansaço e sempre tomando muito cuidado”, descarrega Rios.  

Colapso já chegou 

O enfermeiro Miller Brandão, 32, afirma que, apesar de a carga horária não ter aumentado, a quantidade de trabalho nas 24 horas do plantão aumentou. "Antes, em um plantão de 24 horas, a gente trabalhava em atividade de fato 10, 12 horas e conseguia ter um momento de descanso, alimentação, para higiene pessoal. Agora não, às 8h da manhã a equipe é acionada, chega às 21h da noite na base, come do jeito que dá, vai no banheiro quando der. A exaustão está chegando porque, ou a gente tem capacidade para atender ou dá conta da transferência. A coisa é muito mais grave do que estão pintando por aí, mas quem está na ponta já sabe que está no colapso”, alerta Brandão. 

A médica especializada em cirurgia e mastologia Marcela Embiruçu, 34, que atende no SAMU há mais de 10 anos, relata que nunca viu nada igual ao cenário que se desenha agora. É uma situação que não deixa nem “o leito esfriar”. “Tive que esperar ter vaga na UPA para prestar assistência a um serviço da rede particular. A gente não deixa nem esfriar o leito, rapidamente coloca outro e vai ter uma hora que não ter como, a gente tem medo de travar esse sistema e não ter para onde levar”, afirma.  

Além de plantonista, Marcela também atua como chefe de plantão do SAMU a cada duas semanas. A missão é mais exaustiva nesses momentos, ainda mais quando ficou sem ver a mãe por sete meses. A avó ela já não vê há um ano. “Você sai com uma sensação de impotência, de, por mais acordada que você estava tentando ajudar, não ter sido o bastante. A gente chega do plantão com uma tristeza que não sabe nem de onde bem. Não é normal ver um sofrimento de tantas pessoas e tanta morte. Me dói como chefe do plantão ter que tomar uma postura de fazer minha equipe sangrar e trabalhar ainda mais, além da preocupação com os nossos, que não estão na lista de prioridade da vacina, ter que forçar ainda mais o isolamento na tentativa de protegê-los. Mas, o mais importante é a gente não ser indiferente com a morte do outro”, relata.  

*com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro