‘Estamos sofrendo muito’, diz filho de motorista de app assassinado

Missa de 30 dias foi celebrada nesta segunda-feira (13), no Catedral Basílica

  • Foto do(a) author(a) Gil Santos
  • Gil Santos

Publicado em 13 de janeiro de 2020 às 21:37

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr/ CORREIO

A missa em homenagem aos quatro motoristas por aplicativo que foram assassinados em 13 de dezembro do ano passado foi marcada pela emoção. A cerimônia aconteceu na noite desta segunda-feira (13), na Catedral Basílica de Salvador, no Terreiro de Jesus, e deixou o templo lotado. Os quatro trabalhadores foram mortos na Chacina da Mata Escura.

Os familiares foram chegando aos poucos e ocupando os primeiros bancos da igreja. Vestindo camisetas brancas, alguns deles estampavam a foto e os nomes das vítimas no peito. A missa começou pontualmente, às 18h30, e as vozes do Coro Barroco na Bahia encheram o templo e deram um tom ainda mais emocionante à cerimônia. Velas na frente do altar representaram as quatro vítimas (Foto: Betto Jr/ CORREIO) Na primeira fila, estava o técnico em manutenção automobilística Leonardo Mascarenhas, 23 anos, único filho de Genivaldo da Silva Félix, 48. Foi graças ao pai dele que o quinto motorista por aplicativo atraído para a emboscada conseguiu fugir e avisar a polícia, evitando mais mortes. Genivaldo reagiu e distraiu os bandidos.

Leonardo contou que esses trinta dias não foram suficientes para acalmar o coração. “Perder meu pai, e da forma como foi, com tanta violência, não é algo que vamos conseguir superar tão cedo. O tempo vai ajudar a diminuir a dor, mas ela não vai passar. Minha preocupação, agora, é com minha mãe. Ela está sofrendo muito. Todos estamos”, disse. Leonardo perdeu o pai (Foto: Betto Jr/ CORREIO) Os pais de Leonardo foram casados por 23 anos, e a família ainda não conseguiu se desfazer das roupas e dos outros pertences do trabalhador. “Acredito que minha mãe não vai conseguir se desfazer disso nunca. Ela é enfermeira, passa o dia ajudando as pessoas, e a maior dor dela é que não pôde ajudar meu pai quando ele mais precisava”, disse.

Além de Genivaldo, Sávio da Silva Dias, 23 anos, Alisson Silva Damascena dos Santos, 27, e Daniel Santos da Silva, 30, foram assassinados na manhã do dia 13 de dezembro, uma sexta-feira. Familiares e amigos usaram camisetas com a imagem das vítimas (Foto: Betto Jr/ CORREIO) Celebração No começo da missa, o padre Abel Pinheiro convidou um familiar de cada uma das quatro vítimas para acender uma vela de sete dias no altar. Em silêncio, eles caminharam até a frente do templo e acenderam a chama. “Essa luz representa a luz de Cristo”, afirmou o padre.

Em seguida, o arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, comandou a celebração. Na homilia, ele falou sobre morte, a preciosidade da vida e da necessidade de estar perto de Deus nos momentos de dor, e lembrou que Jesus também foi assassinado de forma brutal. “A vida é dada para que conheçamos a Deus e a morte para encontrá-lo”, disse. Familiar se emociona durante a missa (Foto: Betto Jr/ CORREIO) Minutos antes da cerimônia, ele disse ao CORREIO que a fé não é uma fuga, mas uma certeza de ter Deus ao lado nos momentos de dificuldade. Ele condenou a violência e disse que todos precisam refletir sobre os atos do dia a dia.

"A violência é sempre um absurdo. Não posso imaginar como um ser humano atente contra a vida de outro e planeje a morte do outro. Matar por matar. É algo que mostra que ainda temos que caminhar para viver em uma sociedade que se diga verdadeiramente humana porque nem os animais fazem isso, eles matam para sobreviver. O problema da violência não é apenas de polícia, cada um de nós acaba criando um ambiente de violência quando não dialoga com o outro, quando não perdoa, quando guarda rancor. Todos precisamos nos educar para adquirir a cultura da paz", afirmou.

Um dos momentos mais bonitos da cerimônia foi quando o arcebispo pediu que as pessoas se saudassem na paz de Cristo. Foi o momento dos abraços apertados e cumprimentos de solidariedade entre as quatro famílias. Muitas pessoas se emocionaram e a ação durou alguns minutos a mais que o normal. Familiares se confortam durante a cerimônia (Foto: Betto Jr/ CORREIO) Amigos de Sávio da Silva Dias, 23 anos, outra vítima da tragédia, contaram que a mãe do jovem morreu há alguns anos e que o pai dele não mora na Bahia. Foi uma tia do rapaz que acendeu a vela do altar.

“Ele era um menino maravilhoso, trabalhador e esforçado. É difícil aceitar e entender o que aconteceu porque já seria horrível pensar na morte de alguém tão jovem, mas é ainda pior pelo jeito como ocorreu”, contou uma amiga, que pediu para não ser identificada. Quatro vítimas foram assassinadas enquanto trabalhavam (Foto: Betto Jr/ CORREIO) O presidente do Sindicato de Motoristas por Aplicativo, Átila Santana, assistiu à missa. Ele contou que a categoria ainda está assustada com o que aconteceu e que os trabalhadores se sentem inseguros.

“Participei de uma reunião hoje (segunda-feira) com representantes da Secretaria de Segurança Pública para discutir o assunto, e estou conversando com deputados sobre a elaboração de um projeto de lei para trazer mais segurança para a categoria. As empresas de aplicativo precisam ter mais comprometimento”, disse.

O arcebispo encerrou a missa cumprimentando os familiares das vítimas e desejando a todos a paz. As famílias se abraçaram e alguns, de braços dados, deixaram o templo. Presidente do sindicato cobrou mais segurança (Foto: Betto Jr/ CORREIO) O crime As cinco vítimas trabalhavam como motoristas por aplicativo e foram até o bairro da Mata Escura para atender a uma corrida, mas foram rendidos, torturados e assassinados a golpes de facão por traficantes da região. Um quinto motorista conseguiu fugir a avisar a polícia.

Segundo a investigação, cinco pessoas participaram da chacina. Uma travesti identificada como Benjamin Franco da Silva, 25 anos, conhecida também como Amanda, foi presa cerca de dez dias depois das mortes.

Já Antônio Carlos Santos Carvalho e Marcos Moura de Jesus, morreram em confronto com a polícia, enquanto Jeferson Palmeira Soares Santos e um adolescente de 17 anos foram assassinados por traficantes.

De acordo com a polícia, o crime foi ordenado por Jeferson. A mãe dele precisou de atendimento médico e chamou um carro por aplicativo, mas a corrida foi recusada diversas vezes. Ela acabou sendo socorrida por um vizinho. Em um ato de fúria, Jefferson deu ordens para que os comparsas matassem os motoristas por aplicativo que entrassem no bairro.